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Heróis do Mar – Levantai Hoje De Novo O Esplendor De Portugal

Pop Rock

8 JULHO 1992

LEVANTAI HOJE DE NOVO O ESPLENDOR DE PORTUGAL

Cerraram fileiras à volta de um sonho. Defendiam e defendem a ideia – e o acto – de um Portugal maior que se confunda com o mundo inteiro. Os três, no tempo e fora dele, foram, cada um à sua maneira, heróis do mar. Paulo Borges, Miguel Esteves Cardoso e António Emiliano recordam os tempos da conspiração. Saudade do Futuro.

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Qual a importância que tiveram os Heróis do Mar, enquanto ideia e enquanto grupo musical, na música popular portuguesa? Que mania era essa de transformar a tradição em revolução? Que mensagens se escondiam em canções como “Saudade”, “Amor” e “Paixão”? Paulo Borges, filósofo, poeta e professor, Miguel Esteves Cardoso, cronista e director-adjunto do semanário “O Independente”, e António Emiliano, músico, são unânimes: Os Heróis foram percursores de qualquer coisa de grande e de novo na música portuguesa. O mar, esse continua expectante e por navegar. Com uma ilha a centro onde Portugal inteiro há-de aportar.

Pop à portuguesa

Enquanto banda pop, para António Emiliano, autor de “Gavoreth” e de várias bandas sonoras, actualmente envolvido na composição de música ambiental, “os Heróis do Mar surgiram num momento-chave da música e da cultura portuguesa”, numa altura em que “na pop pontificava uma deslumbrada e mal digerida subserviência a modelos anglo-saxónicos”.
“Deram expressão, com uma estética moderna, dirigida às gerações mais novas, ao espírito épico-cavaleiresco e lírico da portugalidade, numa altura, em 1981, em que invocar os valores da nossa tradição cultural era arriscar, como aconteceu, a ser-se confundido com um nacionalismo reaccionário” – corrobora Paulo Borges, cujo último livro de poesia, “Ronda da Folia Adamantina”, acaba de ser publicado e para quem “os Heróis do Mar foram uma lufada de ar fresco, precursora não só do mais superficial estar na moda mas também da redescoberta do Portugal profundo que em muitos domínios culturais desde então se vem procurando”. Miguel Esteves Cardoso faz a síntese numa “história instantânea”: “Os Heróis do Mar não podiam ter tido importância. Juntaram a música portuguesa à música pop e a Portugal”, algo que, na opinião do autor de “A Causa das Coisas”, nunca tinha sido feito. Nem ao mesmo tempo nem com tanto talento”.

Cúmplices

Como aconteceu o envolvimento de cada um deles com o projecto? Uma questão de amizade. Ou de ideologia. Talvez por simpatia. “O Pedro Ayres é, cada vez mais, um grande amigo meu” – assegura o director da “K” – “conheci-o como fã dos Heróis do Mar. mais tarde tornei-me colega, sócio e correligionário”. Mais activo foi o papel desempenhado por Paulo Borges na génese dos Heróis do Mar. A sua amizade com Pedro Ayres e Paulo Gonçalves remonta a 1978, quando eram “cúmplices num projecto de desinquietação geral e antitudo que teve expressão musical na banda de rock’n’roll punk Faíscas, e expressão literária no fanzine “Estado de Sítio”. Impulsionados pela “energia niilista da descida aos infernos”, a mesma que animava a banda “Minas & Armadilhas”, de que Paulo Borges fez parte antes de leccionar Filosofia em Portugal na Universidade Clássica de Lisboa, e da “visão iniciática do que é eterno”. Visão que o levou, juntamente com Pedro Ayres, a conceber um grupo musical “que exprimisse o sonho português de infinito e de universalidade, fundindo o rock’n’roll com sonoridades mais arcaicas e assumindo os espectáculos como celebrações mágico-rituais”.
Paulo Borges escreveu com Pedro Ayres, parte das letras para as primeiras canções dos Heróis do Mar, letras que, “na sua pureza e radicalidade, viriam a ser contestadas pelos restantes músicos”. Ficou a cumplicidade com o Pedro, na aspiração comum a um Portugal e a um mundo mais autênticos”, e alguns versos do tema “Amantes furiosos”.
Já com António Emiliano, em período de pausa após a composição de música para os bailados “Treze Gestos de um Corpo” e “Cavaleiros da Noite”, de Olga Roriz, o filme “Ao Fim da Noite”, de Joaquim Leitão, e a ópera “Amor de Perdição”, a aproximação aos Heróis do Mar processou-se pelo lado das ideias, numa “relação de cumplicidade táctica e tácita, de partilha muda de valores, a que não foi alheio o surgimento do ‘AXO’ e da ‘Liga do Encoberto’.”

Novos descobridores

Consumada a queda e “a total descaracterização” da banda, provocada, segundo Paulo Borges, pela “cedência aos gostos do grande público e às exigência do mercado discográfico, patente sobretudo depois dos dois primeiros álbuns [“Heróis do Mar”, “Mãe”]”, resta procurar os novos heróis, continuadores da saga, prosseguida em novos mares.
Não tem dúvidas António Emiliano: “a música portuguesa tem ainda que dobrar o seu Cabo das Tormentas e inventar os seus heróis – os que, pela música, se integram numa cadeia ininterrupta de seres que garantam a sobrevivência de Portugal, apesar do advento de catástrofes modernas como o constitucionalismo, o parlamentarismo, a república, a democracia e a CE”. É que há uma estirpe de “homens e mulheres que lutam, sobrevivem e até morrem para que Portugal não pereça (…) o “Plus Ultra” perene e permanente que faz de Portugal uma nação virada para fora de si própria. Uma nação espiritualmente imperial”. Bom, mas como tal não deve ser possível para já, fiquemo-nos com os Madredeus e a Sétima Legião, “excepções” musicais num “deserto total”.
Miguel Esteves Cardoso é um tradicionalista ferrenho: “Os novos Heróis do Mar são os antigos, seja o génio de Pedro Ayres Magalhães, actualmente incorporado nos grupos Madredeus e Resistência, sejam Paulo Pedro Gonçalves e Rui Cunha no grupo LX-90, seja Carlos Maria Trindade no grupo Polygram”
Acaba-se a filosofar com Paulo Borges, que, citando Pessoa, defende que heróis do mar é “todo aquele que, ‘bem alto e bem no auge, na barra do Tejo, de costas voltadas para a Europa, braços erguidos, fitando o Atlântico e saudando… (o Infinito)’, saiba dizer com o poeta: “Merda.” E o orgulho: “Eu, da raça dos descobridores, desprezo que seja menos que descobrir um Novo Mundo.” Apesar de ser preciso, avisa Paulo Borges, nessa descoberta, esquecer o “eu” e a “raça”. Heróis, são-no “porque possuídos pelo ‘eros’, de modo a eternamente bailar com as ninfas na Ilha dos Amores, libertos de todos os Adamastores e mares da ilusão de haver finito.” Com tamanha responsabilidade sobre os ombros, não admira que a banda acabasse. Que fazer então? O melhor é seguir o exemplo de Miguel Esteves Cardoso e voltar a ouvir os discos dos Heróis do Mar.

discografia



Brava Dança Dos Heróis

09.02.2001
Compilação
Os Heróis do Mar deram um novo rosto à música portuguesa e tornaram-se um mito.

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Brava Dança Dos Heróis
“Paixão – O Melhor Dos Heróis Do Mar” traz de novo à baila o nome de uma das melhores e mais importantes bandas de sempre da pop nacional. Com as lacunas inerentes ao facto da colectânea apenas contemplar o material gravado pelo grupo entre 1981 e 1985 para a Polygram, deixando de fora o álbum “Macau”, mas devolvendo intactas as características que ainda hoje são sinónimo de desafio e originalidade.
Na época em que o grupo de Pedro Ayres Magalhães, Rui Pregal da Cunha, António José de Almeida e Carlos Maria Trindade, surgiu, escassos oito anos decorridos sobre a revolução de Abril, houve quem lhes chamasse “fascistas” por agitarem bandeiras com a Cruz de Cristo e cantarem canções como “brava Dança dos Heróis”. Então, como hoje, era difícil ser-se português para além das conveniências “progressistas” e propagar uma noção mais profunda da história de Portugal, com base nos mitos e numa tradição de séculos. Mas os Heróis do Mar, mais do que ideólogos, foram um dos primeiros grupos a trazer para a música portuguesa um conceito estético que passava pelo espectáculo, a moda, a poesia e uma música que, passados mais de 20 anos, continua a soar moderna.
Pedro Ayres de Magalhães, letrista, mentor e baixista da formação original, recordou para o Público algumas das peripécias e conceitos inerentes a essa aventura.

On The Road
“Levávamos uma vida de rockers, de aventureiros. Nunca tive férias nos últimos 18 anos. Ser rocker é escrever canções, viajar com elas. Escrever na estrada, colher impressões dos lugares e das pessoas, abrir-se às circunstâncias. Era o ‘on the road’ Kerouakiano…”

Ideia da Década
“Embora tivéssemos sido considerados uma das dez melhores bandas da Europa, pela “The Face” e pela “Rock & Folk”, e a “Actuel” nos tivesse considerado uma das cem melhores ideias da década, por cá nunca tivemos dinheiro ou apoio, nem para a casa, nem para o carro. Nem para nada…”

O Que É Que Se Podia Fazer?
“Os Heróis do Mar, além da música, construíram uma imagem. Mas as massas não perceberam o seu significado. Nos anos 80 não existia uma cultura do vídeo, do filme rock, as pessoas iam aos nossos concertos e não sabiam o que haviam de fazer. Havia apenas uma minoria que dançava”.

Celebração
“Sentíamos a necessidade de dotar o país de um reportório. De o conhecer, de falar dele, de ter uma opinião sobre o que era melhor para Portugal. Encontrámos uma forma original de celebrar a Nação”.

Amor Sem Retribuição
“É preciso não esquecer que, além do “Amor”, um êxito na rádio sem precedentes na música portuguesa de então, e vendeu cerca de 50 mil exemplares, os nossos discos acabavam por soar um bocado complexos. Não estou a falar de vanguardismos, mas de serem demasiado densos – informação a mais para aquilo que era frequente aceitar-se num disco de música popular em Portugal. Éramos um grupo elitista. Não nos podíamos comparar às vendas do Rui Veloso ou dos Trovante.”

Aprender Com A Faena
“Toda a gente que faz música em Portugal teria muito a inspirar-se no que a gente fez, tínhamos muitas soluções a nível das influências musicais, da construção, das orquestrações, até das próprias soluções técnicas de gravação. Também da estruturação do discurso cantado e das palavras que foram escolhidas para a grande Faena dos Heróis do Mar. Foi a nossa liberdade que permitiu a grupos como os Delfins, Pólo Norte ou Santos e Pecadores, conseguirem imaginar-se como tal, como autores de música em Portugal”.

Estação de Serviço
“Havia ministérios dentro do grupo. O Rui Cunha era o cérebro da imagem. Ele e o Paulo eram os cérebros da roupa e da animação ‘anglo-americana’. O Tó-Zé, com a experiência que trazia dos Tantra, era um génio da organização de concertos num país onde não havia produção de concertos. O Carlos Maria era um génio da música, como ainda hoje é. Eu tinha a determinação, uma permanente disponibilidade, estava lá quando não estava mais ninguém. Eu talvez fosse apenas a personificação de um serviço aquela organização”.

O Crepúsculo dos Ícones
“Houve gente nalguns meios de comunicação apostada em confundir. Um movimento determinado a transformar os Heróis do Mar no ícone de um regresso da Direita, a associar-nos aos paraquedistas de Tancos, aos comandos do Jaime Neves e trinta por uma linha. Depois vim a saber onde é que isso foi combinado, porque foi efectivamente combinado, com votos a favor e votos contra. Durante pelo menos dois anos não conseguimos ir tocar a Sul de Setúbal, no Alentejo, porque éramos ‘fascistas’. Chamaram-nos fascistas, a putos sem protecção nenhuma que apenas queriam reclamar uma herança histórica, numa altura em que nem na palavra ‘pátria’ se podia falar. Lançavam-nos: ‘Querem é a herança do Salazar!’, quando o que pretendíamos era a criação de um showbiz civilizado. Fazíamos tudo como uma companhia de ciganos independente.”