Eugénia Melo E Castro – “Lisboa Dentro De Mim – O Sentimento De Um Ocidental”

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


Eugénia Melo E Castro
Lisboa Dentro De Mim – O Sentimento De Um Ocidental
2xCD, BMG, distri. BMG



Continua a ser verdade que o verdadeiro artista é o artista que se esforça. Em “Lisboa dentro de Mim” o esforço é notório. O disco faz tudo para agradar e não deixa nada ao acaso. A capa é belíssima. Entre os autores dos textos, contam-se António Botto, Fernando Pessoa, Cesário Verde e Luís de Camões. A lista de músicos é de luxo: Wagner Tiso, piano, Yuri Daniel, baixo, Pedro Caldeira Cabral, guitarra portuguesa, Carlos Zíngaro, violino, Mário Laginha, piano, António Pinho Vargas, piano, e Márcio Montarroyos, trompete e “flügelhorn”, qualquer deles com notáveis desempenhos nos respectivos instrumentos. Depois há o “Fado Lisboa”, um excerto de “Lisboa antiga”, “Saudades, no Tejo”, suspira-se por D. Sebastião e até se explica, com profusão de detalhes, a origem etimológica da palavra “Lisboa”. Sem esquecer um segundo CD que tem por título um trocadilho giro – “O acidente de um sentimental” – com as canções, “Não sei dançar” e as muito “in”, “The laziest girl in town” e “Maldita cocaína”. Bravo! Ah, sim, as vocalizações estão a cargo de Eugénia Melo e Castro (Geninha). No Brasil, adoram-na. Passem-me o sal e a pimenta, por favor. (4)

Xenos – “Let The Swine Loose”

pop rock >> quarta-feira, 10.11.1993
WORLD


Xenos
Let The Swine Loose
Arc, import. Contraverso



Quem são, de onde vêm, para onde vão? Os Xenos (“estrangeiros”) são dois autralianos da Tasmânia, Anne Hildyard e Rob Bester, e um suíço, Christian Fotsch. Aqui com a colaboração adicional de dois macedónios e do percussionista David Hopkins, já nosso conhecido: vimo-lo em Portugal no último Intercéltico, integrado na formação des Barzaz. As composições de “Let the Swine Loose”, gravado ao vivo na Suiça (não se nota, não há ruídos alienígenas, os desempenhos instrumentais são imaculados), dividem-se por três grupos: temas para gaita-de-foles de vários tipos, entre as quais a “gaida” dos Balcãs e o “tulum” do Irâo, esta com duas ponteiras e sem qualquer bordão; um segundo grupo dedicado a estilo de danças modernas da Macedónia, em que a instrumentação eléctrica habitualmente utilizada foi substituída por um formato acústico de saxofone, clarinete, bouzouki, contrabaixo e darbouka; um terceiro, de música dos tocadores de “zurna” da Bulgária e Turquia. São ainda visitadas as músicas tradicionais da Grécia e do Irão.
A visão dos Xenos é a de estrangeiros numa terra estranha, fascinados pelo desconhecido. A música, embora oriunda de zonas com as quais estamos razoavelmente familiarizados, soa de forma bizarra. Reconhecem-se as bases, mas estranham-se os caminhos. Por entre as emanações do “ud”, do “cümbüs” (banjo turco), do “djembe” e outros artefactos sonoros criados para ajudar a fazer da música tradicional uma história interminável, sobressai a voz de Anne Hilyard, em “Lute lute / buka ere”, tão emocionante e emocionada como a de Márta Sebestyen. (7)

Verd E Blu – “Musicas A Dançar”

pop rock >> quarta-feira, 10.11.1993
WORLD


Verd E Blu
Musicas A Dançar
Monestrèrs Gascons, distri. Etnia



Quando se fala de música tradicional da Gasconha surge de imediato o nome dos Perlinpinpin Folc. Nada mais natural e nada mais injusto para os Verd e Blu, os seus rivais mais próximos. Quando chegaram na mesma altura a Portugal “Téarèze”, dos Perlinpinpin, e “Musica de Gasconha” dos Verd e Blu (que voltou a ser reposto em “stock”), atribuímos a ambos a pontuação máxima.
Trata-se de duas montanhas separadas com a mesma altitude, situadas na mesma cordilheira, erguidas uma em frente à outra em desafio.
“Musicas a Dançar”, curiosamente, afasta-se, ao nível dos arranjos, de “Musica de Gasconha”. Se o objectivo último continua a ser, para Jean Baudoin, Marie-Claudel Hourdebaigt e Joan-Francés Tisnér, “trazer uma nova estética” para a música tradicional da Gasconha, a forma escolhida para o fazer mudou. O som liquefez-se, perdeu rugosidades, espalhando-se pelos interstícios abertos no álbum anterior. As canções voam em levitação, numa ondulação encantatória a grande altitude. O que no primeiro álbum era metal transformou-se em madeira, o urro tornou-se sussurro, o bosque floresceu em jardim. As melodias são fluidos que fogem da razão a esconder-se na memória. A gaita-de-foles, a sanfona, os pífaros e tamborins de corda flutuam sobre a superfície de um sintetizador aquário, mudando de forma a cada instante como os vidros de um caleidoscópio.
Em “Congós lanusquets”, os Verd e Blu fazem a vénia aos Planxty. “Mariana” é a voz de Marie Claude filtrada na passagem pelo túnel dos mistérios da Disneylândia. “Quin te va l’aulhada” prova que a música antiga do futuro existe. Uma “Borregada” convida a perdermo-nos na dança. Em “Dimars”, o grupo veste a pele de uns Hedningarna mais ponderados, acertando o passo por uma espécie de “morris dancing” gascã. Mas o momento de maior assombro chega com “New/ scà”, no qual os Verd e Blu ultrapassam toda a concorrência e penetram em território virgem, em 3m50s de perder a respiração. Viagem alucinante que começa num cravo-computador à maneira de Morton Subotnick, segue com uma sanfona nos confins da galáxia e uma flauta em redor, a voz feminina a baralhar as onomatopeias de Meredith Monk para acabar numa sarabanda de cordas e em estranhos mas nunca despropositados efeitos de estúdio. Nunca se fez nada assim.
“Musica de Gasconha” era o corpo e sangue da Gasconha. “Musicas a Dançar” é, da mesma região, o sonho. (9)