Shannon Wright – “****Flightsafety”

Sons

18 de Junho 1999
DISCOS – POP-ROCK

Voo nocturno

Shannon Wright
****Flightsafety (8)
Quarterstick, distri. MVM


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Desconhecida entre nós, Shannon Wright estreia-se no mercado português com um álbum, a vários níveis, notável. Impressiona, de imediato, no tema de abertura de “****Flightsafety”, “Floor pile”, as semelhanças com o despojamento e a catarse emocional de Kristin Hersh. A mesma voz de criança perdida num pesadelo, a mesma guitarra acústica obcecada por uma cadência minimalista levam-nos num voo nocturno e agitado pela turbulência. No tema seguinte, “All these things”, a voz e o tom emocional aproximam-se da zona iluminada entre a fogueira de Suzanne Vega e o sorriso desagasalhado de Hersh, numa valsa de espectros dançando sobre a cauda de um piano disforme.
Há profundidade e densidade nas canções através das quais Shannon Wright vai revelando o seu mundo interior. “Rich hum of air” propõe o catecismo do progressivo para o ano 2000 – através dos lugares esquecidos onde deambulam os Genesis de “Nursery Cryme”. A guitarra, o órgão de enfermaria, o rufo dos tambores recordam Alice e o jogo de críquete com cabeças humanas. O carrossel funciona no território do puro surrealismo, ao som de um órgão de feira, na introdução de “You´re the cup”, onde a voz de Shannon Wright demonstra todas as suas potencialidades na arte da flutuação de registos e entoações. No ventre de um túnel habitado pelas criaturas das trevas.
“Twilight hall” passa pelo filtro de um piano a ressoar numa caixa de medo e “Captain of the quarantine” atrai o mesmo tipo de aves de rapina e a palidez vocal de Stina Nordenstam. E que raio fazem os Pink Floyd no meio de “Holland”? Ou a guitarra de Gordon Giltrap em “Hobos on parade”, o sonho mágico de todos os vagabundos. Outra valsa, “Yard grass” é absolutamente irresistível, antes de uma rajada de pseudoflamenco em fúria a pôr a ferro e fogo. “****Flightsafety” termina numa nota de classicismo, com o cunho de interiorização que Peter Hammill imprime ao seu teatro psíquico.
Mas quem é esta cantora que, de um só golpe, se veio juntar ao grupo das compositoras-intérpretes eleitas a que pertencem, além de Vega e Hersh, Liz Phair, Lisa Germano e P. J. Harvey? Depois de uma passagem pelo grupo Crowsdell, da edição, por conta própria, de uma série de singles, da aventura de uma digressão solitária e da troca de Nova Iorque por uma cidade esquecida do Sul, Shannon fechou-se num pequeno estúdio no Alabama, onde, com o recurso a um gravador de quatro pistas e a um arsenal de instrumentos tocados por ela própria, gravou, arranjou e misturou a colecção de temas que compõem “****Flightsafety”. Um álbum que cresce a cada audição, com as participações de Joey Burns, dos Calexico, e Sibal Firat e Eric Bachaman, dos Archers of Loaf.



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