Arquivo de etiquetas: III Encontros Musicais Da Tradição Europeia

Elenna Ledda + Muxicas + Capercaillie – “III Encontros Musicais Da Tradição Europeia Prosseguem Em Algés – Sardenha Na Brasa” (concertos / world)

Cultura >> Sexta-Feira, 17.07.1992


III Encontros Musicais Da Tradição Europeia Prosseguem Em Algés
Sardenha Na Brasa



MELHORARAM as condições atmosféricas nos III Encontros Musicais da Tradição Europeia. Mesmo assim choveu, terça-feira à noite, no Parque dos Anjos, em Algés. O único cataclismo ocorreu com o som, que praticamente destruiu a actuação dos Muxicas. Só na quarta-feira os amantes de música folk tiveram direito a um clima favorável. Sem inundações, furacões, terramotos e “feedbacks”.
Elenna Ledda veio da Sardenha e apresentou até agora a melhor música do festival. Senhora de uma voz e de uma presença em palco portentosas, Elenna vibrou no ar liturgias de fogo, em espiral, a solo ou em polifonias vocais acompanhada pelos restantes músicos da banda Suonofficina. Ronda pelo lado de dentro do sol, das sombras e das transparências mediterrânicas. Da Sardenha, cuja música evoca a da Turquia e da Grécia. A África abrasiva. E o mar. Na dança e no êxtase que permitem conversar igualmente com os deuses e os demónios. Como uma dervixe. Elena Ledda, os Suonofficina e a sua cerimónia mágica venceram os elementos. A Natureza vingar-se-ia a seguir, servindo-se das manápulas de um “técnico de som” com a sensibilidade de um tijolo.
As sete pessoas, três “gaitas”, uma sanfona, quatro pandeiretas, mais flautas, adufes, bombos e tambores variados dos galegos Muxicas foram suficientes para descontrolar o homem da técnica que ora subia, descia ou distorcia o som, de forma aleatória, segundo o esquema “vamos lá rodar este botão para ver o que é que dá”. Deu bota. Os Muxicas sentiram que estavam a tocar sobre o arame e até a energia (evidente em álbuns como “Desafinaturum” ou o novo “Escoitando Medrala Herba”) com que disfarçam certas limitações como executantes, se foi aos poucos dispersando. Do naufrágio, patente sobretudo na estridência da voz e nas fífias dadas na sanfona por Maria Xosé, salvaram-se as erupções das percussões, a toada irresistível das “gaitas” em uníssono e as intervenções do castiço Manolo Rin-Rin. Entre “passacorredoiras”, “pandeiretadas” e “muineiras” que nunca chegaram a entusiasmar.
Quarta-feira foi preenchida pela actuação dos Capercaillie, banda escocesa que hoje faz o que antes fizeram os Fairport Convention e Steeleye Span em Inglaterra, ou os Five Hand Reel na Irlanda: juntar os sons tradicionais a uma batida Rock. No seu campo, e passada a ortodoxia dos primeiros álbuns, os Capercaillie são imbatíveis. A electricidade do baixo e da guitarra casam bem com a voz de Karen Matheson, entre as baladas em gaélico que muito em breve levarão a banda até à companhia dos Clannad, e instrumentais endiabrados que revelaram três fora de série: Donald Shaw, no acordeão, Marc Duff, no “tin whistle” e Charlie McKerron, no violino. Os Capercaillie bem tentaram pôr toda agente a dançar, com apelos de “go crazy!” enquanto espicaçavam: “the portuguese are a very lively people”. É verdade, somos livelinos e vivaços. Não gostamos é de ser mandados. Claro está que ninguém moveu um pé. Na véspera um velhote dançou com um cão. No dia seguinte o canino deu-lhe tampa.
Fica a sugestão final para que os Encontros do próximo ano sejam com entradas pagas. Para evitar a presença de alguns indesejáveis como aquele grupo de jovens que deu gritos, “acompanhou” à guitarra os músicos e incomodou toda agente. Nada contra os jovens, antes pelo contrário. Bastava amordaça-los e arrancar-lhes as guitarras. Amanhã os Encontros fecham as portas em Algés. Com Amélia Muge e Jean Marie Carlotti, da Occitânia. Depois é ir até Évora, Guarda ou Guimarães, para ouvir Ad Vielle Que Pourra, Musica Nostra, La Musgana, Raízes e Vasmalom.

Liam O’Flynn + Donnal Lunny + Nollaigh Casey + Neal Martin + “III Encontros Musicais Da Tradição Europeia Abrem A Frio E Tudo O Vento Levou” (festivais / concertos)

Cultura >> Segunda-Feira, 13.07.1992


III Encontros Musicais Da Tradição Europeia Abrem A Frio
E Tudo O Vento Levou


Com o som mais lato e menos vento do que esteve na sexta-feira à noite, o Parque dos Anjos, em Algés, é um bom local para se ouvir música folk. De outro modo custa um bocado. A actuação do irlandês Liam O’Flynn, exímio tocador de “uillean pipes”, e dos seus companheiros Donnal Lunny, Nollaigh Casey e Neal Martin, que abriram os III Encontros Musicais da Tradição Europeia, ressentiu-se da forte ventania que se fez sentir. Quando seria de esperar uma noite esfuziante de “reels”, “jigs” e outras cadências populares irlandesas de puxar ao pé, aconteceu, em vez disso, uma prestação morna que nunca chegou a aquecer as muitas pessoas que se deslocaram ao local desejosas talvez de reviver ao vivo o fantasma dos Planxty.
Além dos elementos, também a amplificação, pouco potente, não ajudou. A cinco metros dos músicos, dispostos sob uma árvore iluminada, ao fundo do pequeno anfiteatro do parque, ainda se ouvia qualquer coisa, por entre as rajadas de vento. Cá mais para trás, só a intempérie e uns sons fracos vindos de longe, a uns 20 metros de distãncia. A dez centímetros, deve ter sido fabuloso.
Liam O’Flynn, o lendário gaiteiro dos Planxty, lá foi apresentando os temas, entre o “show” das “pipes” que ele maneja tão à vontade como se de um copo do bom velho (12 anos já não está mal) “Jameson” “whisky” se tratasse, mas via-se que também ele tremia de frio. Sobressaíram as cadências mais lentas, aquelas em que era possível distinguir com maior nitidez o som dos instrumentos, um “air” interpretado a solo no violoncelo por Neal Martin e as intervenções de Liam O’Flynn no “tin whistle”, no meio de uma versão, que não fez esquecer a dos Chieftains, de “Tabhair dom do lámh” e “Music for a found harmónium”, dos Penguin Café Orchestra, que decididamente está muito “in” entre os grupos de música tradicional.
Donnal Lunny (militou nos Planxty, passou pelos Bothy Band e acabou na produção, com destaque para a colectânea “Bringing it all back home”), na guitarra, “bouzouki” e teclados, Neal Martin, no violoncelo e Nolaigh Casey (a rapariga que debutou nos Oisin), no violino, mostraram o que valem nos respectivos instrumentos. Mostraram, é como quem diz, sugeriram, nos momentos em que a audição se tornava em puro exercício de adivinhação. Mas valeu a pena, até porque a sua reputação não é pequena.
Os concertos prosseguem no mesmo local, amanhã, com Elena Ledda & Suonofficina, da Sardenha, e Muxicas, da Galiza e quarta-feira, com os escoceses Capercaillie. Na sexta, actuam Amélia Muge e o trovador da Occitânia Jean Marie Carlotti. Depois, pelo mês fora até à primeira semana de Agosto, os Encontros repartem-se por Évora, Guarda e Guimarães. Que S. Pedro esteja com eles é o que se deseja – um Verão tradicional.