Pierre Henry – “Mantra Progressiva” (artigo de opinião – reedição de parte da obra)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 17.06.1992


MANTRA PROGRESSIVA

Dos compactos da editora francesa Mantra chegados a Portugal, com distribuição Megamúsica, obras superlativas alternam com objectos apenas representativos de uma época fervilhante de ideais – os anos 70 – ou ainda com músicas que o tempo veio a confirmar como definitivas. A música progressiva, cada vez mais actual.



Compositor francês ligado à música contemporânea erudita, discípulo e amigo de Pierre Schaeffer, Pierre Henry vê reeditada no formato compacto uma pequena parte da sua vasta discografia, em três discos correspondentes a fases bastante afastadas no tempo: “Messe de Liverpool / Pierre Réfléchies” (1967), “Le Livre des Morts Egyptien” (1987) e “Ceremony – Na Electronic Mass” (1968), este de parceria com o grupo Rock Spooky Tooth.
Pierre Henry, autor da obra-prima “L’Apocalypse de Jean” e de uma “sinfonia para uma porta e um suspiro”, bem como de música produzida em directo a partir dos centros nervosos do cérebro (“Corticalart”, 1971, graças a uma maquineta da qual nunca mais se ouviu falar), junta na sua música a electrónica dos sintetizadores, muito em voga nos anos 70, com a música concreta. A estrutura narrativa e teatral de algumas peças com uma concepção espacial e tímbrica que, anos mais tarde, viria a ser recuperada pela facção “industrial”. “Ceremony” é uma curiosidade histórica e o encontro possível entre o futuro discurso pop psicadélico, com todo o seu cortejo de lugares-comuns, de Gary Wright, organista dos Spooky Tooth.
Electrónico mas bem integrado no espítrito da época, Tim Blake abandonou os Gong, onde foi um dos grandes responsáveis pela voluptuosidade sonora da trilogia “Radio Gnome Invisible”, para provar que era capaz de fazer tão bem como Klaus Schulze e com menos sintetizadores. O que, diga-se em abono da verdade, não é muito difícil. “Magick”, gravado em directo no seu moinho da Bretanha, é um bocado aborrecido, sobretudo quando Tim se põe a cantar. “Crystal Machine” é bem mais interessante, apresentando o som típico dos sintetizadores dos Gong, despojados do delírio surrealista de Daevid Allen e da loucura dos restantes. Recorda o minimalismo de seda de Manuel Gottsching e, nas piores alturas, as piruetas de Jean-Michel Jarre.
Muito bom é “Wolf City” (1972), de longe o melhor trabalho dos Amon Düül II, que aqui encontraram o equilíbrio exacto entre as investidas das guitarras psico-alucinogénicas dos primeiros discos (“Yeti”, “Dance of the Lemmings”, ambos disponíveis em Portugal), a estranheza vocal de Renate Kanupkrotenschwanz e um experimentalismo à época inovador.
Ainda melhor é “1984”, primeiro álbum a solo do baixista dos Soft Machine, Hugh Hopper, gravado em 1972, na companhia de ilustres como Pye Hastings, Lol Coxhill e Gary Windo, pouco tempo depois da sua saída da banda. Muita água correu sob os moinhos, o ano de Orwell passou entretanto, mas o tempo mostrou estar do lado de Hopper, já que “1984” continua tão actual como nunca e não menos perturbante. Obra angustiante, sombria, entre o aproveitamento dos efeitos de estúdio, o “jazz” à beira do colapso e a extraordinária capacidade de Hugh Hopper em arrancar sonoridades de pesadelo ao seu baixo eléctrico. Indispensável.

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