Portugal Está Nu E Recomenda-se – artigo de opinião

Pop Rock

19 de Outubro de 1994

PORTUGAL ESTÁ NU E RECOMENDA-SE


unu

U-Nu. Unidade. Nudez. Pode querer dizer isto ou outra coisa qualquer. U-Nu é um novo grupo português, originário do Porto, cuja estreia na editora Numérica, “A Nova Portugalidade”, é uma autêntica pedrada no charco. Originalidade, inteligência, cuidado máximo na produção e na apresentação, num disco onde pela primeira vez músicos portugueses ousaram filiar-se na chamada “estética Recommended”.

A primeira conclusão que se extrai da audição de “A Nova Portugalidade” é de que estamos perante um grupo que recusa toda e qualquer norma ditada pelas leis de mercado. Fernando Noronha (baixo), José João Cochofel (percussão), Manuela Costa (piano), Ricardo Pereira (sintetizador), Viriato Moraes (sopros) e Vitorino Almeida Ventura (voz e textos) fazem a música de que gostam e nesse caminho deixam semeadas múltiplas pistas para posterior desenvolvimento. As ideias explodem em múltiplas direcções. Muitas músicas estão contidas na música dos U-Nu.
Do título aos textos e à utilização de “instrumentos paródicos”, como cornetas e peixinhos de plástico, passando pela própria construção dos temas, sente-se que a ironia e a sátira ocupam um lugar importante na estética do grupo. No meio de ferroadas várias, que inclusive atingem a crítica musical (num tema com o elucidativo título “Narciso ou o crítico musical leva-nos ao paraíso”), a chave talvez possa ser encontrada numa das várias leituras possíveis da designação “U-Nu” aplicada à “nova portugalidade”. Como sugere José João Cochofel, pode ser que – os U-Nu preferem deixar vagos os lugares destinados à imaginação dos ouvintes… – “o rei vá nu” ou “o país vá nu”.
Percebe-se, além disso, que todos ouviram e assimilaram muita música. Boa música. Música afastada dos parâmetros comerciais. As bandas da Recommended são uma referência – dos No Secrets in the Family aos Il Gran Teatro Amaro e Fred Frith, só para nomear alguns citados pelos próprios U-Nu –, mas não esgotam a proposta destes portuenses, cuja música é praticamente impossível de catalogar. Visível é a existência de uma teatralização presente nos arranjos e na manipulação, semântica e fonética das palavras, acompanhada por um tratamento quase milimétrico dos sons. “A nossa música passa para além da música. Vejo-a mais como uma peça”, diz José João Cochofel, que acrescenta tratar-se de “um trabalho feito em grande parte a pensar nos espectáculos”.
Se é música portuguesa ou não, eis um assunto sujeito a discussão. O mesmo tipo de discussão que tenta descobrir qual o sexo dos anjos – ainda que o vocalista e declamador dos U-Nu fale em “andar numa procissão”, em símbolos como “o sino ou um corno celta”, ou até em “algumas alusões aos Zés-Pereiras”. No fundo, como diz Vitorino Almeida Ventura, talvez não seja mais que “um acto de amor entre duas culturas, uma portuguesa e tradicional e outra clássica”.
Uma coisa é certa: o projecto musical dos U-Nu, traduzido para já em “A Nova Portugalidade”, vai agitar os hábitos auditivos de muito boa gente e abrir um precedente para outras bandas isoladas em “guetos”, por causa de uma alegada falta de potencialidades comerciais da sua música, romperem o bloqueio. Para já, os U-Nu partem com uma certeza – a “existência de um público maior do que se poderia pensar”. Quanto ao número de vendas do compacto, não estão minimamente preocupados: “Se ganharmos o discos de presunto, já é porreiro, acompanhamos com umas cervejas!”

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