Jah Wobble – Requiem

03.10.1997
Jah Wobble
Requiem (7)
30 Hertz, import. Symbiose

LINK (Anthology – I Could Habe Been A Contender)

Jah Wobble não pára de nos surpreender, desta feita pela positiva. “Requiem” demonstra que o peso-pesado do baixo afinal é capaz de fazer mais que calcetar música com o seu martelo-pilão de baixas frequências. A primeira parte desta composição, inspirada na audição da música de Oliver Messiaen, é uma sequência circular para Synclavier e orquestra, com um motivo recorrente de vaga inspiração celta. A segunda, em forma de cantata, reforça a nota de tristeza própria de um requiem, evocando a grandiosidade coral de um Carl Orff.
Na terceira, em andamento ainda mais lento, um oboé introduz uma orquestração e contornos “micahel nymanianos”, derivando depois para um “andante” de percussões sintéticas contra vozes semiorientais, sequenciadas numa rítmica típica dos Magma. “The Father” e “The Mother”, os dois restantes temas, completam este “Requiem”, numa nota de religiosidade mariana. “O pai” inclui uma divagação de órgão de igreja virtual, enquanto “a mãe”, variação moderna de uma “Cantiga de Santa Maria2 de Afonso X, torna mais real e dramático o som do órgão de igreja, numa manifestação eloquente de devoção à Virgem Maria. Temos assim um Jah Wobble cada vez mais devoto. Quem diria… Ele que até já fez parte dos Public Image, ao lado de John Lydon, vulgo Johnny Rotten…

Clau de Lluna – Obertura (conj.)

19.09.1997
Folk Espanha
Doa A Quem Doer
Enquanto por cá os discos importantes de grupos nacionais vão surgindo com intervalos de meses ou mesmo de anos, ao nosso lado, na vizinha Espanha, acontece o oposto. Músicos e editoras, animação e formação convergem num propósito comum. Os resultados estão à vista. Clau de Lluna, Luétiga, Clorofolk, Atlântica e Doa são exemplos da melhor folk que se está a fazer do outro lado da fronteira.

“Obertura” é o terceiro álbum dos catalães Clau de Lluna, sucedendo a “Cercle de Gal-la” e “Fica-Li Noia!”. Diga-se desde já que é o melhor ábum do grupo. Não podia ser mais auspiciosa a abertura desta “Obertura”, uma “suite” de dez minutos com este nome onde é manifesta a enorme evolução sofrida pelo grupo. Dividida em quatro movimentos, “Obertura” apresenta uma riqueza excepcional ao nível dos arranjos, sucedendo-se as surpresas: um solo inspirado de gaita-de-foles, “intermezzos” barrocos, cânticos religiosos, no fundo pondo em prática o principal propósito enunciado pelo grupo: “a procura de uma sonoridade folk actual e genuinamente catalã”. Os restantes 12 temas centram-se nas danças tradicionais, contradanças, valsas, “sardanas”, “jotas” e “passedobles” animados pela gaita-de-foles (“sac de gemecs”, estes catalães são loucos!…), sanfona, violino, acordeão, cordas dedilhadas e percussões. Há ainda polifonias (“Con no n’era”) e aproximações à música antiga (“Tocata i polca”) num baile para dançar até ao nascer do dia (Música Global, distri. MC – Mundo da Canção, 8).
Diz a lenda que em todos os sábados, quando a oite cai, as bruxas da Cantábria saem, voando, em forma de aves, a caminho de Cernéula…”
Deixem a racionalidade de fora, caso queiram aceder ao mundo de histórias contadas em voz baixa à lareira na estação dos frios e de danças de transmutação m´gica, nos rituais da Primavera, dos Luétiga. Canções montanhesas, as “tonadas campurrianas” típicas da região, instrumentais sdofisticados e vocalizações “a capella” são abordadas pelos seis elementos dos Luétiga, neste seu terceiro álbum, depois de “La Ultima Cajiga” e “Nel ‘El Vieju”, numa perspectiva de modernização que não trai a essência desta música profundamente enraizada na sua região natal, a Cantábria, a sul das Astúrias.
A instrumentação, como é regra neste género de grupos, é variada, incluindo a gaita-de-foles cantabro-asturiana, flauta e tamborim, pandeiretas, guitarras, violino, clarinete e acordeão. Tudo junto faz de “Cernéula” um álbum indispensável. Já agora, não liguem ao aviso, se pretendem bailar “a lo agarrau”, método considerado uma invenção do demónio, em que os jovens que dançavam deste modo “eram condenados irremediavelmente ao inferno” (Several, distri. MC – Mundo da Canção, 9).
Dois elementos dos Luétiga, Marcos Bárcena (guitarra, “whistle”, gaita-de-foles, “bodhran”, flauta e voz) e a, cremos que irlandesa, Kate Gass (violino, “whistle”, concertina, acordeão, pandeireta e voz), formaram o seu projecto pessoal, Atlântica, onde dão largas ao “pecado” da irlandização. Num álbum intitulado “Musica Celta Y De Otros Paises Del Atlantico”, pois claro, os “reels” são a pontapé e as vocalizações em inglês fazem sorrir. Há quem goste. Nós achamos que, apesar de tudo, lá mais para norte, na ilha, soa mais convincente. Mas gostos não se discutem, como se costuma dizer… Condescenderam num tradicional da Galiza, noutro da Escócia, noutro de França, noutro ainda do Quebeque. O resto é tudo Irlanda e, para falar com franqueza, um pouco aborrecido e “celtichique” em demasia… (Several, distri. MC – Mundo da Canção, 6)
Os Clorofolk, outro sexteto, no seu álbum de estreia, “Cambio de Agujas”, preocupam-se menos com os purismos regionalistas do que com uma abordagem renovada da música do mundo. Vão à Bretanha, à Roménia e, na vasta geografia espanhola, a Zamora e à Sanábria. E ao Oriente, que lêem de forma particular na sua “Luna de Oriente”. Rabi Abou-Khalil parou no centro do imenso planalto castelhano. E “El Monte de Venus” é tão inocente como a delicadeza das guitarras quer fazer crer? Progressivos (vestidos de Malicorne em “Ezperanzas Rotas”, pode lá ser, mas é um tema delicioso, o melhor, a par de “Apenas Brilla La Aurora”, uma oração de gait-de-foles…), criativos e sem preconceitos, aos Clorofolk faltará, para já, soltar alguma adrenalina. Ou será que o defeito é da produção? 8Saga, distri. MC – Mundo da Canção, 7.)
Resta darmos graças à reedição de “O Son da Estrela Escura”, dos Doa, um dos clássicos da música tradicional e antiga da Galiza, editado originalmente em 1979. Ainda um sexteto, os Doa recriavam então, com a sapiência de verdadeiros iniciados, as cantigas de Santa Maria, de Afonso X, as antiquíssimas “danças de espada”, com semelhamças melódicas e rítmicas com a música da Bretanha e da Provença, um romance francês do Caminho de Santiago, a “Carballesa” galega, a “Danza do Rosal”, a “Cabalgata de Ribadavia”, cantigas de amigo de Martín Codax e os célebres “Romance de dona ausenda” e “A Casadina infiel”. Em todos eles sobrleva ora uma simplicidade tocante, ora a grandeza arquitectónica de uma catedral. Para ouvir com devoção. Obrigatório. (Clave, distri. MC – Mundo da Canção, 10)

Annexus Quam – Osmose (conj.)

12.09.1997
Krautrock
Do Fundo Da Cornucópia
No seu “romance” pessoal sobre o “krautrock” dos anos 70, “Krautrocksampler”, Julian Cope passou ao largo de grande parte da produção discográfica dos grupos germâncios dessa época, cingindo-se aos nomes que fizeram história, dos Faust aos Amon Düül II, dos Kraftwerk aos Neu!, dos Popol Vuh aos Tangerine Dream. Mas essa história foi feita por muitos mais. Em Portugal está-se a desenterrar os tesouros esquecidos.

A viagem começa, precisamente, por uma das bandas referidas por Cope no seu livro, os Harmonia, confluência dos Cluster, de Dieter Moebius e Joachim Roedelius, com Michael Rother, dos Neu!, e pelo seu segundo álbum, “DeLuxe”, de 1975, que contou ainda com a participação do baterista dos Guru Guru Mani Neumeier. Obra fundamental do “krautrock”, mais acessível do que a estreia “Musik Von Harmonia”, nela a batida metronómica funciona como pista para o expresionismo electrónico de trio, bem ilustrado no kratwerkiano tema de abertura, com os Harmonia rolando na sua própria “autobahn”. “DeLuxe” é um disco fundamental para se compreender a transição da fase inicial, mais cósmica, do “krautrock” para o niilismo mecanicista (exemplificado no vertiginoso andamento do tema “Monza”) que infectaria a alma das grandes metrópoles teutónicas, anunciando o “punk” e o radicalismo de atitude de uma banda posterior, os La Düsseldorf, pilotados pela outra metade dos Neu!, Klaus Dinger. (Brain, import. Torpedo, 9.)
Seguindo o rasto, encontramos precisamente os La Düsseldorf, também no seu segundo álbum, “Viva”, de 1978, ou seja, no auge do “punk. Numa altura em que, em Inglaterra, os jovens de alfinetes queimavam os sintetizadores, os irmãos Klaus e Thomas Dinger equacionavam o seu uso num contexto derivado do pioneirismo dos Kraftwerk, pondo em ligação a estética do grito “bávaro”, como Cope lhe chama, com os circuitos integrados das máquinas, transformadas em monstros de metal. Também desta banda volta a estar disponível o seu álbum de estreia, “La Düsseldorf”, igualmente na versão japonesa, da qual, como se pode ler no aviso da capa, foi copiada a anterior edição pirata com o “selo” Germanofon. (Captain Tripi, import. Torpedo, 7.)

LINK

Avancemos para outro disco clássico, este já sem a chancela de Julian Cope: “Osmose”, com data de edição original de 1970, na Ohr, dos Annexus Quam, outra banda com origem em Düsseldorf. Representativo de uma área explorada, de forma mais sofisticada, por bandas como os Kraan ou Release Music Orchestra, “Osmose” entrelaça, por vezes de forma anárquica, as tendências jazzísticas que viriam a ser sistematicamente desenvolveidas no álbum posterior, “beziehungen”, com a mesma costela cosmico-percussiva de “Atem”, dos Tangerine Dream. (Spalax, import. Torpedo, 7.)
Ash Ra Tempel e Guru Guru são duas das bandas mais representativas do “krautrock”. “Ash Ra Tempel”, a estreia, em 1971, do colectivo liderado pelo guitarrista e sintetista Manuel Göttsching, foi a primeira de muitas “acid jams” que culminariam no encontro, patrocinado pelo esquizoguru da “Kosmische Muzik”, Rolf-Ulrich Kaiser, com o guru do LSD, Timothy Leary, em “Seven Up” e que apenas parecem fazer sentido para uma cabeça igualmente encharcada em ácido lisérgico. Como a de Cope, que inclui este álbum na sua lista de preferências. (Spalax, import. Torpedo, 6.)
Já “Tango Fango”, álbum de 1976 dos Guru Guru, constitui uma amostra pouco representativa do poder implosivo que caracteriza os dois primeiros álbuns desta banda, desde sempre impulsionada pelo barerista Mani Neumeier, “UFO” e “Hinten”. Em “Tango Fango” mistura-se o jazz-rock trazido pelo novo recruta Roland Schaeffer, nos sopros, com tangos, música de variedades, marchas folclóricas, anedotas absurdas e canto “yodelling”. Interessante mas demasiado derivativo. (EFA, import. Torpedo, 6.)
Lado a lado com os grupos cujo som era declaradamente “kraut” (leia-se “cósmico”, “libertário”, “exploratório”, “tripante”…) coexistiram, na Alemanha, muitos outros, apostados em fazer música com menos conotações regionais, que cantavam em inglês e, em geral, cometiam o pecado de dominar tecnicamente os instrumentos que tocavam. Os Grobschnitt incluíam-se nesta categoria. Entre 1972 e 1989, gravaram 13 álbuns, chegando a alcançar níveis elevados depopularidade, no seu país de origem. “Ballerman”, de 1974, um duplo álbum na versão original, em vinil, á marcado por influências díspares e por uma veia “progressiva” bem assimilada, onde avulta a longa “suite” “Solar Music”, com os seus 33 minutos de experimentações variadas em torno de sequenciações electrónicas, psicadelismo tardio e efeitos de produção. Este mesmo tema seria ampliado para mais de 50 minutos numa posterior versão garavada ao vivo e editada em 1978, com o título “Solar Music – Live”.
“Rockpommel’s Land”, de 1977, é um álbum conceptual, mais sereno e inspirado nos Genesis, onde se conta a odisseia do pequeno Ernie, entre a sátira e a preocupação de emular na perfeição os mestres ingleses. Um álbum de pormenores e subtilezas que “trepa” a cada audição. (Brain, import. Planeta Rock, 6 e 7).
Eroc, de seu nome verdadeiro Joachim H. Ehrig, era o percussionista dos Grobschnitt. Mas os álbuns que gravou a solo (onde estende os seus talentos de executante aos teclados, acordeão, vibrafone e percussões várias) não tinham rigorosamente nada a ver com a música do grupo. “Wolkenreise” é uma colectânea de temas gravados entre 1975 e 1982, que vão do “easy listening” alpino, seja lá o que isso for, a neuroses ambientalistas, entre a paródia aos românticos e delírios electrónicos de sintetizadores perdidos nos seus próprios devaneios. Saliência para “Des zauberers traum”, de “Eroc”, uma dos mais estranhos álbun gravados por esta personalidade, arrumada entre Manuel Göttsching e Michael Rother. (Brain, import. Planeta Rock, 6)
Para os Novalis não se punham dúvidas quanto aoa estilo a seguir. Eram românticos declarados, como os Wallenstein, Hoelderlin ou Parzival, não escondendo a sua paixão pelos sons dos progressivos do outro lado da Mancha. “Banished Bridge” (agora em versão remasterizada), com a qual se estrearam em 1973 na Brain, denota a influência descarada dos Pink Floyd, da fase “A Saucerful of Secrets” e “Ummagumma”, no tema conceptual de 17 minutos que dá título ao álbum, com base no “mellotron” e restantes teclados de Lutz Rahn. Apesar disso, desprende-se dele magia e um ambiente de estranheza que cativa. Os restantes três são mais exibicionistas, oscilando entre a pirotecnia dos Emerson, Lake & Palmer e o barroco insuflado dos Procol Harum (Brain/Repertoire, import. Torpedo, 7.).
Guardámos para o fim a maior surpresa. “Full Horn”, dos Cornucopia, é uma pérola que poucos conheceriam. É o único álbum gravado por este septeto – auxiliado ainda por Jochen Petersen, saxofonista e flautista do grupo de Achim Reichel – que teve contra si o facto de estar demasiado avançado no tempo. Na altura ninguém quis saber deles e os Cornucopia não tiveram outra alternativa senão desistir. Mas “Full Horn”, de 1973, faz justiça ao título, mostrando ser uma verdadeira cornucópia de onde jorram a cada instante renovados prazeres. Antes e mais, a banda era constituída por executantes de excepção. Mas ao contrário do que era frequente acontecer, punham as suas capacidades ao serviço de uma música inclassificável, com uma complexidade talvez apenas comparável aos Gentle Giant e um gosto pelo bizarro que, nalguns momentos, traz à memória Frank Zappa. Os 19 minutos de “Day of a Daydream Believer” evoluem de forma imprevisível através de vocalizações arrevesadas, na linha dos Amon Düül II, e constantes mudanças de ritmo e ambiente. “Morning Sun – Version 127 (for the charts)” evoca a subtileza da escola de Canterbury enquanto “And the Madness” mergulha no mesmo universo de alienação iluminada dos Gentle Giant de “In A Glass House” ou dos Gracious. “Spots on You, Kids” faria boa figura num catálogo seleccionado da Recommended. Um clássico. (Brain/Repertoire, import. Torpedo, 8.)
Na Planeta Rock encontram-se ainda disponíveis álbuns dos Faust (“The Faust Tapes”, “71 Minutes of Faust” e o novo “You Know FaUSt”), Jane (“Here We Are”, “Jane III”, “Lady” e “Fire, Water, Earth & Air”), Grobschnitt (“Solar Music – Live”, “Illegal” e “Last Party – Live”) e Nektar, que eram ingleses mas fizeram carreira na Alemanha, acabando por ser adoptados pela grande família do “krautrock” (“Journey to the Center of the Eye”, “A Tab in the Ocean” e “Remember the Future”. Na Torpedo pode encontrar os Agitation Free (“Last”), os Cluster (“Cluster III”), Guru Guru (“UFO e “Hinten”), Faust (“Rien”), Harmonia (“Musik von Harmonia”), La! Neu? (“Düsseldorf”) e Moebius & Plank (Rastakraut/Material”)

Nota: Os Harmonia voltaram ao activo. Ao trio Moebius, Roedelius e Rother juntou-se um quarto elemento, nada mais nada menos do que Brian Eno, que, de resto, já gravara com a dupla dos Cluster os álbuns “Cluster & Eno” e “After the Heat”. O novo álbum dos Harmonia, a sair em breve, tem como título “Tracks & Traces”.