Camané – Artigo de Opinião

POP ROCK

19 de Abril de 1995

Camané grava em condições inovadoras

NUMA CASA DE FADO VIRTUAL


camané

Camané não poder ser considerado uma esperança do fado pela simples razão de que, aos 28 anos de idade, já leva 15 a cantar aquele género musical nas casas da especialidade. Vencedor, aos 12 anos, do Grande Noite do Fado, em 1979, filmado por uma cadeia japonesa para a série Crianças do Mundo, interrompeu a sua carreira entre os 14 e os 18 anos, para regressar mais tarde ao fado e às suas capelas, do Fado menor, Senhor Vinho e Faia. Projectos para discos, esse foram ficando na gaveta, entre as noites fadistas e participações na “Grande Noite”, “Maldita Cocaína” e “Cabaret”, de Filipe La Féria. Até que a oportunidade surgiu através do convite que lhe foi feito por José Mário Branco, para produzir o álbum de estreia. Uma ideia germinada a partir do quartel-general no Teatro da Comuna e que levou à edição de “Uma Noite de Fados”, com o selo EMI-Valentim de Carvalho.
“Uma Noite de Fados” pode ser considerado um disco revolucionário no modo como foi produzido. Para o efeito, foi criado o ambiente de uma casa de fados, com convidados, comida e bebida à discrição. Posteriormente foram apagados da fita todos os ruídos (palmas, incitamento, etc.) do público, preservando-se apenas a música, recortada do ambiente ao vivo. “O que se procurou foi obter um suplemento de riqueza de interpretação”, diz José Mário Branco, o produtor, para quem o “fado é uma arte extremamente presencial, dependente da vivência directa do ambiente e da qualidade do público”.
Por outro lado, justificando a posterior eliminação dos ruídos exteriores, José Mário Branco defende que “a envolvência – a luz, os cheiros, as reacções do público – não é mediatizável”. “Agi como um encenador”, diz, “como uma pessoa que vê e sente o espectáculo antes dos outros. Peguei no som, levei-o para casa numa caixinha de plástico, como se fosse uma bolacha, meti-o na minha aparelhagem doméstica e comecei a ouvir, nas mais diversas circunstâncias. Achei que pôr os aplausos seria um factor dispersivo, desviando do essencial que é a interpretação.” José Mário Branco conta, inclusive, que pediu previamente ao público para “ao contrário do que acontece nas casas de fado”, não aplaudir no fim”. “Fazia um sinal. No fim dos fados tinha um braço levantado, deixava a ressonância dos últimos acordes. Só quando baixava o braço é que podiam aplaudir. Foi uma ‘violência’ para o público, houve até pessoas que reagiram desagradadas, achando uma chatice não poder ser como é costume. Curiosamente, isto provocou um aumento dos aplausos, motivado pela tensão criada pelo intervalo de espera.”
Camané, por seu lado, não sentiu qualquer dificuldade em se integrar nesta situação, paredes-meias entre o natural e o artifício. “Foram quatro noites em que se foi criando um ambiente. Às tantas, já quase me esquecera que estava a gravar.” Quatro noites, ao longo das quais foram sendo efectuados vários “takes” do mesmo fado, seleccionando-se aqueles considerados melhores. Uma selecção que inclui, entre as diversas autorias, dos textos e da música, os nomes de Frederico de Brito, Luís de Camões, Carlos Mendes, João Fezas Vital, Joaquim Campos, Ruy Belo, Miguel Ramos, Vasco de Lima Couto, Aldina Duarte (mulher de Camané), Gabriel de Oliveira, Fernando Farinha, Paulo de Carvalho, Manuela de Freitas e o próprio José Mário Branco.
Para Camané, esta “noite de fados” poderá significar fazer chegar mais longe o seu fado. Como ele canta, nas palavras de Manuela de Freitas: “O fado que vou vivendo/no canto e no gesto mudo/é tudo o que não entendo/que me faz entender tudo.”
“Uma Noite de Fados” tem prevista uma forma original de promoção. Durante duas noites, ainda sem data marcada, Camané circulará por alguns dos lugares típicos – outros nem tanto – do fado, como a Tertúlia, Senhor Vinho, Frágil, Os Ferreiras, Taverna do Embuçado e o clube de fado S. João da Praça, havendo ainda a hipótese de uma escapada até ao Teatro da Comuna, para cantar durante o intervalo da sessão.



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