25 de Fevereiro 2000
Reunião de amigos da música tradicional
Sobe, sobe, balão sobe
“Cantigas de Amigos” reúne uma série de clássicos da música tradicional portuguesa onde o factor divulgação está bem servido de boas ideias e nomes famosos. A ideia partiu de João Balão – colaborador habitual da Ala dos Namorados, de Fausto e do chileno Ramuntcho Matta. Balão não teve qualquer problema em ser “sombra”. Com ele sobe também a música.
“Foi uma ideia que começou a tomar forma ao longo do próprio processo de gravação”, começou João Balão por explicar ao PÚBLICO. “Era para ser uma coisa completamente diferente, um disco instrumental.” Afinal “Cantigas de Amigos”, concretizado com a ajuda preciosa de José Moz Carrapa e do engenheiro de som Jorge Avilez, acabou por reunir uma constelação de cantores que inclui Genoveva Faísca, João Afonso, Paulo Costa (dos Ritual Tejo), Luís Represas, Né Ladeiras, Viviane (dos Entre Aspas), Carla Lopes, José Medeiros, o grupo Cramol, Nuno Guerreiro, Maria João, Minela Medeiros e três Gaiteiros de Lisboa, José Manuel David, Rui Vaz e Carlos Guerreiro. Faltaram à chamada para a participação em “Cantigas de Amigos” – gravado no Verão de 1998 –, por “indisponibilidade” de momento, Dulce Pontes (“estava a entrar em estúdio para a pré-produção do seu novo disco”) e Amélia Muge (“sobrecarregadíssima de trabalho com as Vozes Búlgaras”). “Ainda por cima estávamos no ano da Expo”, diz João Balão, um multinstrumentista cuja carreira passou até agora pela música tradicional, nos finais dos anos 70, com o grupo Água Dura, tocando na década seguinte com Fausto (com quem voltou a trabalhar nos últimos três anos), Júlio Pereira e Trovante e, já nos dias de hoje, com a Ala dos Namorados. João Balão reside actualmente em Barcelona, onde toca com uma formação de jazz, os El Chuco. Já trabalhou com o músico chileno Ramuntcho Matta, um dos expoentes da fusão entre electrónica e sonoridades étnicas, autor, entre outros trabalhos, do clássico “Domino One” para a editora Made to Measure.
Apesar de todo este passado, o nome de João Balão não tem por enquanto grande expressão nas primeiras páginas dos jornais. Ele não se importa, embora tenha sido ele quem escolheu os temas e assinou a maioria dos arranjos de “Cantigas de Amigos”: “Não é uma questão que me preocupe. Sinto-me confortável em ser sombra. Não que tenha qualquer receio em expor-me, mas não tenho, de facto, grande apetência em ser figura pública.”
Os cantores envolvidos nos projecto aceitaram de bom grado o desafio, colaborando com “críticas e sugestões”. “Houve muitas coisas modificadas em relação aos arranjos originais, como o tema vocalizado pelos três Gaiteiros, “juntamente com o tema cantado pela Genoveva Faísca”. “Um dos que não foram feitos por mim.”
Nas gravações, foi fácil. “Uma das experiências que pus em prática neste disco foi a psicologia de estúdio, eliminando a tensão de pessoas mais vulneráveis a ela.” Tudo correu bem, com total envolvimento dos participantes, “havendo, inclusive, quem regressasse de novo ao estúdio para melhorar o que já estava feito”.
O espírito era de celebração e de celebração se fez o disco. “Celebração da força da terra que está na origem de toda a música tradicional, seja ela portuguesa ou de outro sítio qualquer”, diz João Balão em cujo leitor de cassetes tem rodado ultimamente uma colectânea de música tradicional finlandesa, com Maria Kalaniemi, Troka, Loituma e Tallari, entre outros.
“Cantigas de Amigos” bem poderia ser o primeiro volume de uma série de álbuns animados pelo mesmo espírito. João Balão ri-se e não põe de parte a ideia. Para já fez-se o que devia ser feito. E bem. Não faltam momentos de excepção em “Cantigas de Amigos”, culminando com um “A garrafa vazia de Manuel Maria” que homenageia da melhor forma o nome de José Afonso, com todos os vocalistas numa espécie de desgarrada isenta daquele toque de populismo, tipo “live aid”, que normalmente caracteriza este género de temas. Talvez porque “as vozes foram gravadas separadamente”, o que não lhe retira nenhuma das virtudes. “As únicas pessoas que gravaram juntas foram, no coro final, a Né Ladeiras, o João e o Toninho Afonso que, por acaso, se encontraram no estúdio.”
“Cantigas de Amigos” surge assim como uma ideia susceptível de criar novos desenvolvimentos. Depois dos “Romances” de Amélia Muge, Sérgio Godinho, Brigada Victor Jara, Gaiteiros de Lisboa e João Afonso, este trabalho comprova que é possível, ao contrário do que tem acontecido neste mesmo meio e em outras paragens, avançar em conjunto em prol da música de raiz tradicional feita em Portugal. Basta deitar antigas questiúnculas para trás das costas e ser amigo.