pop rock >> quarta-feira >> 29.06.1994
Até De Madrugada
Dezoito bandas, não, 19 – com a entrada, à última hora, dos Mão Morta no programa, menos os GNR que não podem – vão cantar aos quatro ventos as canções de José Afonso. São os Filhos da Madrugada, depois do disco, num megaconcerto em Alvalade. Acalmada a tempestade dos “cachets”, vem aí a “terra da fraternidade”.

Promete durar até às tantas o concerto, das 19 bandas nacionais que integram o duplo compacto “Os Filhos da Madrugada Cantam José Afonso”, no estádio do Sporting. É a primeira vez que a maior parte das principais bandas portuguesas da actualidade toca junta num projecto comum. A própria estrutura do espectáculo difere do habitual. Haverá uma continuidade musical, sem hiatos, com um elo musical a unir as diferentes actuações, evitando-se deste modo as sempre demoradas e indesejáveis pausas para mudança de PA.
Cada banda terá direito a tocar durante 15 minutos, aproximadamente. Este tempo inclui a interpretação do tema respectivo incluído no disco, sendo o resto completado com temas do seu próprio reportório. Sérgio Godinho, um dos “ideólogos” e dos maiores entusiastas em levar à prática os Filhos da Madrugada (embora a ideia original seja “pertença” de Tim, Manuel Faria e João Gil) – mas que não aparece no disco, uma vez que o critério escolhido levou à aceitação exclusiva de bandas, deixando de fora, nunca ninguém explicou bem porquê, os intérpretes individuais -, vai tocar na qualidade de convidado especial dos Sitiados.
Outra das preocupações da organização, a Regiespectáculo, é o aspecto cénico e visual do espectáculo. Assim, irão ser montados em Alvalade os habituais monitores de vídeo, que apanham os pormenores e ajudam a visão dos que ficam mais longe do palco. O palco será objecto de uma decoração especial, alusiva à figura de José Afonso, da autoria de Henrique Cayate.
E vamos a números. Descontando os 70 mil discos declarados vendidos de “Os Filhos da Madrugada Cantam José Afonso”, número que já deve estar desactualizado, temos que o concerto tem hora de início marcada para as 20h30, três horas depois da abertura dos portões, prevendo-se que durará cerca de quatro horas, terminando, portanto, depois da meia-noite, quiçá para fazer jus ao nome “Filhos da Madrugada”. O preço dos bilhetes (40 mil postos à venda) oscila entre os dois mil escudos, para o topo sul e relva, três mil escudos, para a bancada nova, e 3500 escudos, para a bancada central. O palco, embora sem bater nenhum recorde, tem dimensões generosas: 100 metros de frente por 14 de altura, com 20 bocas de cena. “Quarenta toneladas de equipamento em 25 camiões TIR vão dar trabalho a cerca de meio milhar de técnicos e profissionais, que contam com seis dias para… (bocejo) dotar Alvalade de condições para que este evento fique meszzzzzz, perdão, mesmo na História, não apenas da música, como da produção de espectáculos em Portugal.” Mais 600 metros quadrados de telões impressos, dois ecrãs de vídeo de sete metros. E claro, 800 biliões de litros (número não oficial) de cerveja, postos à disposição de todos por uma marca nacional, cujo nome, Sagres, não podemos divulgar, que se prontifica a matar a sede ao pessoal. Sim, estão reunidas todas as condições para que o espectáculo dos Filhos da Madrugada seja um êxito.
José Afonso? Qual José Afonso? Ah, sim, esse, o Zeca, grande companheiro de luta, referência da música popular portuguesa, também é importante, claro. Já morreu, coitado! Tinha um coração de ouro, canções giras e usava bóina, que nós bem vimos as fotografias. Pois, José Afonso, a sua memória e a sua música, também têm lugar neste super-ultra-hiper-megaconcerto cujo orçamento, como Lisboa 94 anunciou, com mal disfarçado orgulho, ronda o 130 milhões de escudos. Lá, onde está agora, ele, o da bóina, o das canções e das revoluções, deve sentir um misto de preocupação e orgulho. Os putos vão ouvir a sua música, o seu nome andará na ponta da língua de milhares, o disco venderá ainda mais alguns milhares. Depois virá aos poucos o olvido e de novo o esquecimento e a homenagem ao senhor que se segue.
Mas, por todos estes motivos e porque, a par de pequenas “traições”, há no disco versões à altura dos originais do autor do “Coro dos Tribunais”, vale a pena rumarmos todos a Alvalade. Vão estar presentes, se a memória não nos trai, todas (à excepção dos GNR, pelas razões já conhecidas de todos, de incompatibilidade de calendário) as bandas portuguesas mais importantes (comercialmente falando e em termos de exposição mediática, como é evidente).
30 DE JUNHO, ESTÁDIO DE ALVALADE, LISBOA, 20H30