Brian Eno – “Nerve Net”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 16.09.1992


PROVA DE VELOCIDADE
BRIAN ENO
Nerve Net
LP / CD, Opal, distri. Warner Music



De Eno espera-se sempre, a cada novo disco, escultura-vídeo, instalação, documentário, discurso ou espirro, uma enunciação (musical ou conceptual, nos últimos tempos mais conceptual) do que o futuro tem para nos oferecer, em termos de arte, sociedade, ideologia ou simples “merchandising”. Como o futuro, entretanto, toma sempre novas inflexões, ele adapta-se. Da música ambiental, sob várias designações e variantes, da qual parecia não conseguir libertar-se, julgou agora oportuno libertar-se e dar o salto para outra espécie de modernismo (ou pós-modernismo, desiganação que lhe cai melhor, já que Eno é sempre pioneiro de qualquer coisa, encerrando sempre um ciclo e dando início a outro), bem mais violento e variado que as anteriores incursões nas esferas da beatitude. Diga-se desde já que Eno, à semelhança de alguns políticos, nunca ou raramente erra. Possui essa capacidade inata de “saber ver”, só possível através da distanciação. E, mais uma vez, Brian Eno “viu”. Desta feita, e ao contrário da fase ambiental, o resultado dessa visão não é tanto uma síntese, mas uma mistura. A aldeia global a que se refere por escrito e a que procura dar conetúdo musical em “Nerve Net”, não é, nem pretende ser, algo de novo, no sentido a que Bachelard designava por “corte epistemológico”, mas um aglomerado provisório de sons, estilos, ideias e modas girando em turbilhão acelerado, o mesmo que cada vez mais vai esvaziando o mundo de sentido. Por uma vez, Brian Eno sentiu, ou talvez seja mais correcto dizer que percebeu, a noção e os efeitos da velocidade. Mas não se deve acreditar muito nele quando afirma que deseja “habitar” este novo mundo psicótico ou que tenciona promover o disco “agressivamente”. É difícil imaginar Eno no centro da confusão. Vêmo-lo no alto do seu terraço, situado no cume de um arranha-céus em Nova Iorque, com a câmara de vídeo apontada para o céu. “Nerve Net” só é possível, ainda e sempre, graças à observação distanciada. A psicose rítmica, característica dos temas mais violentos de “Before and after Science”, de “Remain in Light” ou de “My Life in the Bush of Ghosts”, resulta da análise cuidada do ar dos tempos. Não por acaso, Eno entregou a Robert Fripp, também ele um músico “cerebral”, a tarefa de dissertar, com a sua guitarra liberta do espartilho das “frippertronics”, sobre o caos, recordando tratar-se do mesmo guitarrista que há mais de 20 anos gravou e tocou, com os King Crimson, “21st century schizoid man”. Na obra de Brian Eno tudo é estudado e “Nerve Net” soa a uma laboriosa experiência laboratorial. Não lhe falta nenhum ingrediente (o músico pode ficar descansado) e a mistura final é digna dos grandes manipuladores de bata branca. De Eno não se espere nunca o sentimento, mesmo que ele procure provar o contrário. “Nerve Net” é um edifício (ou a “rede de força”, o sistema nervoso a que o título alude) que se organiza como por magia, aglutinando de forma errática os fragmentos de infinito, mas que entra em derrocada logo que desaparece o cimento, a ordenação subjectiva do receptor. Uma espécie de anti-Cristo formal e circunstancial erguido com a argamassa do medo, das imagens e da pluralidade que o inconsciente colectivo encerras e permite dar sentido. Pelo sim, pelo não, Eno promete já nova dose de imponderabilidade, com o próximo disco, “The Shutov Assembly”. Passado que foi o tempo de entretenimento dedicado, ainda e sempre, a estudar o mundo sob uma nova perspectiva. Ou a provar a sua resistência e maleabilidade às directivas do cérebro. Uma prova de velocidade. (8)

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