Arquivo mensal: Junho 2009

Martin Rev – Strangeworld

05.05.2000
Martin Rev
Strangeworld (7/10)
Sahkö, distri. Ananana

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Martin Rev e Alan Vega nasceram para cometer suicídio juntos. Mas depois do grupo que fez história no final dos anos 70 – ao derramar uma onda de genuíno sangue sobre a dislexia punk – os Suicide, se extinguir, vítima das suas próprias convulsões, desorientaram-se, procurando cada um para seu lado o martírio perdido. Veja socorreu-se da sua veia rockabilly, cultivando, mais do que a música, uma pose que passava por mimar um Elvis saído do túmulo. Recentemente encontrou o elo perdido, oferecido de bandeja pelos Pan Sonic, com quem gravou o notável “Endless”, legítimo herdeiro da estética Suicide. Martin Rev não teve a mesma sorte. Depois de um álbum de estreia promissor que soava aos Suicide sem voz, enterrou-se num rock electrónico que aos poucos perdeu actualidade e acutilância. Regressa com “Strangeworld” onde tenta fazer sozinho o que antes era feito a meias com Alan Vega, ou seja, à sua inconfundível artilharia de sintetizadores metalo-electro-repetitivos, juntou agora as suas próprias vocalizações decalcadas das do seu antigo companheiro. No mesmo tom declamado, com as palavras penduradas na mesma reverberação, repetindo a onda da “América-à-beira-do-caos-mas-romântica-até-ao-fim”. “Strangeworld é assim uma réplica dos Suicide onde não faltam variações do mítico “Cheree” nem cowboy songs cibernéticas em referências sucessivas ao passado que, curiosamente, acabam por ser atraentes, enquanto exercícios kitsch retrofuturista de onde se destacam temas como “Splinters” (Jean-Michel Jarre numa “bad trip” pelos trópicos) ou “Chalky”, este último na linha de “Cubist Blue”, de Veja, com Alex Chilton e Bem Vaughan. Um caso típico do criminoso que volta ao local do crime.

Markus Stockhausen, Arild Andersen, Patrice Héral, Terje Rypdal – Kartã

27.10.2000
Markus Stockhausen, Arild Andersen, Patrice Héral, Terje Rypdal
Kartã (7/10)
ECM, distri. Dargil

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Embora “Kartã” queira dizer, em sânscrito, “poder superior”, a música produzida neste disco por este quarteto de figuras ilustres do jazz europeu paira distante das camadas mais altas do sagrado, nas esferas do ambientalismo que há muito se instalou no templo da editora de Manfred Eischer. Stockhausen, no trompete e flugelhorn, Andersen, no contrabaixo, e Héral (o menos conhecido dos três, embora já tenha trabalhado com Barre Philips e integrado a Vienna Art Orchestra), na bateria, percussão e “live electronics”, colam as respectivas sonoridades – amiúde submetidas a tratamentos electrónicos variados, incluindo a utilização de um Paradis Loop Delay, sampler da primeira geração – numa simbiose perfeita. E é sobre as paisagens assim criadas que divaga a guitarra do norueguês Terje Rypdal, que, muitos anos depois, recupera o misticismo contemplativo perdido nos álbuns “Odyssey” e “After the Rain” em solos incandescentes. A “composição instantânea” praticada pelo quarteto não permite falhas, nem deixa abrir frestas, a interactividade é pouco menos que perfeita, apesar do brilho das estrelas ter o frio habitual em projectos desta natureza, já guardados na estante antiga da ECM. Não faltarão, portanto, as vozes do costume a clamar que isto não é jazz. Tenham ou não razão, “Kartã”, ainda que sem desbravar espaços virgens, estende-se diante da imaginação a perder de vista.

Laub – Intuition (conj.)

11.02.2000
A Ameaça Do Coelho Invisível

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Laub
Intuition (7/10)
Kitty-Yo, distri. Symbiose
Köhn
(Köhn) 2 (8/10)
K-RRAA-K, distri. Matéria Prima
Originários da Alemanha os Laub fazem parte de uma segunda linha de ataque da nova música electrónica alemã, um pouco atrás dos Kreidler e muito atrás da facção mais experimentalista representada por nomes como FX Randomiz, L@n ou, mais recentemente, Sack & Blumm. O álbum de estreia da banda, “Kopflastig”, é um exercício interessante de mistura de sonoridades electro com uma voz feminina, de Antye, que remete para os parâmetros “arty” dos também germânicos Non Credo e No Secrets in the Family. Mas se “Kopflastig2 é um álbum, no mínimo, interessante, o conjunto de remisturas apresentadas em “Intuition” consegue ir mais longe, propondo algumas leituras que ultrapassam, em amplitude de visão, o material original. Estão neste caso as remisturas de “Grau”, pelos Pôle, com um enredo de ruídos difícil de deslindar, dos Rechenzentrum e Elektronauten (estes entre o dub, o trip-hop e o chill-out) ambos hipnóticos, respectivamente em “Utter anderen bedingungen” e “Diffus dub”, e dos Schneider TM, com um trabalho de manipulação do tempo e da velocidade que remete para a estratégia usada pelos Neu! Em “Neu! 2”. Bastante krautrockers soam os Full Swing, em “Weit weg”, o mesmo tema que nas mãos dos Phoneheaads se converte no formulário rítmico tradicional do drum ‘n bass. Richard Thomas assina em “Skycrapes and earthquakes” a remistura mais radical e musicalmente estimulante de “Intuition”, com um puzzle minuciosamente congeminado em laboratório à maneira de Holger Hiller que deixa pouco osso à mostra da versão original. Clifford Gilberto, Gonzales e Matthias Schaffhauser não adiantam grande coisa, usando um conjunto de fórmulas gastas e sem grande significado.
Mas se “Intuition” oscila entre a inquietação mas também algum conformismo, o mesmo não se poderá dizer de “Köhn) 2”, segundo capítulo do projecto, também alemão, Köhn. Aqui o prazer da audição tanto pode derivar de um lado lúdico assumido até ao absurdo, como descer ao patamar da dor. Dois extremos que se confundem logo no tema de abertura, “Willen = Köhen”, que começa com um “loop” de música festiva por uma banda de coreto, progressivamente retalhado, e subitamente irrompe numa sessão de tortura dos Throbbing Gristle. No limiar da dor física está “*”, que o próprio Köhn (trata-se de um músico apenas, jamais identificado) define como um teste à capacidade de resistência dos altifalantes às frequências mais agudas do espectro sonoro. Em “(Köhn) 2” joga-se sempre no limite, entre um humor violento (a falsa electropop de “Söhn”, “poppy electronics with a message of hope”, como é descrito nas notas irónicas deste digipak também ironicamente ilustrado com um coelho branco invisível onde apenas se distingue um olho vermelho e ameaçador…) e manipulações de material acústico (um violino em “De köhning”, guitarra acústica e saxofone barítono em “The wrath of köhn”) irremediavelmente massacrados e transformados em experiências que podem conduzir ao banco de urgências do hospital. Erros técnicos de leitura (como faz José Moura enquanto Discmen) ou a assumida fraca qualidade da fita master utilizada são igualmente aproveitados para a elaboração de castigos auditivos, sempre com os Throbbing Gristle no horizonte (presença tutelar em “kukeleköhn”) num álbum que, apesar de incómodo, mantém intacto do princípio ao fim uma imprevisibilidade que acaba por constituir um dos seus principais trunfos. Mas lá que dói, dói…