Loreena Mckennitt – “Loreena Mckennitt Em Portugal – O Sumo Do Sol”

Cultura >> Terça-Feira, 10.03.1992


Loreena Mckennitt Em Portugal
O Sumo Do Sol


“The Visit” é o cartão de visita de Loreena Mvkennitt, uma canadiana loura como o sol que em Portugal descobriu o Graal, na disposição sagrada das laranjeiras no jardim interior de um quinta em Azeitão. Somos todos celtas ou é a luz mediterrânica, excessiva, que nos faz delirar?



Loreena Mckennitt toca harpa e canta com voz de anjo Shakespeare, Tennyson e a lenda do Rei Artur. Em “The Visit”, o seu mais recente álbum, aborda a mitologia celta e demanda o elo perdido entre o Oriente e o Ocidente. Não é uma especialista da música tradicional mas ama a tradição e um “sentido universalista”, presente nas várias culturas do globo. Loreena actua em Portugal, a 3 de Julho no Teatro S. Luiz, em Lisboa. O “PÚBLICO” falou com ela, num hotel da capital.
PÚBLICO – Comecemos pelo nome: Loreena Isabel Irene Mckennitt. Tem alguma ascendência portuguesa?
LOREENA MCKENNITT – Que eu saiba, não. Talvez haja alguma linhagem antiga, não sei.
P. – Esteve recentemente em Portugal, numa quinta do Azeitão. A que se deve essa visita?
R. – O que me levou a visitar Portugal foi uma exposição de fotografias de Elisabeth Feryn, tiradas neste país. Fiquei muito impressionada com o ambiente e achei que tinham muito a ver com o meu próprio trabalho. Falei com Elisabeth no sentido de regressarmos a Portugal para fazermos uma nova sessão de fotos e acabámos por ficar cá durante uma semana.
P. – Refere nas notas do disco que viu no jardim interior dessa quinta a materialização da mítica tapeçaria “The Lady and the Unicorn”…
R. – No pátio interior da quinta há quatro laranjeiras, uma em cada canto e outra ao centro, que me sugeriram todo o simbolismo relacionado com essa tapeçaria, nomeadamente as festas e danças de Maio associadas ao ciclo das estações, no período pré-cristão.
P. – De onde provém o seu interesse pela cultura e tradição celtas?
R. – Cresci no Canadá, no campo, o que me levou a sentir um grande amor pela terra. Depois foi o contacto com a música céltica, irlandesa e escocesa, e a visita à Irlanda com o consequente contacto com a música tradicional dessa região. Comecei a interessar-me pelas raízes históricas dos povos celtas. Estive em Veneza, em Novembro passado, na exposição dedicada ao mundo celta, onde nem sequer faltavam objectos artesanais provenientes de Portugal. Os celtas sempre se preocuparam com a terra, com os animais, com os elementos da Natureza e com a espiritualidade a ela associada.
P. – No seu mais recente disco, “The Visit”, explora as origens orientais da cultura celta, nomeadamente na faixa de abertura, “All souls night”, onde é notória a influência da música japonesa…
R. – Sim, essa influência aparece. “All souls night” aborda as festividades da morte. Os japoneses celebram a morte acendendo castiçais que depois seguem em pequenas embarcações pelas águas de um rio até ao oceano. No disco utilizei também instrumentos indianos como a “tampura” e a sitar”. Nesta faixa o próprio estilo do violinista [George Koller] é muito oriental. Note-se que eu não sou propriamente uma autoridade neste campo, apenas utilizo estas influências para enriquecer a minha criatividade. Em “The Visit” procurei juntar uma série de fios dispersos para mostrar que culturas diferentes têm rituais semelhantes. Procurei sobretudo encontrar um sentido de universalidade disperso por diversos locais, como o Oriente, a África e as regiões celtas.
P. – A música de “The Visit” aponta no entanto mais para a corrente “new age” do que propriamente para a música tradicional…
R. – Não sei bem o que o termo “new age” significa. Na América, “new age” está associado a música ambiental, a algo que as pessoas ouvem durante o banho ou durante uma sessão de massagens. Embora aceite que a minha música possa ser escutada nestas condições, penso que existe nela uma grande dose de paixão e que pode ser apreciada a níveis mais profundos. Talvez faça mais sentido associá-la ao termo “World music”. Sou da opinião que se está a desenvolver um estilo totalmente novo de música, ainda por definir, que junta as diversas “músicas do mundo” num contexto contemporâneo. Alguma música de Peter Gabriel, por exemplo, está próxima deste novo conceito.

Mistura De Ingredientes Musicais

P. – Em Portugal tem-se comparado a sua música à de Enya. Concorda com esta aproximação?
R. – Penso que ambas nos movemos em áreas semelhantes embora eu vá mais longe em termos de fusão de linguagens e culturas musicais diferentes, apesar de saber que ela canta em gaélico irlandês e esse tipo de coisas… No meu caso pessoal estou mais interessada em pegar na mitologia e no folclore tradicionais e apresenta-los em formas mais actuais.
P. – Os seus discos anteriores estão mais directamente relacionados com a música folk. “The Visit”, pelo contrário, é mais comercial. Haverá uma tentativa de fazer chegar a sua música a um número maior de consumidores?
R. – O conceito de “comercial” é muito subjectivo. Admito que algumas pessoas possam ver no meu último álbum uma abordagem mais comercial. Do meu ponto de vista nunca houve a intenção de alargar a todo o custo o leque de apreciadores da minha música e de fazer aumentar o número de vendas dos discos. Não é isso que me inspira. O que me move é apenas o interesse e a curiosidade, e, como referi antes, a vontade de explorar e misturar ingredientes musicais dispersos. Gostava que a minha música chamasse a a atenção do público para a música tradicional, mas não me considero uma especialista do género. Acho mais interessante misturar o som de uma guitarra eléctrica com uma harpa, um violoncelo ou uma “tampura”.
P. – Em que termos funciona a distribuição da sua própria editora, a “Quinlan Records”, pela Warner Bros.?
R. – A associação com a Warner prende-se com a aceitação que os meus anteriores trabalhos tiveram no Canadá. Tive anteriormente outros contactos com pequenas distribuidoras como por exemplo uma ligada ao “Vancover Folk Festival” mas acabou por se tornar evidente, pelo número crescente de pedidos dos meus discos, que o sistema de distribuição pelo correio, a partir do meu escritório, em Stratford, não era suficiente, embora até à altura isso significasse para mim uma “boa vida”, sem grandes problemas empresariais. Acabei por optar pela Warner que manifestou um interesse genuíno pela minha música e que, ao mesmo tempo, me proporcionou uma liberdade total em termos criativos.
P. – Que músicos trará consigo no concerto em Portugal?
R. – Serei acompanhada por cinco músicos, entre os quais Brian Hughes, um guitarrista que também toca “sitar”, “tampura” e “balalaika”, a violoncelista / teclista Anne Bourne, o violinista Hugh Marsh, o percussionista Richard Lazar e um baixista. Quanto a mim tocarei harpa e piano, para além de cantar.

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