Ladysmith Black Mambazo – “As Cores Do Verão – Vozes De África” (concerto | antevisão | festivais | artigo de opinião)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 20 JULHO 1990 >> A Semana >> Na Capa


As cores do Verão

Estiveram no “Graceland” ao lado de Paul Simon. Participaram no vídeo “Moonwalking”, de Michael Jackson, e foram à “Rua Sésamo”. São os Ladysmith Black Mambazo e cantam “a capella”. Em Lisboa – onde atuam no Verão 90 – a voz dos anjos também será negra.



VOZES DE ÁFRICA

Fala-se em música africana e ouvem-se batuques. Afluem ao espírito imagens de selva, savana, fogueiras noturnas perturbadas por olhos na escuridão e rugidos que se desejam ao longe. Mas África é também do Sul e o “apartheid”, Nelson Mandela, grandes cidades e o tribalismo afastado para o lado, mas constantemente a gritar os seus direitos.
Os Ladysmith Black Mambazo são sul-africanos, negros e não tocam tambores. Cantam. Maravilhosamente e “a capella”, hinos religiosos e temas populares e tradicionais do seu país. O canto “a capella” é o estilo vocal em que cada cantor entoa uma linha melódica diferente, uns em voz grave, outros em voz menos grave e por aí acima até aos gorjeios soprano do topo da escala. O feito total é a harmonia perfeita – como acontece com os Manhattan Transfer, os grupos de espirituais negros ou o Coro de Santo Amaro de Oeiras.



O nome do grupo significa “enxada preta de Ladysmith” e grande parte do seu reportório inspira-se no estilo “mbube”, indissociável da cultura zulu, e na “Isicathamiya”, cantada pelos trabalhadores negros que foram levados à força para longe das casas e famílias para trabalhar nas minas exploradas pelo branco. O seu mentor, Joseph Shabalala (“Bekezizwe” em zulu, “homem líder”) trabalhou nas minas. A sua música irrompe do sofrimento e da harmonia dos sonhos, como ele gosta de afirmar. Convenceu alguns dos seus familiares a partilharem desses sonhos e a materializarem-nos na voz.
Costumam tocar um pouco por todo o lado, mas especialmente em igrejas e centros comunais. Já o fizeram também em prisões, em escolas secundárias e nas grandes catedrais. Participaram na “Rua Sésamo” e nos espetáculos “Saturday Night Live” e “The Tonight Show”, bem como no vídeo de Michael Jackson, “Moonwalker”. Além de cantarem, narram provérbios e contam histórias e anedotas da sua tradição. Trazem as raízes ancestrais para a cidade e encantam sempre.
Costumam utilizar a língua materna zulu – por isso poderá haver quem não entenda as palavras. Mas a música, todos a sentem, e a mensagem passa. Fora dos limites estreitos do Sul do continente negro, para o resto do mundo. Em discos avidamente escutados pelos ocidentais, sempre dispostos a consumir e a devorar novas e diferentes sensibilidades, que apelidam invariavelmente de “exóticas”. Que nos façam bom proveito.
Paul Simon (em zulu, “Vulindlela” – “aquele que abriu o portão”) não deixou escapar a ocasião e utilizou, com ótimos resultados, as vozes africanas no álbum “Graceland”. Mas os Ladysmith Black Mambazo têm discos só seus. Ao todo vinte e oito. Os mais recentes dão pelo nome de “Inala”, “Umthombo Wamanzi” e “Two Worlds, One Heart”, este último concedendo espaço aos instrumentos e à eletrónica, incluindo um “Zulu-Funk-Rap” ao lado de George Clinton e com honras de edição em CD.
O importante é intuir a voz da terra irmanada com os cânticos do céu. A dança tribal invadindo a selva urbana. Para os Ladysmith Black Mambazo há “Two Worlds, One Heart”: “Dois mundos – a terra e o paraíso – e um coração, poder único que se ergue acima do mundo e conduz à paz e unidade de todos os povos do planeta”, como eles explicam.
LISBOA, Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, 5ª, às 22h.

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