Pop Rock
3 de Janeiro de 1996
Especial Balanço 95 da Música Portuguesa
HERÓIS DO MAR
Frei Fado d’el Rey, Danças Ocultas, Pólo Norte. O que têm em comum estes três grupos, além de serem portugueses, ostentarem designações, no mínimo, curiosas e terem lançado álbuns no ano passado? O facto de, mais do que seguirem a inspiração própria, seguirem um modelo alheio. Na música, mas também na pose e nas vestimentas. Os Madredeus, no caso dos Frei Fado e das Danças. O eixo Resistência-Delfins-Sétima Legião, no caso dos Pólo Norte. O ano de 1995 foi pois o ano dos filhos menores.
O caso não mereceria reparo de maior, não fora estar em jogo a releitura de uma série de valores tidos como “nacionais” que qualquer das bandas mencionadas gosta de apregoar. Ele é a nossa História (sobretudo o capítulo dos Descobrimentos), ele é o fado e a saudade (de preferência pelo lado mais esotérico e literário), ele é a sina de termos nascido portugueses, ele é o mar e, se não puder ser, o Tejo, aqui mais à mão. Infelizmente nenhuma destas bandas segue o exemplo dos seus antepassados e coragem é coisa que não se divisa na sua música. Uma coisa é ler “Os Lusíadas”. Outra, completamente diferente, é ler um resumo da mesma obra no livro de leitura da 4ª classe (perdão, 4º ano de escolaridade). A leitura da versão original, sem cortes, é, pensamos nós, bastante mais exaltante e proveitosa.
Está fora de questão a qualidade da música destes grupos, a qual, na generalidade, se encontra alguns furos acima da média – íamos dizer mediania – nacional. Não se critica, de igual forma, a defesa do “portuguesismo”, se bem que o aprofundamento desta vertente nos pudesse levar a algumas perplexidades. Critica-se, isso sim, o comodismo que não pode estar ausente de uma opção em que, no lugar da investigação e do desenvolvimento de características musicais próprias, se prefere deglutir a papinha preparada por outrem. Os Madredeus ou os Resistência, para mencionar apenas duas bandas paradigmas de outras tantas formas de se ser português, ou do ser português, que se completam (o Portugal-mito do grupo de Pedro Ayres Magalhães; o Portugal suburbano, dos desenraizados e do desemprego, do grupo de Pedro Ayres Magalhães), dispensaram os intermediários. Pensaram e agiram pela própria cabeça. Arriscaram e, por isso, petiscaram. Os tais grupos da nova geração limitaram-se, pelo contrário, a ir na onda, sabe-se lá se instigados pelas respectivas editoras…
Depois, vestem-se de negro, não se riem e tocam sentados em cadeiras, o que, desde que os Joy Division se finaram, se tornou um bocado maçador. Mas – oh, milagre! – tanto os Frei Fado como os Danças Ocultas têm em seu poder alguns trunfos na manga e condições para singrar contra ventos e marés. Os Frei Fado – que em 1995 lançaram o seu álbum de estreia, “Danças no Tempo” – dispõem de Carla Lopes, uma voz que não fica atrás da de Teresa Salgueiro, e todo o manancial da música antiga por explorar. Os Danças Ocultas têm uma quantidade de concertinas, o que lhes garante, à partida, a possibilidade de um som “diferente”. Quanto aos Pólo Norte, depois do álbum do ano passado, “Expedição”, ainda não terão descoberto o tal trunfo escondido.
Propositadamente, deixámos para o fim outra banda que, defendendo embora os mesmos valores do Portugal histórico, blá, blá, blá, o faz de uma forma original, sem cópias, nem contas e ditados, a Ala dos Namorados – com a voz “sui generis” de Nuno Guerreiro e as palavras de João Monge – que em “Por Minha Dama” deram a volta ao fado e às marchas de Lisboa, ao “cante” alentejano e, em geral, às faces sisudas dos que levam tudo demasiado a sério.
Em 1996, será que ainda ouviremos cantar muitas vezes o “Hino nacional”?