Jorge Palma – Jorge Palma

02.07.2001
Jorge Palma
Jorge Palma
Ed. E distri. EMI-VC
9/10
O Rugido Do Leão, O Choro Do Palhaço

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Vamos lá agarrar nele e pô-lo de pé. Não, não o sexo, mas Jorge Palma. Compostura é o que se exige ao cidadão… Ao músico, a esse, louvemos-lhe os excessos e entreguemos-lhe a palma, quando os resultados têm a magnificência deste “Jorge Palma”, que põe fim a um longo período de abstinência discográfica, interrompida esporadicamente por aparições ao vivo nas quais o peso da boémia tanto podia descambar no descalabro como fazer brotar a luz mais viva de uma alma que arde no fogo do álcool, do céu e do inferno. Ao “slogan” “É proibido fumar” impresso em letras gordas na capa responde o músico com o desprezo de quem acende mais um cigarro e decide os caminhos da sua vida.
São 12 canções. Algumas delas no limiar da perfeição. Depois da abertura, com “Dormia tão sossegada”, feito a pensar nas rádios, Z. Z. Top À portuguesa, sem barba, “Tempo dos assassinos” corta a direito e fundo como uma faca. Os “blues”, o sangue, o grito, a alucinação de lucidez. “Vivemos no tempo dos assassinos/ Tempo de todos os hinos/ Ouvimos dobrar os sinos/ Quem mais jura é quem mais mente/ Vou arquitectar destinos/ sou praticamente demente”. Segue-se uma de social, “Sete (está-se tudo a passar)”. Abrasileirado na forma. Dorido por dentro. A partir de aqui “Jorge Palma” mergulha no oceano da noite, no lirismo mais pungente, nas melodias e emoções de um mundo interior sem fronteiras, terno e selvagem. “Quem és tu de novo?” é um clássico, o piano desolado, a vocalização à deriva no destino de um tempo que passa e não volta, canção de amor, enfim, entram num registo equivalente a “Over”, de Peter Hammill. Existe, aliás, um paralelismo notável entre Jorge Palma e este músico inglês, fundador dos Van Der Graaf Generator, que vem de longe. Como se ambos seguissem caminho idêntico, em direcção a um desconhecido comum. “Olhos de Catarina”, outra canção notável, acentua a semelhança. Nos arranjos de piano, nas deambulações da voz, na própria temática e arrumação poética e na construção das melodias. Perturbante. Uma das sequências de “Duas Amigas” praticamente decalca Hammill e o final de violinos (pelos Corvos) toca de perto “The Quiet Zone/The Pleasure Dome”, dos VDGG. E, no entanto, estas como todas as outras canções de “Jorge Palma”, são pertença exclusiva do seu autor. Se o termo “irmão espiritual” faz algum sentido então este aplica-se melhor do que a ninguém a Jorge Palma e a Peter Hammill. “Espécie de Vampiro” é outro dos picos de “Jorge Palma”. “Eu sou muito mais que velho/E intimido qualquer espelho/Sou o amigo mais funesto da poesia”. Fritz Lang, no gume da faca que de novo se afia. E guitarras eléctricas incandescentes (de Flak e Zé Pedro) que aos poucos se diluem numa poça de sangue. Esta sequência de quatro temas bastaria para justificar o regresso de Palma aos estúdios.
Os Beatles, de “Norwegian wood” a “”Mother nature’s son”, vivem obliquamente em “Beijos e papas de leite”, veia pop que em “Disse fêmea” – com texto de Arnold Wesker, traduzido por Maria Velho da Costa – é ferida pelos relâmpagos do saxofone “free” de Paulo Curado, em mais uma balada palmahammilliana. “Sonhadores inaptos” cria o ambiente de cabaré, prolongado no autobiográfico “Do pobre b.b.”, de Bertolt Brecht que, quase sem nos darmos conta, se conclui no em “Trapézio”, no horizonte errante de um circo, “entre o rugir de um leão e o choro de um palhaço”. O rugido e o choro. O leão e o palhaço. Jorge Palma viaja entre ambos e é nesta dialéctica entre nobreza e ridículo que a sua personalidade musical se estrutura. Como um sempre-em-pá.

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