06.04.2009
Trans AM
Transe Americano
Na primeira passagem dos Trans AM por Portugal, em Janeiro do ano passado, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, havia quem estivesse à espera de uma sessão de electrónica servida em sintetizadores analógicos, com o rock a servir de muleta. As contas saíram furadas.
Desta banda de Washington D.C. eram conhecidos álbuns como “Surrender to the Night” (juntamente com “Millions Now Living Will Never Die”, dos Tortoise, um dos clássicos da primeira geração do pós-rock), “The Surveillance” e “Future World”, exercícios de electrónica de corrida, feita de sintetismos, vozes vocoderizadas e batidas kraftwerkianas. É verdade que as guitarras e a bateria estiveram presentes, mas nada fazia prever uma sessão tão punk como aquela que o trio ofereceu nessa noite na ZDB, uma das muitas de suor, apertos e pouca visibilidade.
Desta vez já se vai avisado, pensarão vocês. Leva-se o blusão de cabedal, os “piercings” e as matracas. Alto aí! Não se precipitem e vão lá mudar o vestuário, porque os Trans AM têm em carteira uma coisa diferente. Em primeiro lugar, a sala é o Café Luso. Fica também no Bairro Alto, em Lisboa, mas o ambiente e a decoração prestam-se a outro tipo de “performances”. Que não incluem matracas. Foi no Café Luso, no ano passado, que Felix Kubin rubricou uma actuação memorável que juntou kitsch, teatro, humor e futurismo. E se é certo que os Trans AM não são propriamente adeptos do “camp” e da electrónica circense típicos do excêntrico alemão, a verdade é que a noite poderá ser de novo – como dá a entender a organização, a Major Eléctrico, do capítulo 6 da saga de eventos alternativos com a designação Blaast – de surpresas e acontecimentos extraprograma.
Ao contrário do rock, das guitarras e do fumo que intoxicaram a noite da ZDB, a música dos Trans AM será, no domingo, inteiramente preenchida pela electrónica. Em transe. E em trânsito, já que está prevista a interacção com a segunda banda em cartaz, os Iso68, uma das novidades mais refrescantes que o ano 2000 ofereceu em matéria de “electrónica suave” com origem na Alemanha, através do álbum “Mizoknek”. Interessante será presenciar a forma como esta interacção se processará, tendo em conta que os Trans AM são, apesar de tudo, guerrilheiros, como atesta o seu último álbum, “Red Line”, e os Iso68 uma agremiação ambiental/minimalista com férias pagas nas praias paradisíacas do “easy listening”. Faísca ou diluição, algo de incomum acontecerá de certeza.
Os Trans AM formaram-se em 1992 em Washington D.C., com Philip Manley (guitarras e teclados), Nathan Means (baixo e teclados) e Sebastian Thompson (bateria e percussão). Influenciados por bandas rock como os Van Halen e ZZ Top (embora não descurassem a audição das metalurgias Chrome, Suicide ou Throbbing Gristle…), retiveram destas a energia, canalizada em formato de “power trio”, ao mesmo tempo que aprenderam com os Kraftwerk a melhor forma de pôr a funcionar em regime de “Groove” automático os sintetizadores.
Não os confundam, todavia, com uma vulgar banda de electropop, apesar de na sua música ser possível detectar resíduos dos Human League ou dos Tubeway Army. Os Trans AM serão electrónicos, serão mesmo pop, mas têm uma consciência política. “The Surveillance” era uma metáfora sobre a era da comunicação global e a paranóia urbana, através do olhar totalitário do “big brother” americano, e “Future World” (síntese de “Future Days” dos Can e “Computer World” dos Kraftwerk), uma panorâmica do vazio contemporâneo desenhado nos pixels de um ecrã de computador. O novo “Red Line” é o olho vermelho da vingança.
Como vão os Iso68 – Thomas Leboeg e Florian Zimmer – reagir ao furacão, eis a incógnita que será interessante ver desvendada no Café Luso. Nos Isso 68 não existe sociologia – não, não é nenhuma menção subliminar ao Maio de 68 – nem o mínimo vestígio de rock’n’roll. A sua música tem a consistência de um aspersor de jardim, com um microscópio auditivo afixado ao interior de cada gota.