29.12.2000
Electrónica de Recreio
Máquinas no Jardim-Escola
Como aconteceu nos anos 70, com a explosão do krautrock e, nos anos 80, com os murros no muro desferidos pelos Einstuerzende Neubauten, Berlim e Düsseldorf foram ao longo do ano duas fábricas de música electrónica da Europa. Mas os anos 2000 preparam-se para acolher com serpentinas uma electrónica que se engalanou de flores transformando o universo das máquinas num jardim-escola. Depois dos Cluster terem registado a patente com o carrocel mágico “Zuckerzeit” e de Holger Hiller e Pyrolator terem escrito outras páginas coloridas deste livro de histórias de encantar.
Messer Für Frau Müller, com “Allo, Superman!”, e “Holger Hiller” lideraram na Alemanha a distribuição de brinquedos. Quem continua a lançar trunfos para as pistas de dança do novo milénio é Thomas Brinkmann, a solo, com “Rosa”, ou atafulhado de samples de soul e funk, como Soul Center, bem acompanhado pelo álbum homónimo dos Rechenzentrum, tratado de tecno subliminar.
Herdeiros do tecno hardcore, da música industrial, do dub e do “rap”, os Funkstörung arrasaram com “Appetite for Disctruction” quando, seguindo o caminho inverso, o niilismo dos velhos Neubauten se exerceu na ironia envenenada de “Silence is Sexy”. Em Inglaterra, o som não poderia ter sido mais germânico e “funny” do que em “A Collection of Ice Cream Vans, Vol. 2”, dos Tele:Funken. Na França os Dat Politics estilahçaram o “powerbook” e infectaram a rede com “Villiger”, nos antípodas do psicadelismo Floydiano dos Air, autores da banda-sonora de “As Virgens Suicidas”. Dos fiordes da Noruega chegou o ambientalismo subliminar de “Cirque”, dos Biosphere”, revolucionários do “chill-out”, enquanto na ilha das feiticeiras, a Islândia, os Sigur Rós choraram em memória dos This Mortal Coil. Do lado de lá do Atlântico o jazz e a electrónica entrelaçaram-se nos Chicago Underground Duo, com “Synestehesia”, e nos Isotope 217º, mergulhados na nostalgia de Canterbury em “Who Stole the I Walkman?”. Kid606 entrou em curto-circuito com “PS I Love You”.
Fora de todos os parâmetros, perfilaram-se três obras-primas: “Supermodified”, de Amon Tobin, que salvou para os próximos dez anos o drum ‘n’ bass, e “Manhattan Research Inc.”, do americano Raymond Scott, o pai de todas as inovações. E “ArteSonado”, de Fátima Miranda, que não é electrónica, mas tão só a voz de uma mulher tocada pela graça.