ZZZZZZZZZZZZZZZZZP! – “FB56”

09.11.2001

ZZZZZZZZZZZZZZZZZP!
FB56
Ed. e distri. Ananana
8/10

LINK (Compilação com “Disseminações”)

À semelhança do que já tinham feito no anterior “FICTA003”, os ZP! (eles que me perdoem por ter eliminado 16 dos “Z”, mas a economia de espaço assim o exige!), de Miguel Sá e Miguel Carvalhais, recortaram o número de catálogo e colaram-no na capa, a servir de título. A opção expressa uma predilecção pela abstracção e pela manipulação das entranhas, quer do som quer dos meios da sua produção. Os sete temas deste mini álbum composto para uma encomenda da Bienal da Maia são amostras convincentes de uma estética cuidadosamente elaborada ao longo dos últimos dez anos. O sampler e o computador são as ferramentas usadas na confecção de uma música que vive das dinâmicas e das tensões (quando não dos “erros”) entre programação e improvisação, groove e fragmentação. Pianos virtuais, segmentação de timbres e de texturas inusitadas, vozes e instrumentos samplados segundo técnicas de colagem que tanto devem a Musci/Venosta e aos Severed Heads, como ao pioneirismo de Bernard Parmegiani, e a atitude futurista de culto à beleza da máquina, situam “FB56” no mesmo patamar de projectos como Sack & Blumm ou General Magic.

The User – “Symphony # 1 for Dot Matrix Printers”

26.11.1999

The User
Symphony # 1 for Dot Matrix Printers (8)
Staalplaat, distri. Ananana

LINK

[The User] :: The Symphony #1 for dot matrix printers – 1998 from Undefine on Vimeo.

Certo dia o senhor Silva chegou ao seu escritório na Rua dos Douradores e não quis acreditar nos seus ouvidos. Das impressoras que o seu patrão comprara para melhorar os serviços da empresa saía um som electrónico demoníaco. Alarmado, o senhor Silva correu a desligar as máquinas, mas estas não obedeceram. Era demais para o cérebro do senhor Silva. De olhos vazios, incapaz de compreender, deixou-se cair inerte na sua secretária. Escondidos num armário os dois estrategos dos The User sorriam, enquanto manipulavam à distância as impressoras da sua “Symphony # 1 for Dot Matrix Printers”. Em disco, um CD em formato e capa minúsculos, a peça que já haviam apresentado ao vivo em Portugal, foi reduzida para pouco mais de 19 minutos. Os The User pretenderam com ela “transformar a banal tecnologia de escritório num instrumento musical” (propõem um programa que permite a qualquer escriturário fazer o mesmo na sua própria empresa, para inclusão num futuro álbum de remixes), lançando a música electrónica para o domínio da pura maquinaria digital em regime de autogestão, numa simbiose entre 12 impressoras de agulhas comandadas por outros tantos computadores. Há ainda uma alma humana por detrás deste canto das peças, das alavancas, das teclas e das agulhas em movimento? O certo é que, seja qual for a perspectiva com que se olhe para esta obra pioneira, o resultado é música, com ritmos, harmonias e ambientes próprios de um escritório com vida. Na cadeira, o senhor Silva agitava-se num pesadelo de agulhas e espetarem-se no cérebro.

Tone Rec – “Coucy-Pack”

29.10.1999

Tone Rec
Coucy-Pack (9)
Sub Rosa, import. Ananana

Estalo Nos Miolos

LINK (“Tone Rec”)

Já se pode afirmar com segurança: Com os Tone Rec e os Pôle, ou talvez antes, com os Oval e Microstoria, nasceu uma nova categoria de música electrónica (cujos capítulos mais recentes pudemos recentemente presenciar ao vivo, nos desempenhos de Terre Thaemlitz e dos Radian, na primeira noite de concertos do festival Atlântico) onde são recorrentes o estalido e os ruídos de electricidade estática, a avaria e a interrupção/disrupção, num cruzamento do minimalismo (repetição) com a música industrial (lógica da máquina). Com a diferença de que os ciclos repetitivos lineares dos minimalistas clássicos foram substituídos por uma noção de descontinuidade (fractal) do tempo e de que as máquinas não são já os gigantescos monstros de metal movidos por motores barulhentos, roldanas e rodas dentadas mas computadores ou outros dispositivos digitais (os The User, por exemplo, que também virão tocar ao festival Atlântico, compuseram uma sinfonia para fotocopiadoras) alimentados por software. A música dos Tone Rec representa a vanguarda desta nova estética nos antípodas da música cósmica planante, através de um percurso que começou em “Tone Rec” por se entregar aos prazeres do torturador armado de berbequins cirúrgicos, passou em “Pholcus” pelo alargamento a uma espécie de dor universal e à emancipação de uma arquitectura assente no som residual e em “Coucy-Pack” se abriu em múltiplos quadros onde o sofrimento, se não é menor, tem pelo menos a envolvê-lo a ilusória segurança de uma moldura.Mesmo se essa moldura for de arame farpado. Em vez da disciplina e da agressão dirigidas para a ordem absoluta – em última instância, a loucura do indivíduo diluído na massa – de “Pholcus”, os Tone Rec oferecem-nos em “Coucy-Pack” variantes múltiplas desse rigor infernal, em quartos fechados onde cada um se pode entregar às suas fantasias masoquistas mais íntimas. Caso contrário, só resta aguentar e usufruir deste jardim das delícias armado de uma racionalidade reforçada. “Coucy-Pack” dá mais uma machadada no pós-rock. Cada instrumento, do trio bateria-baixo-guitarra à electrónica mais violenta, é uma equação mal enunciada que, apesar disso, serve de base à construção de uma cosmogonia. O mundo dos Tone Rec é um mundo onde o defeito e o desconforto, são elevados à condição de leis. “Coucy-Pack” obriga-nos a tomar consciência da nossa imperfeição. Uma vez mais implacáveis, os Tone Rec concedem-nos agora a graça de experimentar formas mais variadas de sentir o ranger dos músculos, o sabor da corrente eléctrica a passar pelos nervos, o apodrecimento do sangue nas veias entupidas. O homem-máquina dos Tone Rec, ao contrário do dos Kraftwerk, é o organismo imperfeito, a forma mal acabada por um demiurgo doente. Ou, se quisermos, a perfeição do mutante. Depois de “Pholcus”, outro manifesto exemplar do mal estar do final do milénio.