Talk Talk – “História Pouco Natural” (a discoteca | artigo de opinião)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 6 JUNHO 1990 >> Videodiscos >> Pop

A DISCOTECA


HISTÓRIA POUCO NATURAL

Mark Hollis é um psicólogo com pretensões de mudar o mundo por força e graça de melodias pop. Até agora o melhor que conseguiu foi transformar a própria num mundo de pretensões. A coletânea “Natural History” dá conta de um dos casos mais interessantes de megalomania atualmente em curso no universo de egos inchados da música popular.



Com efeito, a psicologia não era propriamente o veículo ideal para Mark se alcandorar ao estatuto de “imortal”. Na música também não é fácil, mas sempre se vai ganhando qualquer coisita no entretanto. A primeira etapa chama-se “The Reaction” e coincide com a euforia destrutiva dos rapazes de alfinete no lábio, da geração “No Future”, isto é, no ano de 1977. O rapaz, Hollis, navegava nitidamente contra a corrente. A Beggars Banquet, confusa, pega em “Talk Talk” (a canção) e inclui-a na coletânea “punk”, “Streets”. Para já estava encontrada a nova designação para futuros investimentos e cometimentos. O principal era então conquistar o mundo.

Talk Contra Duran

Foi através de Ed Hollis, empresário e irmão de Mark, que este conheceu e convidou o baterista Lee Harris e o baixista Paul Webb para integrarem o seu novo projeto. O convite foi aceite. Nasciam os Talk Talk, sempre com esta formação, já lá vão dez anos. Neste período de tempo gravaram apenas quatro álbuns. Para tristeza de muita gente e alívio de outra tanta. Para criar uma obra-de-arte é preciso tempo. Os Talk Talk deviam ter esperado ainda mais, antes de entrarem em estúdio, mas enfim, lá gravaram o álbum-estreia em 82. Chama-se “The Party’s Over” e é uma mistura estranha e desconfortável de título e maneirismos vocais, inspirados em Bryan Ferry, e atraentes melodias não muito distantes dos parentes próximos Duran Duran, com os quais, aliás partilharam uma “tournée” na qualidade de banda de suporte. O drama dos Talk Talk é que, por mais que se esforcem, não conseguem produzir uma linha melódica com o “charme”, a fluidez e a facilidade das que os Duran Duran são capazes, como se isso não lhes custasse mais que meia hora de intervalo entre um “clip” nas Bahamas e outro na Martinica. O que separa as duas bandas é a “star quality” e carisma dos meninos bonitos Duran e a total ausência de imagem dos feiosos Talk. Uns têm, outros… não. Já para não falar da diferença abissal entre a voz “catchy” de Simon Le Bon e o falsete esganiçado de Mark Hollis, que, por sinal, até nem é mau compositor. A Psicologia explica como um complexo de superioridade quase sempre encobre um sentimento de inferioridade.

Finalmente o Paraíso

“It’s My Life” (84) é a segunda tentativa em álbum, após um atraente “single”, “My Foolish Friend”, apelando para o reconhecimento do génio de Hollis. Poucos são sensíveis ao apelo. Dois anos mais tarde, “The Colour of Spring” assinala a primeira alteração estratégica. Já que o êxito e a fama lhes é, sistematicamente, negado por via da canção pop (só a Europa parece dar por eles, proporcionando-lhes um disco de ouro pelas vendas de “The Party’s Over”), porque não investir no campo mais sério do “conceptual”? Dito e feito. Pegue-se em Steve Winwood, Robbie McIntosh e Danny Thompson, em coros e secções de cordas, e está encontrado o conveniente tom “blasé”, permitindo afirmações do tipo “a nossa música não é comercial. Apenas nos interessa a qualidade. As massas não entendem”. Com “The Spirit of Eden” acertam finalmente no alvo. A crítica dispensa-lhes rasgados elogios. O disco, embora “não comercial”, vende e todos ficam contentes. São seis longos temas de sumptuoso recorte instrumental, em que Hollis descobre finalmente um registo vocal mais grave, sereno e, sobretudo, menos irritante, adaptando-se convenientemente ao tom “soft” e orquestral de todo o disco. É o triunfo e a glória, tenazmente perseguidos ao longo de anos de penoso caminhar. Mark Hollis não conseguiu, por enquanto, mudar o mundo. Mudou ele. Quando não os podes vencer…

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