Arquivo mensal: Março 2009

Brainville – The Children’s Crusade

28.01.2000
Brainville
The Children’s Crusade (6/10)
Shimmy Disc, distri. Megamúsica

brainville

Canterbury punk. O termo não existia antes de Daevid Allen (ex-Soft Machine, Gong), Hugh Hopper (ex-Soft machine, Gilgamesh), Pip Pyle (ex-Caravan, Hatfield and the North) se juntarem ao norte-americano Kramer, sob o impulso deste último, formarem os Brainville. As ligações de Kramer aos músicos de Canterbury já vêm de trás. Kramer esteve ao lado de Daevid Allen nos New York Gong, extensão nova-iorquina e new wave dos “pot head pixies”, nos anos 80, e nos álbuns de parceria “Hit Men” e “Who’s Afraid?”. Gravou ainda com Hugh Hopper os álbuns “A Remark Hugh Made” e “Huge”. “The Children’s Crusade”, com dedicatória ao cineasta Stanley Kubrick, é rock a meio caminho entre a psicose punk e o psicadelismo, composto por descargasa vassaladoras de guitarra eléctrica, baixo e bateria, o que não deixa de ser estranho (apesar de, anos antes, os New York Gong se terem convertido, embora de forma satírica, Às caves fumacentas da “downtown”…) vindo de gente nascida e criada nos prados de jazz rock de Canterbury. Quanto a Daevid Allen, a sua voz de crooner galáctico abre caminho à força por entre a espessura asfixiante da música, introduzindo as canções com o seu inconfundível humor, imediatamente afogado numa fúria decibélica e na corrente de riffs. Apreciadores da Caravan, Hatfield e quejandos, abstenham-se. “The Children’s Crusade” destina-se aos viciados em adrenalina.

Kronos Quartet – Kronos Caravan

02.06.2000
Kronos Quartet
Kronos Caravan (7/10)
Elektra Nonesuch, distri. Warner Nusic

kronoscaravan

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O quarteto de cordas mais “in” de sempre da música contemporânea assestou desta vez as suas baterias no imaginário musical da antiga região conhecida como Pannoni, terra de convergência da Europa de Leste, do Mediterrâneo e do Oriente. “Kronos Caravn” é o veículo de união que faz passar pelos quatro instrumentos de corda a música de um filme indiano, um tema cigano da Roménia com a participação dos Taraf de Haidouks, canções do Irão, Hungria e do Mundo Árabe mas também uma marcha funerária do minimalista Terry Riley, uma peça mexicana escrita pelos Café Tacuba e, com acrescido interesse para o público português, duas composições de Carlos Paredes, a “Canção dos Verdes Anos” e “Romance Nº 1”. Todos os arranjos são assinados pelo argentino Osvaldo Golijov (que já colaborara com o quarteto em “K’Vakarat”). Entre os músicos convidados, além dos Taraf de Haidouks, encontramos também o percussionista indiano Zakir Husain, o tocador de “kamancheh” (família dos violinos) iraniano Kayan Kalhor e o libanês Ali Jihad Racy, em “nay” (flauta). A esta diversidade de fontes responderam os Kronos Qaurtet com o virtuosismo e a versatilidade habituais, mais longe do que nunca do formato “música de câmara étnico-chique” no último tema, “Misirlou Twist”, com a bateria de Martyn Jones a conferir à música um cunho popularucho equivalente às adaptações tecno da música cigana de Goran Bregovic. Quanto a Carlos Paredes, está bem tocado, as melodias soam bonitas mas o “bonito” não se compadece com a beleza convulsiva do mestre português que os americanos definem como uma “casa”, querendo dizer um “caso” à parte, uma “personalidade única”. Nisto têm razão, quanto ao resto, louve-se a intenção, a técnica e o esforço.

Wibutee – Newborn Thing

21.01.2000
Wibutee
Newborn Thing (7/10)
Jazzland, distri. Universal

wibutee

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Provenientes da Escandinávia, região rica em tradições jazzísticas (que não se esgota na imensa legião recrutada pela editora ECM), os noruegueses Wibutee propõem a fusão deste universo musical com a “soul”, a electrónica e a música de dança, nomeadamente o drum ‘n’ bass, ilustrada pelas vocalizações semi-declamadas da cantora do grupo, Live Maria Roggen – cujas influências assentam na “soul” e na música brasileira mas que amiúde fazem lembrar a revoluciona´ria feminista Annette Peacock -, o saxofone por vezes arrebatador de Hakon Kornstad e os teclados electrónicos de Erlend Skosmvoll. Albert Ayler e Pharaoh Sanders são duas das referências do jazz negro reclamadas pelos Wibutee mas a verdade é que não poderia soar mais europeia e branca a música do grupo. Longe de poder ser considerada uma experiência pioneira neste tipo de fusões, seguindo modelos estéticos já explorados por músicos como Nils-Petter Molvaer, Toshinori Kondo, Bem Neill e Michael Mantler, curiosamente todos trompetistas, ou por grupos como os Pothole, é inegável que “Newborn Thing” evidencia uma incontestável aura de “modernidade” (ou será melhor dizer pós-modernidade?…) à qual não faltam sequer os indispensáveis ruídos de velhos discos riscados cuidadosamente elaborados com o recurso à tecnologia mais sofisticada… Preferiríamos talvez escutar esta música liberta dos maneirismos e dos cambiantes, já muito estafados, de diva de cabaré “lounge”, da Live Maria, mas este será um pormenor de somenos importância que não serve para minimizar a muito interessante “coisa acabada de nascer” dos Wibutee.