The Chieftains – “The Chieftains Repetem Êxito No Porto – Menos Festa E Mais Música”

cultura >> domingo >> 06.11.1994


The Chieftains Repetem Êxito No Porto
Menos Festa E Mais Música


Volvidos 32 anos de uma carreira dedicada à música tradicional da Irlanda os Chieftains não têm que provar nada a ninguém. Na sua segunda apresentação na capital do Norte tocaram a música pela música e mostraram o prazer que sentem em partilhá-la. Neste caso com o convidado português, mestre entre os mestres, Júlio Pereira.



Menos festiva e mais musical eis como se poderá classificar a segunda actuação dos Chieftains, sexta-feira, no Coliseu do Porto, integrada nas comemorações dos 25 anos do Mundo da Canção, entidade organizadora do concerto, em comparação com o concerto do ano passado no Festival Intercéltico. Ontem, na Aula Magna, foi a vez de Lisboa travar conhecimento com os embaixadores da música irlandesa.
Sala fria, de grandes dimensões, o Coliseu da Invicta quase encheu para aplaudir de novo aquele que é hoje um dos mais antigos grupos de música irlandesa em actividade. Feitas as apresentações no ano passado, libertos da pressão que em geral acompanha o primeiro contacto com um público estranho, os Chieftains entraram em palco com a intenção clara de, desta feita, chamarem a atenção mais para a música em si do que para o seu lado festivo.
O humor, claro, conduzido pelo habitual mestre de cerimónias e “virtuose” das “uillean pipes”, Paddy Moloney, esteve presente desde as palavras de apresentação, pronunciadas em gaélico, até aos “sketches” que os Chieftains já haviam utilizado no Intercéltico: os gestos de impaciência a pontuarem os solos mais prolongados, o amuo de Derek Bell por não o considerarem o melhor harpista da Irlanda, buchas metidas entre as canções, etc.
Se o elemento surpresa esteve deste modo ausente, a música chegou e sobejou para tornar mais uma vez a actuação dos Chieftains em algo de inesquecível. Previsivelmente a viagem musical destes irlandeses cidadãos do mundo fez escala na Bretanha, no tema sublime que figura na obra-prima “The Chieftains 5”, seguido por outro da mesma região, vocalizado, no qual ficou patente que a clareza de timbre e a ausência de grão da voz de Kevin Conneff soam um pouco anémicas em contraste com o “vibrato” e a maior extroversão que caracterizam o canto bretão. Paragem obrigatória também na Galiza (motivo do próximo álbum da banda, gravado com a Orquestra Sinfónica de Vigo) e na “country music” norte-americana, em “Cotton-eyed Joe”, intercalando com a familiar “drinking song” – “Here’s a health to the Company” – cantada com uma perna às costas e, na ocasião, enriquecida com um genuíno soluço alcoólico, por Kevin Conneff, o popular “standard” “If I had Maggie in the wood” e um medley” de composições do mítico harpista Turlough O’ Carolan, num solo imaculado de Derek Bell.
Matt Molloy voltou a deixar toda a gente sem respiração (a propósito, e ele, como é que consegue respirar?) num solo “impossível” na flauta. O seu virtuosismo é de tal ordem, em particular na arquitectura das pausas e no modo como projecta os harmónicos, que dá a sensação de estarmos a escutar não uma mas duas ou mais flautas tocando em simultâneo. Paddy Moloney, já se sabe, é como se as “uillean pipes” fossem suas filhas e ele o pai tirano: fazem tudo o que ele quer. E no “tin whistle” é a mesma coisa. Parece que não custa nada! Um solo extraordinário de fluência nas “pipes” abriu caminho para um ritmo de comboio, sobre o qual os bailarinos Daire Nolan (ela, no seu céltico vestido, levitando como uma “banshee”) e Sharon O’ Brien (ele, cavalgando e martelando com os pés a energia telúrica que animará até ao fim dos tempos a Ilha)

Diálogo De “Virtuoses”

Martin Fay, o mais clássico dos Chieftains, prendeu ao violino as notas do passado, numa tocante interpretação de “Carrickfergus”. Seán Keane, mais ginasticado, improvisou num registo orgânico e por vezes próximo da irmã mais velha do violino, a violeta ou viola de arco, sobre “The stone”. No mesmo tema Kevin Conneff deu razão àqueles que sempre recusaram o “bodhran” o parente pobre dos instrumentos tradicionais irlandeses. A exploração de alturas e a subtileza com que este percussionista articula os tempos e os contratempos é por si só um espectáculo dentro do espectáculo.
“The independent”, um “hornpipe” reforçado pela movimentação cénica dos dois dançarinos, a já clássica versão de “Heartbreak hotel”, acoplada a “The cliffs of Moore” – que conhecíamos na versão inglesa pelos Fairport Convention -, nova vocalização de Conneff em “The hag with the Money” e o tradicional chinês, traduzido em inglês para “Full of joy”, prepararam o terreno para a entrada – triunfal – de Júlio Pereira, apresentado pelos Chieftains como “um grande músico”. No primeiro tema que tocaram juntos, um tradicional de Trás-os-Montes, os irlandeses ficaram um bocado aturdidos, com dificuldades em seguir as síncopes violentas lançadas no bandolim pelo músico português. Júlio atacou em seguida, em solo absoluto, uma sequência do seu novo álbum, “Acústico”, onde deixou bem vincado o seu virtuosismo, como que a querer dizer aos irlandeses: “calma aí, muita atenção, não são só vocês que são capazes de fazer malabarismos!”. Por fim, em “Drowsy Maggie”, solaram todos, com o foco das atenções a incidir em Derek Bell, no seu também já clássico “show” de piano “ragtime”. Três “encores”, “Give me your hand”, “Miss McLeod’s lament” e “Carolan’s concerto” deixaram toda a gente feliz e, no espaço vago entre as coxias, a dançar. “Long live The Chieftains!”. Sejam bem-vindos sempre.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.