Berrogüetto, Llangres, Barahúnda + Vários – “Folk E Um Rio De Várias Cores” (festivais / concertos / artigo de opinião)

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terça-feira, 8 Julho 2003


FOLK E UM RIO DE VÁRIAS CORES

Berrogüetto e Llangres trouxeram ao II Intercéltico de Vizela o melhor da música do Norte celta de Espanha, num festival ainda à procura de personalidade própria.




Os Barahúnda mostraram alguns bons instrumentistas, mas também que precisam de fazer muito trabalho de casa

Vizela teve no passado fim-de-semana a segunda edição do seu festival Intercéltico. Dois dias de música céltica, ou nem tanto, que atraíram à Praça da República – com o palco instalado diante da fonte onde, reza a lenda, “quem se banhar nela mais cedo ou mais arde irá viver para Vizela” – um público verdadeiramente interessado em ouvir música folk, passantes e curiosos e uma mão cheia de crianças de tenra idade (todas, certamente, com insónias, dado nunca terem dado mostras de cansaço) que acompanharam a música proveniente das bandas em palco com danças, folguedos e gritaria constantes.
Sexta-feira, dia de abertura, teve início com os portugueses Ódagaita cuja música está atrasada uns vinte anos. O som dos Trovante imperou numa atuação que foi buscar temas de José Afonso e arranjos que, dada a evolução que a MPP tem conhecido nos últimos anos, já não fazem muito sentido. Uma banda a necessitar urgentemente de se atualizar.
Depois de um intervalo preenchido por uma atuação, entre o público, do trio tradicional da região de Miranda do Douro, Lenga-Lenga, liderado pelo gaiteiro Henrique Fernandes, chegaram os Barahúnda, de Madrid, com música do seu álbum de estreia, “Al Sol de la Hierba”. Uma cantora excelente, Helena de Alfonso, de voz e presença corporal plenos de sensualidade, estilo cigana “sexy”, e o colorido proporcionado pela sanfona de Jota Martinez e pelo clarinete de Dário Palomo não fizeram esquecer um percussionista quadrado e a necessidade de muito trabalho de casa.
À noite, no apregoado “bosque dos druidas”, em esplanada improvisada, as gaitas-de-foles fizeram-se ouvir ao desafio. A rusticidade e genuinidade do modelo transmontano “contra” a sofisticação dos protótipos galegos.
Sábado nasceu cheio de sol e de promessas de melhor música. Almoço no Maquias, onde se come assim-assim. Fica num local paradisíaco, na margem do Vizela. Cenário verdejante. Porém, quando nos debruçamos sobre o rio, é o choque. A incredulidade. A vergonha. As águas, correndo cheias de energia por entre o granito e as ervas, são… cor-de-rosa, lilás, roxas, numa gama de tonalidades dignas de um pintor paisagista psicadélico, ou louco. Noutros dias, contam-nos, são amarelas, azuis, de todas as cores menos a natural. Alguns quilómetros acima uma tinturaria despeja há mais de uma década as suas tintas para o leito do rio, poluindo-o sem que alguém consiga inverter a situação. Portugal no seu pior.
De noite, porém, todos os gatos são pardos e, na Praça da República, a música ultrapassou as expetativas, depois de, durante a tarde, a Banda de Gaitas e Danças dos Amigos do Mosteiro de Melon (sextos classificados da Terceira Divisão no concurso de bandas de gaitas do ano passado; na Galiza não se brinca com estas coisas…), formada por elementos muito jovens, ter animado o jardim da praça, com o aprumo de uma coreografia espartana e os mimos dos familiares que vieram em peso apoiá-los. Já sem farda, pareciam alunos de uma escola, de mãos dadas aos pais, e a comer gelados.
A grande música folk chegou finalmente com os Llangres, das Astúrias. Na folk, a atitude é um trunfo e a banda, que recentemente editou o álbum “Stura”, esbanjou o entusiasmo característico das melhores formações irlandesas. Instrumentistas de alto nível, tocaram, precisamente, “à irlandesa”, em toada de “jigs”, com rigor, musicalidade e bom gosto inultrapassáveis. Borja Baragaño deu “show” na gaita asturiana, enquanto no tom mais introspetivo das baladas se destacou a harpa céltica de Yago Prada. O público fez roda e dançou, conseguindo, inclusive, abafar a gritaria da criançada.
Era difícil aos Berrogüetto fazer melhor. Foram diferentes. Atualmente já integrados no grupo restrito dos grupos galegos com projeção na Europa, praticam uma música abrangente que procura agradar a todos os gostos. Temas mais comerciais e cantaroláveis alternaram com instrumentais de extrema complexidade (depois da “irlandização”, a folk galega parece estar a ser afetada pela “balcanização”…) que puseram em relevo as capacidades de Anxo Pintos, “virtuose” em todos os instrumentos que toca: sanfona, gaita-de-foles, flauta de bisel, saxofone soprano… Uma “jota” de sabor medieval destacou-se como o momento mágico da noite, com Anxo Pintos, na sanfona, a evocar os antigos trovadores.
A noite não terminaria na nota de profissionalismo dos Berrogëtto, mas, antes, com o que a folk tem de mais verdadeiro e espontâneo, numa sessão dos Llangres num “pub” de Braga, para onde a comitiva do festival seguiu. Aí, entre as conversas distraídas ou a concentração dos aficionados, a música deslizou como a cerveja Guiness nas gargantas ressequidas – água da vida, fonte de alegria. Borja Baragaño, então, “abusou”, entregando-se a um inacreditável solo de gaita de quase meia hora, sem conseguir parar. No final, alguém lhe bateu nas costas, a tentar descobrir onde ficava a cavidade das pilhas…

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