Novo Disco De José Peixoto: Deitar Cedo E Cedo Erguer Para Ganhar O Dia – Entrevista –

17.07.1998
Novo Disco De José Peixoto
Deitar Cedo E Cedo Erguer Para Ganhar O Dia
“A Vida de Um Dia”, título do novo álbum a solo de José Peixoto, pode ser a eternidade. O guitarrista dos Madredeus encontrou o tempo certo no diálogo da sua guitarra clássica com o silêncio de uma igreja. Em cima e para dentro. “Para o infinito que pode ser o tempo.”

LINK (“Aceno”)

Depois de “A Voz dos Passos”, editado o ano passado, “A Vida de Um Dia” é o segundo capítulo de um encontro da guitarra clássica, acústica, com um espaço de interioridade que só o recolhimento de uma igreja permite. Com José Fortes na mesa de gravação, José Peixoto aprofundou na Igreja de Cartuxa as vias desse encontro, que, antes, adquiriu sobretudo os contornos de uma experiência, como o guitarrista explicou ao PÚBLICO.

FM – Em termos formais, este disco não difere muito de “A Voz dos Passos”, pois não?

JOSÉ PEIXOTO – Este disco acaba por ser uma espécie de prolongamento do outro. O outro surgiu como uma experiência que eu nunca tinha feito, de compor para guitarra solo, enquanto este já parte de uma certeza, de um terreno que eu conheço.

FM – Ficou, então, alguma coisa por dizer, no álbum anterior?

JOSÉ PEIXOTO – O que ficou por dizer é que tinha, já nessa altura, mais música do que aquela que está no CD.

FM – Aproveitou alguma coisa dessa música para este novo disco?

JOSÉ PEIXOTO – Aproveitei alguma, coisas antigas que reformulei. Mas a ideia foi ir um pouco mais longe, aprofundar algumas das ideias.

FM – Aprofundar, como?

JOSÉ PEIXOTO – Ao nível da liberdade de composição. É um terreno um bocado subjectivo… Aprofundar no sentido de deixar de ser uma experiência, do tipo “deixa lá ver como é que funciono a compor para um instrumento solo” e já não haver dúvidas a esse respeito. Partir já com ideias mais sólidas.

FM – Fazer de seguida dois álbuns só de guitarra acústica não será, à partida, um projecto algo arriscado, e não só em termos comerciais?

JOSÉ PEIXOTO – A guitarra é o meu veículo de expressão. O instrumento que estudei e que tem sido o meu amigo nestes anos todos. Comercialmente falando, é um facto que é um luxo eu poder fazer esta música, sem ter preocupações de vendas.

FM – Esta sua carreira a solo, com gravações em igrejas, é um escpae à máquina dos Madredeus?

JOSÉ PEIXOTO – É um projecto paralelo que já vinha de trás e que tenho necessidade de alimentar.

FM – Por que razão voltou a escolher uma igreja, a da Cartuxa, em Caxias, como local de gravação?

JOSÉ PEIXOTO – Foi uma igreja como podia ser um outro espaço acústico. Houve a preocupação de encontrar um espaço favorável à emissão de som. A música não é mais do que ar em movimento. A vantagem de ter uma atmosfera activa, como a de uma igreja, é não ser necessário usar qualquer artificialismo. A primeira sensação que tive, das duas vezes em que entrei nesta igreja, foi o próprio som dos meus passos. É logo uma sensação de prazer que surge de forma automática. O prazer físico do som.

FM – Um prazer que tem necessariamente de ser solitário?
JOSÉ PEIXOTO – … Com o José Fortes, que foi uma parte essencial neste processo todo. Mas é, de facto, uma intimidade absoluta, um prazer solitário. Mas a minha natureza dá-se bem com esta situações. Estou, como se costuma dizer, a jogar em casa.

FM – Há alguma razão especial para a escolha do título?

JOSÉ PEIXOTO – “A Vida de Um Dia” pode ser um despertar de várias maneiras. É um espaço aberto para o interior. Para o infinito que pode ser o tempo. A medida do tempo é uma coisa muito relativa. A vida de um dia pode ser um todo. Onde cabe tudo.

FM – Sente-se nesse tempo a presença, muito subtil, quase subliminar, do flamenco.

JOSÉ PEIXOTO – Eu ouço muito flamenco. É uma expressão incrível e um tipo d emúsica onde a guitarra cumpre plenamente. Mas não se pode dizer que tenha uma sensibilidade de flamenco. Identifico-me apenas como ouvinte. Gosto de Paco de Lucia, Tomatito, Vicente Amigo…

FM – A sua música é uma música triste?

JOSÉ PEIXOTO – É melancólica. Solitária. Estes discos são uma espécie de auto-retratos. Acabam por ser um espelho do que eu sou.

FM – Como é que cocilia o ritmo de trabalho dos Madredeus com essa sua costela de solitário?

JOSÉ PEIXOTO – Defendo-me com a disciplina. Durante as viagens, por exemplo, para poder preservar o meu tempo e o meu espaço. Outro exemplo: a seguir aos concertos não vou jantar. Não gosto de comer nem de me deitar muito tarde. Acabo por fazer uma vida mais saudável, que me permite ter mais tempo para estudar ou para trabalhar.

FM – A guitarra eléctrica não faz parte do seu vocabulário. Poquê?

JOSÉ PEIXOTO – Quando era mais novo tocava guitarra eléctrica. Mas a partir do momento em que comecei a estudar guitarra clássica abriu-se-me um mundo à frente que não sei se uma vida inteira chegará para o desbravar. É uma paixão. Mas também já toquei alaúde árabe…

FM – … Sob o pseudónimo de “El Fad”. Esse outro mundo, o da música árabe, ficou para trás?

JOSÉ PEIXOTO – Ficou para trás porque representava apenas uma determinada fase. Entretanto, vamos amadurecendo e a idade leva-nos para outros lados. Mas continuo a ouvir música da Tunísia e do Egipto, e músicos como o alaúdista Anouar Braheim.

FM – Podia perfeitamente editar os seus discos numa editora como a ECM. Gostava?

JOSÉ PEIXOTO – Acho que sim. Aliás, tenho feito contactos com ela sempre que gravo. Mas como não tem havido nenhum “feedback”… É preciso dar tempo ao tempo. E era preciso eu ter esse tempo para me dedicar a esse tipo de contactos. Embora isso, se calhar, seja mais simples do que se imagina. A oportunidade pode surgir de repente. A ECM não é uma editora inacessível.

FM – Existe alguma estrutura especial na forma de “A Vida de Um Dia”?

JOSÉ PEIXOTO – É como se desenhasse uma circunferência.

FM – Já se ouviu neste disco?

JOSÉ PEIXOTO – Já. Fiquei surpreendido porque achei que estava bastante melhor do que quando o acabei de fazer. Tenho a sensação de estar agradecido a mim mesmo por tê-lo feito. Agradecido porque se não fosse eu a fazer esta música, ninguém amais a fazia.

Kreidler Passeiam Pelo Lado Mais Afastado Do Parque – Entrevista –

03.07.1998
Kreidler Passeiam Pelo Lado Mais Afastado Do Parque
A Saudade Que Veio Do Frio
Frios mas sensíveis à saudade, os Kreidler voltam a povoar, com “Appearance and the Park”, os sonhos do pós-rock com uma actividade febril. Ou fabril. sonham em japonês, com as máquinas dos Kraftwerk e os mistérios de Düsseldorf. Como um “haiku” a sua música vai directa ao essencial. Manipulando “a um nível abstracto” as emoções de quem a ouve.

LINK

Quando da saída de “Weekend”, álbum de estreia dos germânicos Kreidler, falámos com Stefan Schneider, também membro dos To Rococo Rot. Desta feita a conversa foi com o teclista e sintetista Andreas Reihse, um admirador de Kurt Dalhke (Pyrolator), Kraftwerk e das bandas que fazem história em Düsseldorf. Mas durante as gravações de “Appearance and the Park” os Kreidler seguiram o “método Can”.

FM – “Appearance and the Park” é um título estranho. O parque é o mesmo que aparece na capa do álbum anterior, “Weekend”?

ANDREAS REIHSE – Sim, “The Park” faz o elo de ligação com “Weekend”. “Appearance” assinala o novo e o inesperado, também a distância relativa ao álbum anterior e algo mais de que não tovemos consciência no momento da gravação. O “e” liga o antigo ao novo, jogando com a ausência de lógica. O título procura também captar um certo mistério que paira no ar, como os “Ficheiros Secretos”.

FM – A melodia de “Tuesday” é puro Pyrolator (do ambiente de feira de “Wunderland” não dos experimentalismos de “Inland”). E nas notas de capa agradece ao próprio Pyrolator, ou eja, Kurt Dalhke, cada vez mais citado pela snovas bandas alemãs de música electrónica, dos FX Randomiz aos Schlammpeitziger. Será que ele é o elo, nos anos 80, que faltava entre o “krautrock” dos anos 70 e as actuais vagas do pós-rock e da “Electronica”?

ANDREAS REIHSE – Houve quem se lembrasse de “Could it be I’m Falling in Love”, dos Spinners… Infelizmente “Wunderland” é o único álbum dos Pyrolator que nunca ouvi. De qualquer forma gosto do modo como ele usa melodias “naive” e um “kitsch” que é muito apelativo, como fazem os Kraftwerk. Mas há mais música importante de Dçsseldorf, dos anos 80, como os primeiros Die Krupps e os Der Plan. E Holger Hiller Dorau gravou também nesta cidade. Sob a designação Deux Baleines Blanches nós próprios gravámos várias vezes nos estúdios Ata Tak. No ano passado gravámos o 12” “Fechterin”, que foi produzido por Kurt. Foi também Kurt que nos enviou um gravador DAT durante as gravações de “Appearance”, depois de três dos gravadores do estúdio em St. Martin terem rebentado!…
A editora Atatak é, de facto, um elo que liga um determinado tipo de “krautrock” ao som de Düsseldorf personificado pelos Kraftwerk e pelos Neu! mas também através de Michael Rother, Cluster e Harmonia, bem como dos grupos de “electronica” actuais. Também é possível perceber reminiscências de Pyrolator na cena tecno de Colónia, de bandas como os Modernist, bionaut, Ike Ink ou Sweet Reinhard.

FM – Kurt remisturou uma faixa dos Kreidler, em “Resport”. Ficou satisfeito com o resultado total desse projecto?

ANDREAS REIHSE – A princípio não. Porque me sinto mais ligado à música de dança, ao tecno ou à “house”. Teria ficado mais feliz com uma mistura desse tipo. Mas não fui eu que escolhi os autores das remisturas, à excepção de Kurt. Claro que é a minha remistura preferida. Mas acabei por reconhecer qu eo som está bastante consistente. Talvez não resultasse numa linha mais ortodoxa de música de dança.

FM – O som é mais importante do que a estrutura na música dos Kreidler?

ANDREAS REIHSE – Detlef Weinrich e eu somos os que estamos mais conscientes do som enquanto matéria-prima. Não gostamos muito de samples porque são barulhentos, sujos e demasiado cheios de informação e de História. É muito mais fácil criar um determinado ambiente manipulando o auditor a um nível mais abstracto, jogando com memórias sonoras que se conservam no cérebro. Por isso preferimos sons puros e frios. De maneira a manter uma distância que permita uma possibilidade de acesso ao suditor completamente diferente. Não como um diário, não de uma forma egocêntrica, mas como senso-comum, pop, um modelo.

Método Can

FM – E “She Woke up and the world had changed” parece que os Cluster encontraram os New Order. É um dos aspectos mais interessantes da vossa música, a forma como combinam elementos e influências diferentes num todo que soa completamente original. Compõem em cas? No estúdio? De que modo manipulam os sons e as ideias?

ANDREAS REIHSE – “Au-pair” e “Coldness”, por exemplo, foram trabalhadas em casa no meu Apple. Outras canções foram tocadas primeiro em concertos, durante um ano, numa espécie de remistura de teste, ao vivo, às reacções do público. Antes desaa fase cada um de nós leva para a sala de ensaios um “loop”, uma melodia, alguns acordes, um ritmo, uma ideia para uma linha de baixo. Depois juntamos as partes mas nunca sob a forma de improvisação. Numa última fase separamos as melhores, segundo aquilo a que chamo o “método Can”. Fazemos variações sempre tendo em mente que o resultado final deverá rondar os 4 minutos de duração.

FM – A programação rítmica de “Necessity Now” é muito semelhante à de “Trans Europe Express”, dos Kraftwerk. E há sons sintéticos que lembram a fase inicial do grupo de Ralf e Florian. Quando os Mouse on Mars elogiam o álbum “Organisation”, assiste-se a uma revalorização desta fase inicial dos Kraftwerk, em detrimento da fase posterior, iniciada em “Trans Europe Express” que todos elegiam antes como percursora do electro-funk…

ANDREAS REIHSE – O meu álbum favorito dos Kraftwerk é “Menschmaschine” (“The Man Machine”) porque dá uma ideia bastante clara do que haveria de acontecer nos anos 80. É frio e cheio de desespero e entropia. Por vezes sinto-me deprimido quando o ouço. Não penso que os Kraftwerk sejam muito “funky”. São muito rigorosos e rígidos, tipicamente alemães, quando os comparamos com Sly & The Family Stone ou Parliament. aprecio a sua evolução, desde o iníco até “Electric Cafe”. De certa forma, cada novo álbum é uma actualização do anterior. Não sei se o material mais antigo está agora mais em voga. Há quatro anos atrás, Triple-R., um dj, incluiu no seu “set” de tecno um tema de “Ralf & Florian”.
A propósito, Thomas e eu tocámos recentemente com Klaus Dinger, (Neu!, La Düsseldorf, primeiros Kraftwerk) no Japão, bem como em vários álbuns dos La!Neu?

FM – Concorda que “Appearance and the Park” é bastante mais melódico do que o seu antecessor? Por vezes soa quase aos OMD. Um passo na direcção de uma nova vaga de electropop, talvez?

ANDREAS REIHSE – Bem, preferia que tivesse pensado nos The Normal, nos Human League ou nos New Order… Ou num grupo funk de Nova-Iorque, como os Liquid Liquid. De qualquer forma estamos nos anos 90 e não é nosso propósito sermos uma banda retro.

Haiku de Banana

FM – Quem é Banana (!?) Yoshimoto cuja poesia é referida no álbum?

ANDREAS REIHSE – É uma jovem escritora japonesa com um estilo muito fácil de leitura (ok, só conhecço as traduções…) mas que é capaz de traduzir sentimentos muito profundos com um mínimo de palavras, um pouco como os haikus. Da mesma forma nos Kreidler procuramos usar sons e melodias o mais puro e simples possíveis para exprimir sentimentos como a saudade e proporcionar algum conforto, aceitando as coisas de uma forma activa e não passiva, tentando transformar as más em algo positivo para o auditor. algo que também se encontra em “Crash”, de David Cronenberg.

FM – Detlef Weinrich também fala dessa “forma de aceitação das coisas”. Há aí alguma conotação com o zen?

ANDREAS REIHSE – É sem dúvida algo japonês, mas não somos nenhuns budistas!

FM – Curiosamente parece existir uma ligação entre os músicos electrónicos alemães e o Japão. Estou a lembrar-me de Holger Hiller, que tem um álbum inteiro, “Little Present”, feito a partir de sons gravados em Tóquio. Além de que vocês agradecem a uma quantidade enorme de japoneses neste disco…

ANDREAS REIHSE – Conhece “Little Present”! Brilhante! Adoro esse disco. Quando estive com Klaus Dinger em Tóquio recebi-o como presente. Fiquei muito impressionado com a cidade, com os seus sons, as cores, as pessoas, tudo. Não me lembro de alguma vez me ter sentido tão bem (soa um bocado patético, na?). A cidade tem uma vibração ultra positiva (ainda mais patético!…) que não se encontra em nenhum lugar da Europa. Fiquei com uma quantidade de amigos em Tóquio. Mas é uma cidade que transmite igualmente imagens de um desespero muito belo e puro.

FM – E a Itália? O disco tem canções chamdas “Il Sogno di una Cosa” e “Venetian blind”…

ANDREAS REIHSE – “Il Sogno…” é uma frase original de Karl Marx. Pier Paolo Pasolini usou-a como título para um dos seus livros. Por outro aldo sinto que existe uma ligação qualquer entre o Japão e a Itália que não consigo explicar.

FM – Insistem em conotar os Kreidler com o conceito de “frieza”. Os novos homens-máquina?

ANDREAS REIHSE – Homens-máquina, nunca! Talvez só por brincadeira é que joguemos com esse género de atitude. Sentimos mais atracção pelo escuro e pelo frio, mas também tem que existir um antagonismo. E, evidentemente, sempre uma espécie der saudade.

Danças Ocultas Respiram Em Novo Disco – Entrevista –

19.06.1998
Danças Ocultas Respiram Em Novo Disco
Ar De Fole
“Ar”, segundo álbum do grupo de concertinas de Águeda, Danças Ocultas, recria as micropaisagens do universo dos foles, ao mesmo tempo que respira as altitudes cósmicas da serra. Artur Fernandes carregou nos botões para o PÚBLICO.

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Compor formas de música original para concertina é o objectivo prioritário dos Danças Ocultas. Mesmo que, para tal, seja preciso inventar um instrumento novo, como a concertina baixo, e reprimir as tentações de virtuosismo.

FM – “Ar” respira ambientalismo por todos os poros…

ARTUR FERNANDES – Do título, o mais simples possível, à capa, com um mínimo de texto, a preocupação foi que a música pudesse dizer tudo a partir do elemento, o ar, que faz funcionar o nosso instrumento. Foi-se embusca de imagens que se inserissem no contexto estético abordado neste disco, esse tal ambientalismo ou paisagismo.

FM – Podemos falar de micropaisagens?

ARTUR FERNANDES – Sem dúvida nenhuma. O reportório incluído tem bastantes pormenores. Poderíamos falar, quase, na teoria do caos, em que há o macropormenor, o médio pormenor e o micropormenor. Existe um balanço, um ritmo instalado e depois, aí dentro, aparece uma melodia deste, um pormenor daquele, uma resposta de um terceiro, até se chegar à densidade que procurámos para este disco.

FM – Esse trabalho exige um determinado tipo de experimentação?

ARTUR FERNANDES – Seis ou sete dos temas já tinham sido tocados nos concertos. Fomos experimentando coisas mais arriscadas. Apercebemo-nos de que músicas mais densas, com mais contrapontos melódicos e informação, não eram rejeitadas pelo público. Mas no fundo o que continuamos a fazer é ir buscar aquilo que eu chamo a vontade do instrumento. Há determinados contornos técnicos dos dedos que são extremamente fáceis e que por vezes resultam em coisas absurdas mas que, se forem bem arranjadas, podem funcionar bastante bem. Arranjos que foram feitos na totalidade em oficina, por todos os elementos do grupo.

FM – Aparecem a tocar pela primeira vez uma concertina baixo.

ARTUR FERNANDES – Precisávamos de ter mais notas nos graves. Ou mandávamos construir uma concertina com mais botões na mão esquerda, ou inventávamos nós uma solução. Foi o que fizemos. Juntámos duas partes esquerdas – de baixos – de concertinas e um fole maior, par apoder ter mais interesse cénico. No lado que acrescentámos pusemos as tais notas que falatavam.

FM – Que fontes de inspiração jorraram em “Ar”?

ARTUR FERNANDES – A grande referência á Astor Piazzolla, a quem fizemos uma espécie de homenagem no tema de abertura, “Escalada”. Outras referências importantes foram Riccardo Tesi, Kepa Junkera, John Kirkpatrick e a Sharon Shannon. Mas nunca num sentido seguidista.

FM – Todos esses nomes não dispensam, de uma maneira ou de outra, exibir o seu virtuosismo, ao contrário das Danças Ocultas…

ARTUR FERNANDES – Sem dúvida. Poderá haver aí um factor genético. Por exemplo, os bascos, como o Kepa Junkera, são muito mais “virtuoses” do que os portugueses, não só no acordeão como noutros instrumentos tradicionais. Mas nós procuramos o nosso valor e não as nossas limitações. Valorizar a expressão em dtrimento do virtuosismo. E virtuosismo não é só tocar depressa… Sentomo-nos bem a tocar dentro de determinada estética, a tal música paisagista, e tentamos explorá-la da melhor forma possível. De resto, tanto o Kepa Junkera como o Riccardo Tesi gostaram imenso do nosso primeiro disco.

FM – Por falar em qualidade musical e ausência de virtuosismo, o tema “Pinguim no meu jardim” tem alguma coisa a ver com o Penguin Cafe Orchestra?

ARTUR FERNANDES – Tem. É um tema do Bitocas, o técnico de som do grupo, que sempre gostou muito dos Penguin Cafe. O tema é uma espécie de homenagem a uma certa forma e fazer música que é a do grupo inglês.

FM – A influência da música búlgara não é muito evidente em “Bulgar”…

ARTUR FERNANDES – Sim… É uma questão de acentuações. A divisão rítmica está lá, um compasso de 7/4, no início e no fim do tema. No entanto, não quisemos acentuar demasiado para não se perder o tal lado contemplativo.

FM – O que são as ilusões de “Quatro ilusões”?

ARTUR FERNANDES – São ilusões rítmicas. É uma valsa um pouco mais rápida em que, de vez em quando, o ritmo ternário se transforma em binário, passando a ser uma marcha. São quatro melodias que se vão metamorfoseando ritmicamente.

FM – Há alguma razão para continuarem a não deixar entrar mais nenhum instrumento, além da concertina, no grupo?

ARTUR FERNANDES – Mas tentamos que o grupo não seja o projecto para um instrumento… A maior parte das formações instrumentais, do tipo quarteto de saxofones, quarteto de harmónicas, ou trio de cordas, baseiam o reportório em adaptações, de música clássica ou outra qualquer. Nós fazemos música nova para a concertina. Acabamos por ser um projecto mais de quatro pessoas que, por acaso, tocam o mesmo instrumento.

FM – Além da sua participação nos Sons da Lusofonia, faz também parte de outro grupo, não é verdade?

ARTUR FERNANDES – Sim, os 4 Portango, em que tocamos Piazzolla. Fizemos a banda sonora do filme “Mortinhos por Chegar a Casa” [de Carlos da Silva e George Sluizer] e participámos recentemente na Cimeira Mundial de Tango.

FM – Vai ser difícil arrumar este disco nas prateleiras das lojas. “Música ambiental”, “world music”, “especial instrumentos”?…

ARTUR FERNANDES – Talvez uma estante só para as Danças Ocultas. Em termos internacionais, poderá ser incluído em “world music”, embora não goste muito da designação, porque toda a música é “world”.

FM – Onde é que foi tirada a foto da capa?

ARTUR FERNANDES – Num local da serra do Caramulo chamado Urgueira, no concelho de Águeda. É Portugal, como poderia ser a Colômbia ou o Tibete.