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Trans AM – “Red Line”

20 Outubro 1999
POP ROCK – DISCOS


Pisar o risco

Trans AM
Red Line (8/10)
Thrill Jockey, distri. Ananana



Confirmam-se as indicações dadas pelo concerto do ano passado na Galeria Zé dos Bois e que tanto dividiu as opiniões: os Trans AM são, decididamente, uma banda rock. Eu, confesso que confundido pela lado sintético presente em álbuns como o magnífico “Surrender to the Night”, “The Surveillance” e “Future World”, acalentava ainda uma vaga esperança de que esse espetáculo não tivesse passado de um desvario, de uma noite punk bem regada, em que tudo tivesse acontecido assim porque os sintetizadores ficaram confiscados na alfândega. O álbum anterior, uma coletânea de “takes” mais ou menos alternativos, confirmava, porém, as minhas maiores suspeitas. Assunto arrumado, parecia. Até que – hélas! – este novo “Red Line” me fez reconciliar com os Trans AM. Eles são, de facto, rockeiros de alma e coração. Isso é ponto assente. Mas que significado tem ser rockeiro neste final de milénio? O rock dos Trans AM é futurista, carregado de fúria e urgência, mas as guitarras elétricas sozinhas são insuficientes para expressar com suficiente convicção toda a demência contida em “Red Line”. O lado eletrónico continua então presente, mas não porque a banda americana pretenda alimentar qualquer sonho sintético cor-de-rosa, mas porque na eletrónica e na velocidade reside a própria essência desta música e deste final dos tempos. E se “Red Line” é veloz e elétrico! São 73 minutos, divididos por 21 canções, em combustão acelerada, uma corrida para o abismo, que estão para o final dos anos 90 como os Suicide (“Where do you want to fuck today?”) estavam para o final dos 70 ou os D. A. F. – citados em “Polizei (zu spät)” – e os Einstürzende Neubauten para os 80. Os sintetizadores cortam como serrotes, a disciplina é de ferro, “I’m coming down” um escorrega para o inferno e “Lunar landing” uma viagem no Space Shuttle até ao planeta dos Schlammpeitziger e à galáxia kraut. A balada em guitarra acústica ao estilo dos Faust, “The dark gift”, limita-se a confirmar o que também já se adivinhava – que a música dos Trans AM, mais do que esquizofrénica é, como Pete Townshend, dos The Who, anunciava: “quadrifénica”. “Red Line” pisa mesmo o risco vermelho para se tornar num dos álbuns com mais “punch” do ano.



Trans AM Citam Radiohead Em “Futureworld” – Entrevista –

16.04.1999
Trans AM Citam Radiohead Em “Futureworld”

O.K. Computador

Depois de três álbuns “escuros” e de uma fecunda pescaria nos anos 70, os Trans AM pintaram-se de branco e foram buscar alimento à década seguinte, num novo trabalho, “Futureworld”, em que, apesar da herança incontornável dos Kraftwerk, puseram um pé no funk e outro no electropop. Enquanto se preparam para entrar no ano 2000 como uma banda de guitarras.

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Trans Am – Futureworld live from Thrill Jockey Records on Vimeo.

Um anos depois de “The Surveillance”, a banda de Chicago regressou mais poderosa do que nunca, com um álbum carregado de electricidade e distorção, mas também de melodias para dançar. Phil Manley falou ao PÚBLICO dos preparativos para a entrada no novo milénio.
FM – O tema de abertura de “Futureworld” tem por título “a999”. É alguma declaração sobre o ano em curso, ou sobre o final do milénio?
PHIL MANLEY – É um tema com um som muito “cool”, com saxofone e um naipe de cordas. Faz lembrar um pouco uma canção dos Funkadelic, “Megaprint”, com um solo que parece interminável. Escolhemos o título empurrados por toda esta febre do final do milénio, mas também por ser uma espécie de homenagem a Prince e à sua canção com este mesmo nome.
FM – Qual a sua opinião sobre a música que se tem feito nestes últimos anos?
PHIL MANLEY – Não sei… Tenho de admitir que ando um bocado fora de tudo. Normalmente a música que ouço é mais antiga. Acabei de ouvir, por exemplo, um álbum dos Black Sabbath, “Masters of Reality”. Adorei.
FM – No tema seguinte utilizam um Vocoder. Penso que pela primeira vez. Tentaram criar uma voz de robô, como a dos Menmachine dos Kraftwerk?
PHIL MANLEY – Exactamente. Cantar é uma coisa algo difícil para nós. Por isso refugiámo-nos atrás da máquina.
FM – Este tema usa uma melodia que parece decalcada dos Tubeway Army, de Gary Numan. foi propositado?
PHIL MANLEY – Acha? Adoramos Gary Numan, é capaz de criar melodias fantásticas e de extrema simplicidade. Mas não foi intencional, embora não me surpreenda que ache o tema parecido com os Tubeway Army…
FM – Depois do “krautrock” dos anos 70, dá a impressão de que as bandas conotadas com o pós-rock estão a assimilar influências dos anos 80, Human League, Cabaret Voltaire, Clock DVA. Isto também acontece com os Trans AM?
PHIL MANLEY – A maior parte das pessoas, ao referir-se aos anos 80, só fala de Madonna ou de Michael Jackson, quando na verdade houve muita música underground que passou totalmente despercebida. Como os Chrome, uma das minhas bandas favoritas, que têm álbuns fantásticos como “Red Exposure” ou “No Humans Allowed”. Ou os Throbbing Gristle, os Suicide, os P.I.L., a fase inicial dos New Order, tudo bandas que as pessoas não ouviam na altura.
FM – Em “Futureworld”, há uma óbvia colagem a “Radioland”, do álbum “Radio Activity”, dos Kraftwerk. Até usam a mesma palavra, “radio”…
PHIL MANLEY – Sim, é fácil para nós “roubarmos” coisas dos Kraftwerk [risod]. O problema é como é que sepode evitar isso? É como perguntar a uma banda pop de foram influenciados pelos Beatles.
FM – “Futureworld” corresponde a uma visão sobre o futuro do mundo?
PHIL MANLEY – Não sei. Gostamos de estar muito atentos ao que se passa e tentamos ser optimistas. Mas não pensamos muito no futuro. Escolhemos “Futureworld” como título porque nos pareceu um termo apelativo. Como “computer World” [dos Kraftwerk] ou “Future Days” [dos Can].
FM – No tema seguinte, “City In Flames”, pode ouvir-se uma voz ameaçadora. Corresponde a alguma personagem específica?
PHIL MANLEY – É interessante que fale numa personagem. O nosso baterista, Sebastian, interessa-se por toda a espécie de jogos de personagens [“role games”], como “Dungeons & Dragons”, que gira em torno de um ambiente com dragões e acavaleiros, aventura e fantasia. A partir daqui ele inventou uma nova personagem, com uma linguagem própria, meio humana meio lobo, gravada num registo muito grave. É assustador. Como alguém a falar-nos por cima do ombro.
FM – “AM Rhein” apresenta um ritmo e riffs de guitarra completamente rock. Os Trans AM preparam-se para ser uma “guitar band” no ano 2000?
PHIL MANLEY – Espero que sim [risos]. A guitarra continua a ser o meu principal instrumento e o Nathan é, sem dúvida, um baixista tradicional. Não tencionamos mudar. As pessoas, neste final dos anos 90, já estão fartas de cena tecno. Um destes dias vai haver de certeza um revivalismo da guitarra. Talvez só aconteça daqui a 20 anos, seja como for, poderei dizer que a toquei sempre durante este tempo todo.
FM – “Cocaine Computer” é um título bizarro para um tema delicioso. Os Trans AM renderam-se ao funk?
PHIL MANLEY – O título é uma homenagem a “O.K. Computer”, dos Radiohead. Mas é também uma espécie de desabafo numa altura em que nos estávamos a sentir chateados no estúdio. É quase uma “jam session”.
FM – O computador envia-nos alguma mensagem?
PHIL MANLEY – Não. Nenhuma. Somos bastante amadores no que respeita aos computadores. Temos um computador já antigo. Todo o trabalho de electrónica mais difícil do álbum foi feito pelo Sebastian, num velho Atari que ele programou em Basic.
FM – Depois de “Futureworld”, surge um “Futureworld II”. Trata-se de algum futuro alternativo?
PHIL MANLEY -Fizemos um “Futureworld II” porque não tínhamos mais nenhum título para essa canção… Também nos agradou fazer algo semelhente ao que fizeram os Police, em “Synchronicity”, um e dois. Mas também é possível, de facto, encarar o tema como essa tal alternativa, já que uma das versões tem letra enquanto a outra é muito mais abstracta. E assustadora, na maneira como começa, com o som em chuva…
FM – Como em “Blade Runner”?
PHIL MANLEY – Exactamente.
FM – “Sad and Young” parece quase ter sido feito por uma banda diferente. Não soa a nada que apareça paea trás no álbum… É uma despedida ou um lamento?
PHIL MANLEY – É um lamento. Percebo o que quer dizer, soa de facto a algo produzido numa sessão de gravação diferente. Está cheio de guitarras e do som de órgão. É um tema orgânico…
FM – Jonas, uma personagem de Alain Resnais, fará 20 anos no ano 2000. O que poderá esperar um jovem de 20 anos do próximo milénio?
PHIL MANLEY – Toda a gente está a ficar apanhada pela ideia de que tudo mudará radicalmente no próximo milénio, mas penso que não haverá assim tantas mudanças, embora eu esteja convencido de que a economia global do planeta irá entrar em colapso e que a pobreza aumentará.
FM – A capa de “Futureworld” mostra um horizonte virtual completamente branco e vazio…
PHIL MANLEY – Certo. Gostamos dessa imagem. Mas, por outro lado, a capa é branca e verde por outra razão. Queríamos uma imagem com brilho…
FM – Como um monitor de computador?
PHIL MANLEY – Sim, algo que desse uma ideia mais positiva, até porque os nossos três primeiros álbuns são todos bastante escuros.
FM – A ideia final que “Futureworld” me sugere é a de uma viagem puramente mental, através de um computador, como se se tivesse perdido a ligação com o mundo exterior. É lícito concluir que o tema principal é a ilusão?
PHIL MANLEY – Sim, suponho que sim. Ou a fuga. Na tentativa de encontrar alguma esperança.
FM – Os Trans AM estão prontos para entrar no novo milénio?
PHIL MANLEY – Absolutamente. construímos um abrigo antibombas e enchemo-nos de comida enlatada [risos]. Pessoalmente, estou preparado para fazer uma enorme festa, provavelmente em Nova Iorque. É lá que costuma fazer as passagens de ano. Acontece sempre algo de louco.

Trans AM Vigiam A América Em “The Surveillance” – Entrevista a Nathan Means –

27.03.1998
Trans AM Vigiam A América Em “The Surveillance”
Quando O Dique Rebenta
Com “The Surveillance”, os Trans AM tornaram-se na mais formidável máquina de ritmos do pós-rock. Para esse efeito construíram o seu “Kling Klang” privado, transportando para os anos 90 o conceito do estúdio como unidade portátil de composição musical, criado há duas décadas pelos Kraftwerk. E Nathan means explicou ao PÚBLICO por que razão na América, em 1998, se instalou a paranóia.

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Antes de responderem às questões propriamente ditas, os Trans AM fizeram questão que fosse publicado um pequeno manifesto que, por si só, explica o essencial dos seus processos criativos: “Não somos nenhuma espécie de colectivo político-artístico como são, por exemplo, os Negativland. Todos temos as nossas concepções políticas que discutimos ocasionalmente entre nós. Mas a nossa música quase nunca é concebida como um espaço político limitativo, que é aquilo que a maior parte dos críticos pensa de nós. A música de ‘The Surveillance’ foi composta como resultado de uma busca nossa, mais ou menos casual, e da experimentação com novos sons e equipamentos. Os aspectos políticos e teóricos dos nossos álbuns são sempre concebidos ‘a posteriori’, como uma superestrutura que seja capaz de impor a cada trabalho alguma espécie de coerência.”

FM – “The Surveillance” é um álbum de temática violenta que fala da paranóia e dos medos escondidos da América em 1998…

NATHAN MEANS – Sim, os títulos falam todos de uma linguagem ridícula que se está a vulgarizar, de propaganda de sistemas de segurança para as casas, iniciativas anticrime, políticas de tolerância zero e comunidades fechadas. Noto cada vez mais sinais que mostram que a resposta da América ao problema da pobreza e a outros problemas sociais a ela associados está a passar de uma situação com base na assistência social para outra de diminuição de subsídios que se concentra na repressão e em meter cada vez mais pessoas nas prisões. Um certo nível de paranóia – que instiga medo e aversão às classes sociais mais baixas, cada vez mais responsabilizadas pelo aumento da criminalidade – é extremamente útil ao poder, como forma de vender o seu programa ao povo americano.

FM – Qual é o inferno mais próximo. O de “Brave New World”, de Aldous Huxley, ou o de “1984”, de George Orwell?

NATHAN MEANS – “1984” deu-nos a ideia para o conceito do “Big Brother Is Watching Us” [“O Grande Irmão Está a Observar-nos”, uma das máximas do livro de Orwell]. Infelizmente, nos Estados Unidos, esta espécie de paranóia dirige-se mais ao “Grande Governo” 8atingindo, como consequência, algunsesforços comunitários que visam a melhoria das condições de vida…), e menos ao “Grande Negócio”, o qual, pessoalmente, considero mil vezes mais ameaçador. Evidentemente, a distinção entre os dois pode ser suspeita, mas…

FM – A tecnologia é uma arma. De que forma a manipulam?

NATHAN MEANS – Os instrumentos são tão responsáveis pela composição das canções como nós.

FM – Existe actualmente uma dicotomia curiosa entre as bandas de pós-rock. Enquanto grupos como vocês, os Tortoise ou os Labradford tocam uma música mais orgânica (analógica?), outras, como os Microstoria ou os Oval, têm um som mais doentio, como se as máquinas estivessem infectadas por um vírus.

NATHAN MEANS – Nunca tinha pensado nisso antes, mas vejo onde quer chegar. No nosso caso e no das outras duas bandas que refere, derivamos todos de uma estética tipicamente americana, em que tocámos todos ao vivo em grupos rock ou punk antes de nos fecharmos em estúdio com a electrónica e com todos os aspectos que andam associados ao pós-rock. Não conheço bem a história dos Oval, mas sei que são dois tipos alemães que talveaz não tenham tido essa formação ao vivo que costumam ter as bandas americanas.

FM – Construíram um estúdio privado especialmente para a gravação do novo álbum. É a vossa versão do estúdio Kling klang que os Kraftwerk construíram na década de 70?

NATHAN MEANS – Sim, construímos o nosso próprio Kling Klang. Só que depois da gravação tivemos de o desmontar porque os senhorios da cave em que estava instalado se mudaram. Estamos à procura de um novo local para voltar a construir o estúdio, numa base permanente.

FM – Já definiram o som do novo álbum como possuindo uma “qualidade perigosa”. Podem ser mais específicos?

NATHAN MEANS – O nosso “som Especial” é o que resulta da explosividade do nosso som ao vivo. Queríamos, por exemplo, que a bateria soasse tão gigantesca como em “When The Levee Breaks” (“Quando o dique rebenta”) dos led Zeppelin. Nos dias de hoje, em que somos agredidos por todos os lados pelo “rock domesticado” de grupos como os Stone Temple Pilots, Live ou Three Eye Blind, nada é mais perigoso ou controverso do que os rock “com os tomates no sítio”.

FM – Qual destes dois discos acham que representa melhor o espírito dos anos 90: “The Man Machine” dos Kraftwerk ou “Metal Machine Music” de Lou Reed?

NATHAN MEANS – Nem um nem outro. Infelizmente os anos 90 são provavelmente representados pelo álbum mais recente dos Third Eye Blind ou por Puff Daddy. As rádios comerciais estão a tornar-se cada vez mais dóceis e inimaginativas à medida que as estações vão sendo compradas pelas multinacionais. Em Washington D.C., por exemplo, os programas até cheiram mal! É um fenómeno de homogeneização corporativista que está a tornar-se evidente por toda a parte.

FM – O início de “Armed Response” é puro metal sobre metal, esmagamento de guitarras e ruído. Os Trans AM têm o mesmo espírito punk, por exemplo, dos This Heat, nos anos 80?

NATHAN MEANS – Sem dúvida. O nosso espírito é esse mesmo. Da mesma forma que os AC/DC eram tão punks como os Ramones. Quer uma quer outra destas bandas baseavam a sua música em acordes inacreditavelmente simples e numa energia bruta que ainda hoje impressiona, em contraste com a neuratesnia que vigora na música comercial dos anos 90. E adoro os This Heat!. Sinto-me lisonjeado que tenha pensado neles ao ouvir o nosso álbum.

FM – Falou-se há pouco dos Kraftwerk. As programações de “Access control” misturam “The man machine” com “Autobahn”. “Prowler’ 97”, “Shadow Boogie” e “Home Security” também soam muito a esta banda germânica. Os Kraftwerk são a influência principal em “The Surveillance”?

NATHAN MEANS – “Home Security” é a canção mais kraftwerkiana do álbum. “Prowler’ 97” sugere-me mais a música de “breakdance” ou um filme de suspense. “Access control” acabou por se parecer um bocado com uma banda finlandesa chamada Panasonic. Se puder vê-los ao vivo, não hesite. São espantosos!

FM – “The Surveillance” pode também ser encarado como um jogo de e sobre o poder. Como é que se termina este jogo?

NATHAN MEANS – Gostaria de poder dizer que a música tem o poder de uma única arma política, necessária para combater o terror do tal Estado de Segurança que mencionei há pouco, mas não acredito que seja verdade…

Nota:
Os Trans AM vão tocar a Espanha no próximo dia 10 de Junho e gostariam de poder actuar em Portugal. Nathan Means refeiur o prazer que isso lhe daria. De passagem diz que fala um pouco de espanhol e que o baterista do grupo, Sebastian, é argentino.