Concertos – Cantigas Do Maio – 8ª Edição: Vasmalom, Tellu Virkkala, Purna das Baul & Bapi, Bisserov Sisters e Kocani Orkestar

POP ROCK

28 Maio 1997

EVA E A LOBA DAS ESTEPES

A oitava edição do festival Cantigas do Maio termina este fim de semana no Seixal. Em grande, depois de ter arrancado, a semana passada, com um programa dedicado às músicas de expressão latinas. Mas os cabeças de cartaz chegam agora: Vasmalom, Tellu Virkkala, Purna das Baul & Bapi, Bisserov Sisters e Kocani Orkestar.


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Conquista pergaminhos, ano após ano, este festival que se realiza no Seixal, entre o Intercéltico do Porto e os Encontros, em memória a José Afonso. Coisa importante: Sente-se que tem mística, um ar próprio para respirar além dos sons. A zona antiga, ribeirinha, da vila, presta-se a isso. É lugar convidativo. Mais uma razão para o convívio em pleno com as músicas do mundo.
Inicia-se o percurso com as Bisserov Sisters, da Bulgária, que actuam amanhã, às 22h, no Fórum Cultural do Seixal. Antes, às 17h, 18h e 19h, há teatro de fantoches de luva (manuseados por Raul Constante Pereira), pelo Teatro Dom Roberto, na Praça dos Mártires da Liberdade. Leve os seus filhos para se divertirem juntos.
Sexta-feira, não falte aos concertos dos Purna das Baul & Bapi, de Bengala, Índia, e dos Kocani Orkestar, orquestra de metais cigana, da Macedónia. Por detrás do edifício da antiga fábrica de cortiça, Mundet, às 22h. Pode fazer os preparativos durante a tarde. Às 19h e 21h o Grupo de Bombos Almacena desfila pela rua Paiva Coelho. Pelas 20h o Grupo de Cante Alentejano dos Mineiros de Aljustrel eleva as vozes no mesmo local, seguindo até à Praça da República.
A companhia do Teatro Dom Roberto regressa na tarde de sábado, às mesmas horas e no mesmo local da véspera. Ainda de tarde pode assistir à actuação da Banda Plástica de Barcelos (com os seus 22 músicos vestidos como se fossem as célebres figuras de barro da região), na Praça da República, pelas 18h30, e na rua Paiva Coelho, pelas 21h. 20h é a hora marcada para o Seixal estremecer com o Grupo de Bombos de Lavacolhos, o mesmo acontecendo uma hora e meia mais tarde. Para terminar em beleza, nada melhor como dirigir-se, depois do jantar, às 22h, até à antiga fábrica Mundnet, para ouvir alguma da melhor música de raiz tradicional que se faz actualmente na Europa, através de Tellu Vikkala, uma das antigas vocalistas do fenómeno Hedningarna, agora numa aventura partilhada com outras duas ex-vocalistas deste grupo sueco, Sanna Kurki-Suonio e Anita Lehtola, Anna – Kaisa Liedes e Liisa Matveinen. O festival fecha no sábado, pelas 22h, na fábrica Mundnet, com os húngaros Vasmalom. Entre os sons do “cymbalon”, de uma gaita-de-foles ou de um “hitgardon”, nunca mais esquecer a voz de Éva Molnár. A entrada é livre em todos os espectáculos, excepto o das Bisserov Sisters, sábado, no Fórum Cultural.
O festival tem também para oferecer as Manifestações Paralelas: A exposição de cerâmica “7 Pecados e 7 Virtudes”, de Júlia Ramalho, uma intervenção de teatro de rua por alunos da Escola José Afonso, com orientação da Art’Imagem, e uma oficina de construção de cabeçudos para crianças orientada por Sabino Pires e Alfredo Teixeira. Pode ainda dar um passeio de barco varino ou num bote de fragata pela baía do Seixal. A organização das Cantigas do Maio cabe à Associação José Afonso em conjunto com a Câmara Municipal do Seixal. Apresentado o programa geral, vamos aos pormenores.

Irmãs, fanfarras e menestréis

As Bisserov Sisters, como o seu nome indica, são irmãs. Lyubimka, Neda e Mitra Bisserov. Nasceram na vila montanhosa do Pirin, no Sudoeste da Bulgária, junto à fronteira com a Macedónia e a Grécia. É desta região a música que se pode ouvir nos seus álbuns “Music from the Pirin Mountains” (com distribuição nacional) ou na colectânea “The Hits of the Bisserov Sisters, vol. 1”, que estará à venda na banca do festival. Canções rituais – a duas vozes e com dois textos diferentes em simultâneo – constituem um dos elementos importantes da tradição do Pirin. Fazendo inicialmente parte de outras formações, as irmãs Bisserov restringiram, desde 1990, a sua actividade ao seu próprio trio. Ao vivo contam com uma formação instrumental que inclui a “gaida” (gaita-de-foles), “tambura” e “tapan” (tambores), “kaval” (flauta) e “gadulka” (violino). O timbre vocal búlgaro, com o seu vibrato característico, esse é inconfundível.
Ouvimos pela primeira vez os Purna das Baul, da região de Bengala, no nordeste indiano, junto ao Bangla Desh, através do álbum “Bauls of Bengal” (com distribuição nacional). O novo chama-se “Songs of Love & Ecstasy” (nas bancas do festival). São ambos magníficos. Não esperem “ragas”, nem incenso, nem ladainhas “aum”. A música dos “bauls” (menestréis nómadas) tem outra aproximação ao divino. Pelo canto e pela extroversão, num ritual celebratório que partilha com os ouvintes as suas canções de amor e êxtase. Os Purna das Baul, no Seixal acompanhados pelo músico convidado Bapi, pertencem a uma “gharana” (família) já com sete gerações de músicos, cada uma sempre sob a educação de um mestre.
Em Kocani, cidade da Macedónia, antigo território da ex-Jugoslávia, nasceu a Orkestar (fanfarra) fundada por Naat Veliov. Como todas as “orkestar”, criadas nos Balcãs no séc. XIX à imagem das orquestras militares turcas, a Kocani Orkestar é constituída por músicos ciganos, nómadas, com a sua leitura própria das tradições da Turquia, Albânia, Grécia e Bulgária. Aproveitando os vários estilos musicais destas regiões, mantendo viva a inspiração oriental do povo cigano, Naat Veliov confere à sua Orkestar um cunho de autenticidade, presente nas diversas combinações entre o trompete, saxofone, clarinete, tuba, acordeão, cornetim e tambor. Uma festa de metais, de cores aguerridas, que fazem jus à sua origem militar.
Tellu Virkalla é finlandesa mas começou por tocar violino num grupo sueco, os Hedningarna, entre 1990 e 1996. Estudou na Academia de Música Sibelius, como quase toda a gente, na Finlândia. Depois de uma passagem pela Noruega, para aperfeiçoar a sua técnica no violino, decidiu-se por uma carreira a solo. Ou quase, já que, habitualmente, Tellu se faz acompanhar por Sanna Kurki-Suonio e Anita Lehtola, as duas também ex-Hedningarna, além de Anna – Kaisa Liedes, professora de canto na Academia Sibelius (é favor ouvirem o seu álbum a solo “Oi Miksi”) e Liisa Matveinen, vocalista dos Tallari, Niekku e Etnopojat (é favor ouvirem o seu álbum a solo, “Ottilia”). No álbum de estreia de Tellu Virkkala, “Suden Aika”, “O tempo do lobo”, (nas bancas do festival), não participam Anita Lehtola e Anna – Kaisa Liedes, ocupando o seu lugar Tina Johansson e Pia Rask. “Suden Aika” é um álbum de polifonias e solos vocais arrevesados (por vezes com acompanhamento de percussões, que tanto podem ser um “bodhran” irlandês como um “ghatam” indiano ou um berimbau), estranho, agreste e misterioso. Como um lobo. Ou uma loba, Tellu, a voz iniciática das estepes.
Louvores e vénias aos Vasmalom, uma das formações de música de raiz tradicional da Hungria que mais longe e de forma mais divertida tem levado a tradição deste país para regiões insuspeitadas. Da música dos Vasmalom desprende-se a mesma sensação de liberdade do jazz. Álbuns como “Vasmalom II” (distribuição nacional) e “Vasmalom III” (na banca) caracterizam-se por uma síntese interiorizada de influências sortidas, do “jazz” aos “blues”, do rock à balada e ao pormenor humorista. Sempre com uma fluência que dispensa os formalismos de escola e faz parecer esta música como pertencendo a uma Hungria imaginária e sem fronteiras. Sob a liderança de Gábor Reӧthy, os Vasmalom contam na sua formação com uma cantora que ombreia com Márta Sebestyén no grupo das melhores: Éva Molnár. A instrumentação do sexteto, com formação clássica, inclui as cores da “darabuka”, “tapan”, “zurna” (flauta), “hitgardon” (parecido com um grande violino tosco, de cordas percutidas, construído em tronco de árvore), gaita-de-foles, violino, saxofone, harmónica, contrabaixo e o indispensável “cymbalon” (variante magiar do saltério). Éva acrescenta o pecado e a magia. É ela que dará a trincar o maior gomo da maçã do prazer, no que será, certamente, um dos momentos mais altos do festival.



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