Madredeus – “Lisboa”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 09.12.1992

A CANÇÃO DE LISBOA


Madredeus
Lisboa
3xLP, MC, CD, ed. Emi – VC


As razões que levam à gravação de um triplo álbum são várias, nem sempre de ordem musical. Assim acontece com esta “Lisboa” dividida por três álbuns de curtíssima duração (27m43s, 33m07s e 28m20s), registados ao vivo no mítico concerto dos Madredeus, realizado a 30 de Abril de 1991, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Está certo que volvidos dois anos sobre o acontecimento, torna-se agora possível recordar e saborear a inspiração e a respiração dos quatro instrumentistas, a voz de Teresa Salgueiro e a guitarra possessa de Carlos Paredes (nos quatro temas que compõem o lado B do primeiro disco – “O ladrão”, “O pomar das laranjeiras”, “Mudar de vida” e “Canto de embalar”). Fora isso, há o barulho das palmas, arranjos diferentes dos discos e estúdio – “Os Dias da Madredeus” e “Existir” – e a reprodução possível do ambiente único que a banda criou nessa Primavera que deixou de ser distante.
Mas a questão deve colocar-se. Porquê só agora? A resposta parece ser evidente: porque os Madredeus, em período natalício de exportação da sua música para o estrangeiro, andam em digressão pelo mundo, primeiro pelos países de Benelux e, já nos próximos capítulos, por paragens mais longínquas, de olhos apontados ao Japão e a outros potenciais mercados. E, nestas viagens com fins comerciais, sabe-se a importância de ter um disco novo para apresentar como cartão de visita. Com Pedro Ayres ocupado nos Resistência e Rodrigo Leão e Gabriel Gomes às voltas com os Sétima Legião – e a consequência destas actividades paralelas é não haver tempo para compor temas novos -, restava a solução do “ao vivo”, que poderá ter até a vantagem de mostrar lá fora como os Madredeus se portam frente às plateias. Portam-se bem, já se sabe.
Para os incondicionais da banda “Lisboa”, poderá funcionar como um complemento dos discos de estúdio. Para osoutros, é uma prenda de Natal a ter em consideração. As canções são as de sempre, eternas, bailando entre as radiações apolíneas de “Cuidado”, “O ladrão”, “A vontade de mudar”, “O pastor” ou “A vaca de fogo” e os luares de “A sombra”, “O menino” ou “Fado do Mindelo”, entre outros temas que se deixam habitar pela noite e o silêncio.
Cada concerto dos Madredeus é uma espécie de celebração religiosa em louvor das divindades, dos mitos e costumes que regem Portugal e os portugueses. Por vezes, mesmo do Deus maior. Ponto de convergência e conversão da música portuguesa aos valores tradicionais. “Lisboa” não é só Lisboa. É verde que já se vai esquecendo, igrejas e montes, ilhas e estradas, pastores e gentes crianças que ainda se deixam embalar. “Lisboa” junta a marcha popular, o cântico litúrgico, a música de câmara e o fado do futuro. Os Madredeus fazem a diferença do resto do rock português. Com a vantagem de não terem nada a ver com o rock e de fazerem música genuinamente nacional, da que não existiu nunca mas se deixou estar à espera, em pousio nos campos da matéria que é potência. Por isso, faz sentido que ao acto eles tenham dito “Existir”. Em Lisboa – das canções que vão anoitecendo. (7)

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