Gavin Friday – “Adam ‘N’ Eve”

Pop Rock

22 ABRIL 1992

O FRUTO PROIBIDO

GAVIN FRIDAY
Adam ‘N’ Eve

LP/CD, Island, distri. BMG

gf

Inclui-se na elite dos “malditos”, dos “loucos”, enfim, dos que se insurgem contra o sistema, se integram nele para melhor o destruir e por fim o sistema é que dá cabo deles. Uma velha história, mil vezes contada pelos bons “maus rapazes” como Gavin Friday, que durante anos fez o elogio da loucura no seio dos Virgin Prunes, uma banda tão dramática, errática e sinistra quanto um circo após a meia-noite. Depois, como acontece sempre, por qualquer razão, fartou-se e fez contas à vida, enveredando a solo por uma vida de pecados solitários.
Gavin Friday não perdeu o gosto pelo fruto proibido, agora mais carnudo do que nunca. O Adão e Eva de que fala são os de antes ou depois do pecado, antes ou depois da queda? Leia-se a resposta num verso de uma das faixas, “Saint Divine”: “Aquele que para uns é pecador, para outros é santo”…
Há dois anos Friday gravou um disco estranho, no qual afirmava que “cada homem destrói aquilo que ama”, com a ajuda de Maurice Seezer, velho amigo que na sombra ou fora dela lhe ia apontando o melhor/pior caminho a seguir. Assim volta a acontecer em “Adam ‘n’ Eve”, disco de canções de amor, daquele amor levado ao extremo em que passa a confundir-se com a loucura. Textos, então como agora, de amor e morte, escritos por Friday sobre música composta de parceria com Seezer, envolvente e falsamente romântica.
“Adam ‘n’ Eve” é um disco de “music hall” para mentes doentes, cheio de suaves mentiras, quando um “amo-te” quer dizer “odeio-te”, e de melodias e coros que parecem cheios de sol (Maria McKee, ex-Lone Justice, pinta de laranja os dois primeiros temas), mas no instante seguinte são obscurecidos pelo eclipse.
Quando Gavin Friday canta “these lies do more than kill… I want to live”, este “live” não rima com o verso anterior que termina em “lie”. Gavin corre num carrossel mágico ao som de um realejo partido, entre amores perdidos e declamados à maneira de Momus e uma luxúria instrumental que recorda aquela, não menos decadente, dos Associates. Em “Falling off the edge of the world” e “Melancholy baby” evoca-se, respectivamente, a América carregada de símbolos que a transformam em cinema, e o amor sem esperança, que a noite escurece e embala. À maneira de Tom Waits a quem Gavin Friday parece ter pedido emprestado os óculos escuros e a garrafa de “bourbon”. Ouça-se o registo rouco e grave da voz, a lassidão estilizada, a musicalidade de versos como “Come a change of weather, comes a change of heart, who will knlow when the raisn will start”, tão próximas das luzes nocturnas, das estradas e dos bares de “Blue Valentine”.
“Adam ‘n’ Eve” lida afinal com as heresias habituais deste “pierrot” louco. “A igreja do amor é lei e desordem, onde os corações impostores podem ajoelhar e rezar”, canta Gavin Friday em “Where in the world”. Verdade ou mentira, o último e obsessivo tema tem por título “Eden”. O paraíso perdido ou reencontrado? (7)

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