cultura >> terça-feira, 06.07.1993
Bretões Nos Encontros Musicais Da Tradição Europeia
COMEÇARAM mal os IV Encontros Musicais da Tradição Europeia. Trocaram de local e trocaram-nos as voltas. O espectáculo inaugural estava marcado para os Jardins da Casa das Pescas, em Oeiras. À hora marcada, e depois de algumas voltas, demos com um cartaz no portão anunciando que os concertos tinham sido transferidos para o Palácio dos Anjos, em Algés. Está mal. A câmara, segundo parece, resolveu à última hora não autorizar a utilização do espaço. De futuro, a organização, neste caso a cooperativa cultural Etnia, deverá precaver-se contra este tipo de eventualidades, que lesam tanto o público como a credibilidade da iniciativa.
Lá arrancámos para Algés, a resmungar, quais anjinhos em busca de pouso no lácio dos Anjos. Ao contrário do que o programa indicava, os espanhóis Urbália Rurana actuaram em primeiro lugar. Desiludiram, quando se esperava que fossem uma das revelações. Tocaram a metro, certinhos quanto baste. Passaram pelo reportório esperado, da Catalunha às Baleares, com um violino, cordas dedilhadas, flauta e uma derbuka com sabor a Sul. Agradaram sobretudo as polifonias vocais. Deixou um rasto de indiferença o tom morno das prestações musicais.
Os Gwerz, da Bretanha, foram outra coisa. Pegaram no público desde as primeiras notas no público e levaram-no pelos sons mágicos do Norte de França, pelas ravinas rochosas, pelos ventos, pelas cruzes de pedra, pelos feitiços druídicos. Erik Marchand, sósia de Vitorino, bigode e boina de paisano anarquista, uma das melhores vozes do canto bretão tradicional, impressionou. Os irmãos Mollard, Jacky no violino, Patrick nos foles da “binou koz” e das “uillean pipes”, juntamente com Youenne Le Nihan, na bombarda e oboé, criaram uma rede cerrada dos típicos timbres – verde, água e terra – e compassos sincopados das gavotas, “na dro” e “gwerz” bretões. Num dos temas, Marchand mostrou ser não só um grande vocalista como também um “virtuose” do clarinete. Calaram até os anjos que dão nome ao palácio, comovidos. O público exigiu um “encore”, o único da noite, ao qual os Gwerz corresponderam com brilho, fazendo jus ao estatuto que voltaram a ostentar, de embaixadores da melhor música tradicional da Bretanha. São, até à data, o melhor grupo bretão que passou por Portugal. Que nos desculpem os Barzaz, Bleizi Ruz, Bagad Kemper e os Gwendal. Quanto a Alan Stivell, sugere-se que tenha a humildade de os ouvir e (re)aprender o que esqueceu.
Os Encontros prosseguem hoje em Algés, no mesmo local, com os Oskorri, do País Basco, e Hedningarna, da Suécia, para concluírem amanhã com a banda do búlgaro Ivo Papasov e os escoceses House Band.