Vários – “Mirandun, Mirandela…”

POP ROCK

5 Março 1997
world

Vários
Mirandun, Mirandela…
GEMP/LA TALVERA, DISTRI. MC – MUNDO DA CANÇÃO


mm

Para um desenvolvimento sustentado da música tradicional, ou de raiz tradicional, portuguesa, é bom que, a par do surgimento de novos grupos e da consolidação dos mais antigos, apareçam no mercado edições como esta, de música étnica recolhida e gravada sem qualquer tipo de produção modernizadora. Aqui, como em tudo, nada morre mas tudo se transforma. “Mirandun, Mirandela…” é um registo cuidadosamente documentado (disco e livro) da série “Mémoires Sonores”, contendo cantares e músicas do concelho de Miranda do Douro, em Trás-os-Montes.
Que uma edição deste tipo, à semelhança de outra já por nós aqui recenseada, “Musical Traditions of Portugal”, seja fruto de uma iniciativa estrangeira é um mal menor, que apenas vem demonstrar, uma vez mais, o desinteresse a que a música tradicional portuguesa é votada pelas entidades oficiais portuguesas. Mais atentos e interessados, os franceses fazem o que compete a qualquer povo civilizado, contando a presente edição com os apoios da FNAC, da Junta Regional do Midi-Pirinéus e da Comissão das Comunidades Europeias, entre outros organismos, que incluem ainda a Câmara Municipal de Miranda do Douro.
A melopeia inicial do pastor que chama as suas ovelhas dá início a uma viagem por uma das regiões mais isoladas de Portugal continental. Viagem de recuo no tempo, pelas vozes ancestrais de homens e mulheres cuja vida e costumes são inseparáveis da música, nessa ligação sagrada à terra que constitui a verdadeira tradição. A par do canto, quase sempre “a capella”, é o encontro com a gaita-de-foles, a flauta de três orifícios e o tamborim, instrumentos cuja prática ainda permanece nesta região do Nordeste mas que o tempo vai fazendo empurrar para o abandono e o olvido.
Escutar estes sons e estas histórias, adivinhar o fogo que anima as danças dos pauliteiros, sonhar os caminhos da história e da lenda é o que nos oferece a presente colectânea, objecto essencial para quem pretenda ter da música tradicional uma panorâmica mais aberta e profunda, que não se compadece com as maneiras afectadas da grande cidade. (8)



Vários – “Millenium (Música para o Terceiro Milénio)”

Pop Rock

5 Fevereiro 1997
poprock

VÁRIOS
Millenium (Música para o Terceiro Milénio) (4)
EMI


mil

Está feito. A “música para o terceiro milénio” virá do fundo de catálogo. O futuro passa pela novidade e inovação, mas estas já estavam guardadas há muito. Novos artistas modificarão a face do planeta musical. Preparem-se os espíritos para os sons e nomes que hão-de vir, cujos nomes se mantiveram religiosamente resguardados dos olhos do público, nas últimas décadas.
Já estão todos neste disco: Amália Rodrigues, António Pinho Vargas, Banda do Casaco, Carlos Paredes, Fernando Lopes-Graça, Heróis do Mar, Madredeus, Rui Veloso, Sétima Legião, Ala dos Namorados, Nuno Rebelo, Lua Extravagante, Janita Salomé, Diva, Cantares de Idanha-a-Nova, Carlos Seixas. Tudo gente desconhecida, que irá revelar-se nos próximos mil anos.
Os álbuns de onde foram retirados os diversos temas, representam, cada um, uma determinada corrente “new age”. Todas ficarão, decerto, nos ouvidos da humanidade e na história do futuro: “A um Deus Desconhecido”, “Movimento Perpétuo”, “A Cantar ao Sol”, “O Melhor de Amália – Estranha Forma de Vida”, “Existir”, “Macau”, “Fora de Moda”, entre outros. Estranhos nomes, que, curiosamente, parecem despertar em nós memórias adormecidas.
O padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva já tinham profetizado a chegada de D. Sebastião. Mais do que um, se fosse preciso. Não podiam adivinhar é que eram tantos. “Millenium” é, então, música “new age”. Ou, talvez melhor dizendo, música para a “new age”. Como tal, o texto que nos embala, perdão, da embalagem, apela ao que de melhor e mais manso rumina no coração dos homens. A capa está adornada de paisagens, infinitos, mar e nuvens. É o céu da música portuguesa ao alcance da mão e das bolsas.
Os artistas, claro, não têm nada que ver com esta história. A sua música vale pelo que vale, o que, na maioria dos casos, é muito ou muitíssimo. Os discos atrás mencionados fizeram, de facto, história. Tiveram o seu tempo de glória. São lícitas as colectâneas deste tipo. Pois são. E até dão. O que será mais antipático é procurar capitalizar universos tão distintos, por vezes antagónicos, englobando-os no saco – quase sempre roto – e na estética, tantas vezes conformista, da “new age”. Enfim, até poderão existir tansos que pensem que Sétima Legião, Lua Extravagante, Madredeus ou Ala dos Namorados são designações de seitas do milénio. O futuro é ontem.

Brigada Victor Jara – “Tamborileiro” + Brigada Victor Jara – “Monte Formoso” + Vai De Roda – “Vai De Roda”

POP ROCK

15 Janeiro 1997
reedições

Depois da revolução

BRIGADA VICTOR JARA
Tamborileiro (8)
Monte Formoso (8)
Ed. Farol

VAI DE RODA
Vai de Roda (9)
Ed. Movieplay


bvj1

bvj2

vdr

Três reedições históricas de dois dos grupos cuja obra influenciou mais fortemente os caminhos da música de raiz tradicional portuguesa nas duas últimas décadas. Exemplares também da maneira como quiseram e souberam ultrapassar a carga ideológica e os modos de produção artesanal (ambos animados das melhores intenções, mas que destruíram tanto como construíram…) que caracterizaram grande parte da safra da primeira (e, sem dúvida, mais revolucionária, pelo menos em matéria de entusiasmo partidário…) geração de músicos desta área.
Com a reedição em compacto de “Tamborileiro”, de 1979, e “Monte Formoso”, de 1989, a juntar ás já efectuadas, “Eito Fora”, também pela Farol, e “Contraluz”, pela Sony Music, falta apenas “Marcha dos Foliões” para a totalidade da discografia da Brigada ficar disponível no formato digital. Já com “Vai de Roda”, de 1983, fica completa a trilogia até agora gravada pelo grupo de Tentúgal, juntando-se a “Terreiro das Bruxas” e ao recente “Polas Ondas”.
“Tamborileiro” é um dos “clássicos” trabalhos do grupo, onde este lima as arestas do anterior “Eito Fora” sem desvirtuar em demasia as diversas componentes tradicionais, do jogo poderoso da percussões às linhas melódicas das vozes, das quais cabe destacar a de Né Ladeiras, em “Rema”, “Ó menino” e “Charamba”. Os arranjos dos tradicionais dos Açores (três), Beira Litoral, andavam ainda longe do arrojo e das experimentações que caracterizariam os futuros “Monte Formoso” e “Contraluz”, soando a sua pureza e concisão de forma cristalina.
“Monte Formoso” apresenta já as linhas de sofisticação que marcariam a evolução do grupo até à actualidade. Para tal, muito contribuíram a entrada para o grupo das cordas e das palhetas duplas de Aurélio Malva e do piano de Ricardo Dias, que vieram reforçar as “vozes” solistas de Manuel Rocha, no violino, e Rui Curto, no acordeão e concertina. A Brigada era, em 1989, um grupo “folk”, com todas as implicações, conotadas com “impurezas” e ousadias, inerentes ao termo. Os ritmos abandonam o peso telúrico dos bombos e percussões tradicionais, passando a ser comandados pela bateria e pelos compassos rock. Por outro lado, a delicadeza das vozes femininas foi substituída pela pujança de polifonias masculinas, como em “Tosquia”, um dos pontos mais fortes de “Monte Formoso”, ao lado de “Bento airoso”, este uma das melodias mais evocativas alguma vez “arrancadas” pela Brigada. Um disco sem medo de empregar o fraseado jazzístico de um piano ou de um saxofone, orgulhosamente equilibrado entre a herança rural e a pesquisa de fórmulas novas para a música portuguesa de raiz tradicional.
“Vai de Roda”, incluído na lista do Poprock dos “melhores álbuns de sempre” da música portuguesa, faz parte daquela época em que um dos objectivos principais dos grupos então existentes era, mais do que o da subversão, a preservação de uma herança cultural. É o álbum, em termos de impacte, de “apresentação” da sanfona aos ouvidos urbanos, mas também, mais importante do que isso, de aculturação da música tradicional a um conceito estético global que desenvolvia em simultâneo, a adaptação das técnicas de interpretação tradicionais, a recriação das formas musicais arcaicas e a criação de um tipo de sensibilidade (do músico/intérprete mas também do auditor) que sintetizava modos distintos de abordagem ao folclore: a fidelidade às origens e a elaboração de um universo mítico-simbólico (materializado sonoramente na utilização de sons naturais como os da chuva, foguetório, grilos ou do “demónio da floresta”, na criação de ambientes oníricos), que viria a desmultiplicar-se na sua máxima complexidade em “Polas Ondas”.