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Danças Ocultas + Simentera + Ustad Mahwash & Kaboul Ensemble + Mahotella Queens + Totonho & Os Cabra + Kronos Quartet + Kad Achouri + The Skatalites +”Músicas Do Mundo Entram No Castelo De Sines” (concertos / festivais / artigo de opinião)

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quinta-feira, 24 Julho 2003


Músicas do Mundo entram no Castelo de Sines

Em Sines a “world music” está bem guardada no castelo, palco da 5ª edição do Músicas do Mundo. Com os Kronos Quartet a radicalizarem o conceito de “fusão” que caracteriza a linha musical do festival



As Mahotella Queens, da África do Sul, levam a Sines as músicas e as tradições do Soweto, representadas pelo estilo “mbaqanga”

Sines, o castelo, o fogo-de-artifício a iluminar o espetáculo da última noite. A música derramando-se para dentro e para fora das ameias do castelo. Instrumentos e vozes exóticos em contraponto ao som das ondas do mar. O festival Músicas do Mundo, que hoje começa na cidade alentejana de Sines, é tudo isto e muito mais.
“Isto” chama-se mística, um especial eco que certos acontecimentos, pessoas e lugares são capazes de desencadear. Em Sines, a mística faz-se da comunhão e do convívio com a música e a história. Com a pedra, a areia, a água (e o peixe, acabado de saltar diretamente do anzol para o grelhador) e os sons da “world music”.
O “muito mais” depende do programa. Que, regra geral, é bom. O desta 5ª edição não é exceção. O Músicas do Mundo ganhou prestígio e não brinca em serviço.
Quinta-feira. Como é hábito, há o banquete de inauguração, a preparar o corpo e o espírito para as libações da noite. Os olhos, já brilhantes, e os ouvidos, já despertos, receberão em primeiro lugar, e convenientemente, os Danças Ocultas, grupo de acordeões diatónicos sob a direção de Artur Fernandes. “Fazemos nova música com um instrumento antigo”, diz Fernandes, acrescentando que, ao invés de exibições de virtuosismo, o grupo prefere “explorar o lado expressivo do instrumento e comunicar através da emoção coletiva”. Em Sines vão ter a companhia dos convidados Rui Júnior (percussões), Gabriel Gomes (acordeão) e Edu Miranda (bandolim), na apresentação de material a incluir no próximo álbum, a sair em Outubro.
Sem quebrar os laços de fidelidade os ligam à sua terra natal, Cabo Verde, os Simentera levam a Sines as velhas formas de canto tradicional do arquipélago adaptadas às formas de vida e cultura de Cabo Verde contemporâneo. O seu quinto álbum, a apresentar no Músicas do Mundo, tem por título “Tr’adicional”.

Rainhas do Soweto
Sexta-feira, a agulha da bússola aponta para o Afeganistão. Formados em Genebra em 1995, o Ensemble Kaboul dedica-se à recuperação da música tradicional afegã nas três principais modalidades: o ghazal (influenciado pelo raga indiano), a popular e a pachtoun, típica da etnia dominante. O exotismo da cultura e da instrumentação (tablas, rubab, tula, harmónio…) não deverão distrair nem da integridade do trabalho nem da voz da cantora Ustad Mahwash. Em Sines, o Ensemble apresentará o novo projeto “Rádio Kaboul, Tributo aos Compositores Afegãos”.
Desvio para a África do Sul, de fortes tradições na música vocal “a capella”. É de lá que chegam as rainhas Mahotella Queens. Começaram por acompanhar o cantor Mahlathini, tornando-se presença regular no circuito musical do Soweto dos anos 60, projetando-se, a partir daí, para uma carreira internacional que atingiu o zénite em 2000, com a atribuição ao grupo, pela cooperativa Womex, do prémio “World music artist of the year”. O seu estilo, denominado “mbaqanga”, integra elementos de música tradicional zulu, gospel, ritmos elétricos e soul americana.
A noite de sexta encerra com Totonho & Os Cabra, grupo brasileiro oriundo do Nordeste. Sons livres, como os de Lenine, que os apadrinhou, e de Tom Zé. “Manguebeat”, electro, salsa, funk, rock, misturam-se na paleta dos Cabra, e a palavras que retratam a realidade social do país. O chefe Totonho já escreveu canções para Chico César e afirma: “Sou melhor compositor. Eu parto da palavra, daí faço uma frase, desmancho, faço outra, mudo, transformo, busco um sinónimo… Sou um tipo de pedreiro que vai quebrando um tijolo até ele caber em sua construção.” Totonho deverá deixar intactas as ameias do castelo.

O feitiço do tempo
Sábado, contar-se-á o tempo pelos Kronos Quartet cuja presença neste festival alguns acharão estranha. Os Kronos Quartet, já com 30 anos de carreira, são um grupo de cordas contemporâneo e o seu conceito de “música do mundo” não é exatamente o da ortodoxia, como se pode verificar em álbuns como ”Pieces of Africa”, “Caravan” e o novo “Nuevo”, com as suas especialíssimas interpretações da música do México, que vai estar no centro do concerto.
Noite de violinos, violas e violoncelos para escutar candidamente sob as estrelas? Nem por sombras. O Kronos domina o tempo a seu bel-prazer, quebrando as noções convencionais da música de câmara com irrupções de eletrónica, sampling e um sentido, por vezes arrasador, de experimentação iconoclasta.
Kad Achouri, que atua a seguir, nasceu em França há 33 anos, filho de pais argelinos. Mas foi em Londres que desenvolveu o seu estilo particular de fusão onde o “groove” nasce do equilíbrio entre o jazz, a canção francesa e as tonalidades étnicas. “Liberté”, álbum de estreia editado no ano passado, reflete algumas das suas preocupações sociais: “Tenho a impressão de que a cidadania já não existe. Tornou-se um pouco ‘eu consumo, eu sou’, o resultado do capitalismo selvagem que favorece o individualismo em detrimento da noção de partilha.”
Mas como nem tudo é consumismo e capitalismo selvagem, o Músicas do Mundo termina festivamente com uma sessão de “reggae” por uma das suas bandas históricas e mais carismáticas, os Skatalites, formados em 1962. A música do grupo, radicando embora nas típicas síncopes da Jamaica, assimilou o rhythm ‘n’ blues e a música tradicional africana. O título do álbum de 1998, “Ball of Fire”, evoca toda a energia do rock ‘n’ roll. Os Skatalites não andam lá longe. São fogo. E assim, as “músicas do mundo” de Sines arderão, uma vez mais, no abraço entre as bolas de chamas multicolores que chovem do céu e os sons em brasa que salpicam o castelo.

Hoje
DANÇAS OCULTAS + SIMENTERA

Amanhã, dia 25
USTAD MAHWASH & KABOUL ENSEMBLE + MAHOTELLA QUEENS + TOTONHO & OS CABRA

Sábado, 26
KRONOS QUARTET + KAD ACHOURI + THE SKATALITES
SINES, castelo
Às 21h30. Tel. 269632204. Bilhetes a 2 euros

Artigo de Opinião – Especial: Balanço 95 da Música Portuguesa – “Heróis Do Mar! – Frei Fado d’el Rey, Danças Ocultas, Pólo Norte

Pop Rock

3 de Janeiro de 1996
Especial Balanço 95 da Música Portuguesa

HERÓIS DO MAR


ff

Frei Fado d’el Rey, Danças Ocultas, Pólo Norte. O que têm em comum estes três grupos, além de serem portugueses, ostentarem designações, no mínimo, curiosas e terem lançado álbuns no ano passado? O facto de, mais do que seguirem a inspiração própria, seguirem um modelo alheio. Na música, mas também na pose e nas vestimentas. Os Madredeus, no caso dos Frei Fado e das Danças. O eixo Resistência-Delfins-Sétima Legião, no caso dos Pólo Norte. O ano de 1995 foi pois o ano dos filhos menores.
O caso não mereceria reparo de maior, não fora estar em jogo a releitura de uma série de valores tidos como “nacionais” que qualquer das bandas mencionadas gosta de apregoar. Ele é a nossa História (sobretudo o capítulo dos Descobrimentos), ele é o fado e a saudade (de preferência pelo lado mais esotérico e literário), ele é a sina de termos nascido portugueses, ele é o mar e, se não puder ser, o Tejo, aqui mais à mão. Infelizmente nenhuma destas bandas segue o exemplo dos seus antepassados e coragem é coisa que não se divisa na sua música. Uma coisa é ler “Os Lusíadas”. Outra, completamente diferente, é ler um resumo da mesma obra no livro de leitura da 4ª classe (perdão, 4º ano de escolaridade). A leitura da versão original, sem cortes, é, pensamos nós, bastante mais exaltante e proveitosa.
Está fora de questão a qualidade da música destes grupos, a qual, na generalidade, se encontra alguns furos acima da média – íamos dizer mediania – nacional. Não se critica, de igual forma, a defesa do “portuguesismo”, se bem que o aprofundamento desta vertente nos pudesse levar a algumas perplexidades. Critica-se, isso sim, o comodismo que não pode estar ausente de uma opção em que, no lugar da investigação e do desenvolvimento de características musicais próprias, se prefere deglutir a papinha preparada por outrem. Os Madredeus ou os Resistência, para mencionar apenas duas bandas paradigmas de outras tantas formas de se ser português, ou do ser português, que se completam (o Portugal-mito do grupo de Pedro Ayres Magalhães; o Portugal suburbano, dos desenraizados e do desemprego, do grupo de Pedro Ayres Magalhães), dispensaram os intermediários. Pensaram e agiram pela própria cabeça. Arriscaram e, por isso, petiscaram. Os tais grupos da nova geração limitaram-se, pelo contrário, a ir na onda, sabe-se lá se instigados pelas respectivas editoras…
Depois, vestem-se de negro, não se riem e tocam sentados em cadeiras, o que, desde que os Joy Division se finaram, se tornou um bocado maçador. Mas – oh, milagre! – tanto os Frei Fado como os Danças Ocultas têm em seu poder alguns trunfos na manga e condições para singrar contra ventos e marés. Os Frei Fado – que em 1995 lançaram o seu álbum de estreia, “Danças no Tempo” – dispõem de Carla Lopes, uma voz que não fica atrás da de Teresa Salgueiro, e todo o manancial da música antiga por explorar. Os Danças Ocultas têm uma quantidade de concertinas, o que lhes garante, à partida, a possibilidade de um som “diferente”. Quanto aos Pólo Norte, depois do álbum do ano passado, “Expedição”, ainda não terão descoberto o tal trunfo escondido.
Propositadamente, deixámos para o fim outra banda que, defendendo embora os mesmos valores do Portugal histórico, blá, blá, blá, o faz de uma forma original, sem cópias, nem contas e ditados, a Ala dos Namorados – com a voz “sui generis” de Nuno Guerreiro e as palavras de João Monge – que em “Por Minha Dama” deram a volta ao fado e às marchas de Lisboa, ao “cante” alentejano e, em geral, às faces sisudas dos que levam tudo demasiado a sério.
Em 1996, será que ainda ouviremos cantar muitas vezes o “Hino nacional”?



Danças Ocultas Respiram Em Novo Disco – Entrevista –

19.06.1998
Danças Ocultas Respiram Em Novo Disco
Ar De Fole
“Ar”, segundo álbum do grupo de concertinas de Águeda, Danças Ocultas, recria as micropaisagens do universo dos foles, ao mesmo tempo que respira as altitudes cósmicas da serra. Artur Fernandes carregou nos botões para o PÚBLICO.

LINK

Compor formas de música original para concertina é o objectivo prioritário dos Danças Ocultas. Mesmo que, para tal, seja preciso inventar um instrumento novo, como a concertina baixo, e reprimir as tentações de virtuosismo.

FM – “Ar” respira ambientalismo por todos os poros…

ARTUR FERNANDES – Do título, o mais simples possível, à capa, com um mínimo de texto, a preocupação foi que a música pudesse dizer tudo a partir do elemento, o ar, que faz funcionar o nosso instrumento. Foi-se embusca de imagens que se inserissem no contexto estético abordado neste disco, esse tal ambientalismo ou paisagismo.

FM – Podemos falar de micropaisagens?

ARTUR FERNANDES – Sem dúvida nenhuma. O reportório incluído tem bastantes pormenores. Poderíamos falar, quase, na teoria do caos, em que há o macropormenor, o médio pormenor e o micropormenor. Existe um balanço, um ritmo instalado e depois, aí dentro, aparece uma melodia deste, um pormenor daquele, uma resposta de um terceiro, até se chegar à densidade que procurámos para este disco.

FM – Esse trabalho exige um determinado tipo de experimentação?

ARTUR FERNANDES – Seis ou sete dos temas já tinham sido tocados nos concertos. Fomos experimentando coisas mais arriscadas. Apercebemo-nos de que músicas mais densas, com mais contrapontos melódicos e informação, não eram rejeitadas pelo público. Mas no fundo o que continuamos a fazer é ir buscar aquilo que eu chamo a vontade do instrumento. Há determinados contornos técnicos dos dedos que são extremamente fáceis e que por vezes resultam em coisas absurdas mas que, se forem bem arranjadas, podem funcionar bastante bem. Arranjos que foram feitos na totalidade em oficina, por todos os elementos do grupo.

FM – Aparecem a tocar pela primeira vez uma concertina baixo.

ARTUR FERNANDES – Precisávamos de ter mais notas nos graves. Ou mandávamos construir uma concertina com mais botões na mão esquerda, ou inventávamos nós uma solução. Foi o que fizemos. Juntámos duas partes esquerdas – de baixos – de concertinas e um fole maior, par apoder ter mais interesse cénico. No lado que acrescentámos pusemos as tais notas que falatavam.

FM – Que fontes de inspiração jorraram em “Ar”?

ARTUR FERNANDES – A grande referência á Astor Piazzolla, a quem fizemos uma espécie de homenagem no tema de abertura, “Escalada”. Outras referências importantes foram Riccardo Tesi, Kepa Junkera, John Kirkpatrick e a Sharon Shannon. Mas nunca num sentido seguidista.

FM – Todos esses nomes não dispensam, de uma maneira ou de outra, exibir o seu virtuosismo, ao contrário das Danças Ocultas…

ARTUR FERNANDES – Sem dúvida. Poderá haver aí um factor genético. Por exemplo, os bascos, como o Kepa Junkera, são muito mais “virtuoses” do que os portugueses, não só no acordeão como noutros instrumentos tradicionais. Mas nós procuramos o nosso valor e não as nossas limitações. Valorizar a expressão em dtrimento do virtuosismo. E virtuosismo não é só tocar depressa… Sentomo-nos bem a tocar dentro de determinada estética, a tal música paisagista, e tentamos explorá-la da melhor forma possível. De resto, tanto o Kepa Junkera como o Riccardo Tesi gostaram imenso do nosso primeiro disco.

FM – Por falar em qualidade musical e ausência de virtuosismo, o tema “Pinguim no meu jardim” tem alguma coisa a ver com o Penguin Cafe Orchestra?

ARTUR FERNANDES – Tem. É um tema do Bitocas, o técnico de som do grupo, que sempre gostou muito dos Penguin Cafe. O tema é uma espécie de homenagem a uma certa forma e fazer música que é a do grupo inglês.

FM – A influência da música búlgara não é muito evidente em “Bulgar”…

ARTUR FERNANDES – Sim… É uma questão de acentuações. A divisão rítmica está lá, um compasso de 7/4, no início e no fim do tema. No entanto, não quisemos acentuar demasiado para não se perder o tal lado contemplativo.

FM – O que são as ilusões de “Quatro ilusões”?

ARTUR FERNANDES – São ilusões rítmicas. É uma valsa um pouco mais rápida em que, de vez em quando, o ritmo ternário se transforma em binário, passando a ser uma marcha. São quatro melodias que se vão metamorfoseando ritmicamente.

FM – Há alguma razão para continuarem a não deixar entrar mais nenhum instrumento, além da concertina, no grupo?

ARTUR FERNANDES – Mas tentamos que o grupo não seja o projecto para um instrumento… A maior parte das formações instrumentais, do tipo quarteto de saxofones, quarteto de harmónicas, ou trio de cordas, baseiam o reportório em adaptações, de música clássica ou outra qualquer. Nós fazemos música nova para a concertina. Acabamos por ser um projecto mais de quatro pessoas que, por acaso, tocam o mesmo instrumento.

FM – Além da sua participação nos Sons da Lusofonia, faz também parte de outro grupo, não é verdade?

ARTUR FERNANDES – Sim, os 4 Portango, em que tocamos Piazzolla. Fizemos a banda sonora do filme “Mortinhos por Chegar a Casa” [de Carlos da Silva e George Sluizer] e participámos recentemente na Cimeira Mundial de Tango.

FM – Vai ser difícil arrumar este disco nas prateleiras das lojas. “Música ambiental”, “world music”, “especial instrumentos”?…

ARTUR FERNANDES – Talvez uma estante só para as Danças Ocultas. Em termos internacionais, poderá ser incluído em “world music”, embora não goste muito da designação, porque toda a música é “world”.

FM – Onde é que foi tirada a foto da capa?

ARTUR FERNANDES – Num local da serra do Caramulo chamado Urgueira, no concelho de Águeda. É Portugal, como poderia ser a Colômbia ou o Tibete.