Arquivo da Categoria: Críticas 2005

Rui Azul – À Bolina

18.02.2005
Rui Azul
À Bolina
Registos Autónomos, distri. MC – Mundo da Canção
7/10

Eis um disco agradável, imaginativo, sugestivo e razoavelmente original no panorama das “novas músicas”, tendência suave, da música portuguesa. Rui Azul, músico do Porto, realizou sozinho “À Bolina”, um álbum de viagens, tema estafado quando os itinerários repetem as rotas do turismo. Não é o caso de “À Bolina”, Azul, além de produzir e arranjar, toca saxofone tenor, sax MIDI, flautas, rhaita, zummara, didgeridoo, darbuka, percussões étnicas, voz, teclados, samplers, sequenciadores, programação e “loops”. Ah, sim, também foi ele que gravou, misturou, masterixzou, fez o desenho gráfico, a BD e os textos. “À Bolina” é um álbum de boa fusão, entre jazz, “world” imaginária e electrónica sequenciada. Vozes deslocadas no espaço e no tempo, sons híbridos, batidas entre o computacional e o ritual. A escola é óbvia: Musci/Vennosta, Benjamin Lew, Steve Shehan. Mas Azul é bom colorista e sabe combinar os tons, dando de facto pistas para uma viagem interior que é afinal cinema da imaginação. As ilustrações de BD têm algo da “Garagem Hermética” de Moebius. Um passo à frente de Rão Kyao, Ficções e Carlos Maria Trindade/Nuno Canavarro na elaboração de fusões oníricas com âncora, mais ou menos funda, em Portugal.

Arcana – Cantar de Procella

03.10.1997
Arcana
Cantar de Procella (5)
Cold Meat Industry, import. Symbiose

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Um organista louco martela as notas do inferno num órgão de um templo em louvor a estranhas ruindades pagãs. Da fogueira eleva-se um cântico grandioso, evocativo de… Klaus Blasquiz… quem? Klaus Blasquiz, o Pavarotti endemoinhado dos Magma, quando este grupo francês ainda profetizava a vinda do império de Kobaia. É assim o ambiente do primeiro tema de “Cantar de Procella”, segundo álbum dos Arcana, uma banda de gótico com uma carga de sombras e danações impressionante.
É uma missa negra que traz para os domínios do gótico a solenidade infernal celebrada como música de câmara pelos Univers Zero, em “Ceux du Dehors”. Os Arcana fazem ainda coro com os Dead Can Dance (ou com Bernard Lustmord, num registo mais fundo e perturbador) e os In The Nursery. A mesma praga que os primeiros lançaram no cemitério e os segundos no campo de batalha. Claro que tudo isto pode ser tanto uma música que acredita verdadeiramente no seu poder de sugestão, como uma brincadeira capaz de provocar sorrisos de troça nas mentes menos impressionáveis. Já houve um tempo em que se chamava a este tipo de operações “música ritual”. Rituais das trevas, marcados por uma religiosidade profana. Só que o terror tem hoje cores bastante menos escuras, o diabo aprendeu a vestir-se de branco para melhor enganar, com elegância, as almas tresmalhadas.

M83 – Before The Dawn Heals Us

04.03.2005
M83
Before The Dawn Heals Us
Gloom, distri. EMI Music Portugal
7/10

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Guitarras, bateria, electrónica misturadas com uma batedeira inconfundivelmente francesa. Os M83 são um projecto de Anthony Gonzalez e “Before the Dawn Heals Us” é o seu terceiro trabalho, depois de “M83” e “Dead Cities, Red Seas & Lost Ghosts”. O som é épico, progressivo, evocando paisagens vastas. As referências com que vêm aureolados vão desde os Mogwai aos My Bloody Valentine, passando por Mussorgsky, Can e Tangerine Dream. A referência aos My Bloody Valentine tem a ver com o lado hipnótico das guitarras enquanto o paisagismo épico, vagamente pós-rock, convoca os Mogwai. Quanto aos Can não se percebe bem a chamada, muito menos a dos Tangerine Dream, por mais pioneiros de tudo que estes dois grupos tenham sido ainda que numa faixa como “Farewell/Godbye” os sintetizadores possam recordar a banda alemã, com os sintetizadores um bocadinho enferrujados pela humidade. Em relação a Mussorgsky, deixai o homem descansar em paz. O progressivo dos M83 tem a ver com o ambiente geral, com a construção dos temas e a constante mudança de registo. E “Fields, shorelines and hunters” até que podia ter sido gravada nos anos 70, mas “I guess I’m floating” passaria com facilidade por qualquer coisa dos Trans AM cruzados com os My Bloody Valentine. Pós-quê?