Eric Clapton – Pilgrim

13.03.1998
Eric Clapton
Pilgrim (4)
Reprise, distri. Warner Music

LINK

Com um passado ilustre construído à custa de uma técnica brilhante na guitarra que eclodiu nos Yardbirds e, posteriormente, nos Cream e no super-grupo Blind Faith, Eric Clapton encetou desde o início dos anos 70 uma carreira a solo que tem sido sinónimo de uma longa e elegante decadência. Dos conhecidos problemas com a toxicodependência até à purificação, selada com o reconhecimento da parte do “mainstream”, com a atribuição de galardões vários, o caminho tem sido atribulado. A história, infelizmente, por muito que lhe esteja reconhecida, não esperou por Eric Clapton. “Pilgrim” é o primeiro álbum de estúdio num espaço de dez anos, depois de “Journeyman” e de um célebre “Un plugged” pelo meio. Nele encontramos nomes também já desgastados pelo tempo como Andy Fairweather-Low, Chris Stainton, Paul Carrack e Paul Brady, a enfeitarem uma música dolente onde não se vislumbra a mínima chispa do passado. Os blues (ainda vivos numa faixa como “Sick and Tired”), raiz comum de toda a obra do músico, transformaram-se em lugares desérticos onde a guitarra se espraia preguiçosamente empurrada pelos restos apodrecidos do hip hop. Poderia ser cool como um álbum de J. J. Cale se não fosse tão vazio de sentido. A música de Eric Clapton á hoje o equivalente e um filme de Taylor Hackford, recebendo palmadinhas nas costas de Phil Collins. Procure-se as migalhas de guitarra.

Xana – Manual de Sobrevivência (conj.)

06.03.1998
Portugueses
Náufragos Do Tempo
Rock, fado e tradição. Entre gestos de sobrevivência e remexidas no baú, descobrem-se caminhos e becos, experiências e perplexidades. Passando ou não ao lado da inovação. A música portuguesa desarrumada entre o passado e o presente.

“Manual de Sobrevivência”, segundo trabalho a solo da antiga vocalista dos Rádio Macau, é um álbum interessante mas que não esconde as suas limitações. Xana procura aqui a diferença que possa impor um estilo, a questão está em que a sua maneira e cantar, sem dúvida característica, demonstra enormes dificuldades em se libertar de um registo demasiado repetitivo. Como se cada capítulo deste manual fosse uma variação de uma única canção, ensaiada em velocidades, estados emocionais e arranjos diferentes. Assim, a monotonia acba por se instalar, dando ideia de que este manual poderia ter sido limitado a um folheto de isntruções básicas de salvação. Procure-se esta redenção na colaboração recente da cantora no álbum de Flak… (Nortesul, 6)

Camané vive o fado como poucos, contando de novo, neste seu segundo registo depois de “Uma Noite De Fados”, com a presença tutelar de José Mário Branco. E se a sua abordagem ao fado se insere na linhagem dos clássicos, tal não impede que um dos temas mais interessantes de “Na Linha da Vida” seja “Sopram ventos adversos”, de Manuela de Freitas e José Mário Branco, em que a atmosfera se abre a uma contemplação mais luminosa e o fado se desdobra “numa praia de sentimentos dispersos”. Uma via de confluência entre o fado-canção de Carlos do Carmo e o golpe de vista de Paulo Bragança que poderá projectar Camané para uma visão mais abrangente da tradição e de um espírito de fatalidade que parece marcar a sua música. (EMI-VC, 6)

José Barros, mentor do projecto Navegante, navega no seu segundo trabalho, de genérico “Cantigas Partindo-se”, em águas bem menos poluídas que as do disco de estreia. Ainda sem conseguir furtar-se totalmente à lama do popularucho, embora aqui na sua vertente menos ofensiva, de temas como “Serventês” e “Tão longe da vida” (verdadeiramente folk pimba) e incorrendo em inutilidades como a enésima versão de “Milho Verde”, o grupo revela-se capaz de encontrar alguns oásis de frescura e alguma originalidade. Estão neste caso a versão de um “São João” em tonalidades arabizantes, a força céltica de “Penha Garcia” e um par de baladas originais que não deixam de fazer lembrar os Romanças, como “Cascata”, “Saudades da Lua” e “Cantigas Partindo-se”, sobressaindo ainda o instrumental “Em Barca”, composto pelo violinista Jorge Cruz, onde é visível uma atenção a alguns dos rumos recentes seguidos pela “world music”. A este elevar da fasquia não serão alheias as participações de músicos como Rui Júnior e Pedro D’Orey (ex-Romanças), mencionados como elementos permanentes do grupo, Rui Vaz (dos Gaiteiros de Lisboa), Artur Fernandes (Danças Ocultas) e Pedro Jóia. (Ovação, 6)

No capítulo das reedições, o destaque vai por inteiro para “Cantigas do Sete-Estrelo”, álbum de 1985 da Ronda dos Quatro Caminhos que permance como um dos instantes iluminados da música portuguesa de raiz tradicional. Graças à magia criada por um colectivo que, alheio ainda a guerras que no futuro se viriam a declarar de forma violenta, apenas se preocupava então com a dignificação de uma música habituada a todo o tipo de maus tratos. Simples e directas, porque simples e directas são as raízes, sentem-se nestas “Cantigas” o trabalho e a dedicação profundos. Depois, a Europa e uma leitura da folk mais sofisticada impõem-se em monumentos de beleza como “Cantiga de Fiadeiro”, “Batuque” e “Quedos, quedos, cavaleiros!” (onde se percebe como a Ronda poderia ter sido o equivalente nacional dos franceses Malicorne…). O aparecimento de outras técnicas e abordagens de estilo, mais actuais, terão tornado algumas destas aproximações à tradição algo datadas, mas nada lhes poderá tirar a verdade do batimento de um coração. (Movieplay, 8)

Igualmente relevante é a reedição de “Pelo Toque da Viola”, álbum de 1981 dos Terra a Terra, ou seja, um dos exemplares mais antigos da segunda geração de grupos nacionais de raiz tradicional. Mais ortodoxos que a Ronda e valorizando sobretudo os arranjos vocais, os Terra a Terra propunham uma viagem pelas várias províncias do continente à boleia da voz, mas também das omnipresentes cordas e percussões. Algumas debilidades técnicas, como uma gaita-de-foles constipada, impedem voos mais altos num álbum marcado pela dança e pela presença de AnaFaria, antes de se dedicar à confeitura dos queijinhos frescos… (Movieplay, 6)

Gastr Del Sol – Camoufleur (conj.)

06.03.1998
Revolution no. 10
Gastr Del Sol
Camoufleur (9)
Domino, distri. Música Alternativa

LINK

Tortoise
TNT (8)
City Slang, distri. Música Alternativa
Jim O’Rourke e John McEntire, respectivamente mentores dos projectos Gastr Del Sol e Tortoise, da cena pós-rock de Chicago, nunca esconderam as suas influências. Pelo contrário, assumiram-nas e integraram-nas numa música cuja originalidade é inquestionável.
O mais recente e, provavelmente, derradeiro trabalho dos Gastr Del Sol, já que JimO’Rourke deixou o grupo depois da gravação de “Camoufleur”, vem mesmo acompanhado por uma lista de influências prévias, musicais e não só, e por outra de “novas influências que se revelam”. Assim, a Derek Bailey, John Cage, John Fahey, algoritmos, e à “matéria dos pesadelos” anteriores, juntaram-se Brian Wilson, Scott Walker, o Vietname, e o “material suave dos sonhos”. Claro que nesta estratégia de desocultação está implícita uma carga de ironia e que sob a aparência de clarificação se esconde o seu oposto, na medida em que o óbvio e a citação directa (exceptuando, talvez, John Fahey, no álbum a solo de O’Rourke, “Bad Timing”) não fazem propriamente parte do léxico consciente dos Gastr Del Sol.
Retenha-se, contudo, a transição vocabular de “pesadelo” para “sonho” e a inclusão de Brian Wilson (já que Scott Walker facilmente se pode reivindicar como senhorio do obscurantismo…) no índice de influências. É que “Camoufleur”, ao contrário de anteriores trabalhos do grupo, bastante mais experimentais, pretende ser, nos seus movimentos tresloucados, um disco pop, da mesma maneira que os Faust (os quais, recorde-se, o próprio Jim O’Rourke relançou na estranha simbiose que é “Rien”) baralhavam este conceito, quando abriam o seu álbum de estreia com segmentos retorcidos da música dos Beatles e dos Stones para, mais à frente, se embebedarem com as harmonias vocais dos Beach Boys.
“Camoufleur” é, do princípio ao fim, um jogo de reconhecimentos e descolagens, de falsas pistas e de labirintos. Quando julgamos ter encontrado uma melodia estável, somos arrastados para o interior de um vórtice escuro de sons estranhos afastados de qualquer conceito próximo da pop. O álbum começa com “Seasons reverse”, algo semelhante à bossa nova como costuma ser recriada por Arto Lindsay, passa por uma espécie de ensaio vocal dos Beach Boys, em “Blues subtitled no sense of wonder”, e termina com “Bauchredner”, progressão minimalista de guitarra acústica que passa por uma cadência amrtelada de confluência entre Tony Conrad e os Neu!, para finalmente desembocar numa nuvem de sopros em suspensão em que se cruzam múltiplas melodias sobre as quais paira o vulto dos Faust. Pelo meio, o caminho está cheio de armadilhas e pontos de intersecção: guitarras processadas segundo as técnicas usadas por Klaus Schulze em “Black Dance”, órgãos de cinema, fanfarras chinesas (“Black Horse”), ruídos tridimensionais, enterros sucessivos de canções que a cada instante se reinventam, New Orleans, John Philip-Sousa e Canterbury passados pelo crivo de “Ruth Is Stranger Than Richard”, de Robert Wyatt (“Each Dream is an example”).
O círculo de Canterbury, depois do “krautrock”, parece ser, de resto, um territótio de crescente ocupação pelo pós-rock, ou “música intuitiva”, como alguns dos músicos implicados no movimento passaram a autocatalogar-se.
É o caso, também, dos Tortoise que no seu novo álbum apostaram numa sonoridade mais “light” que a dos dois primeiros álbuns, entrando mesmo em rota de colisão com algumas das premissas avançadas no anterior “Million Now Living Will Never Die”. E se referimos a influência da escola de Canterbury é porque encontramos em “TNT” um mesmo tipo de abordagem “leve” (nem que seja apenas na aparência) do som e porque um tema como “The suspension bridge at Igauzú falls” apresenta exactamente o mesmo tipo de progressões harmónicas empregues por grupos como os Hatfield and the North e National Health.
“TNT” nada tem de explosivo. Apenas o título-tema, remetendo não para o álbum anterior, mas para o disco de estreia do grupo, com o seu nevoeiro de guitarras desfocadas, se cola ao passado, apontando todo o resto para que “TNT” possa significar a sigla de “Tortoise or not Tortoise”. As influências são aqui mais visíveis à superfície do que nos Gastr Del Sol. O caso mais gritante é o de Steve Reich que se diria decalcado de álbuns como “Music for 18 Musicians” ou “Six Marimbas” em “Ten-day interval” e “Four-day interval”. “Swung from the gutters” lembra o progressivo “cool” do desconhecido (mas não para Jimi Hendrix…) teclista sueco, Bo Hansson. As guitarras planantes de “The Equator” não disfarçam a audição da fase recente da obra de Manuel Gottsching, ex-Ash Ra Temple. O contacto assíduo com os Stereolab faz-se sentir em “In Sarah, Mencken, Christ and Beethoven there were women and men” (curiosamente o título de um álbum de outro minimalista, Robert Ashley…). “I set my face to the hillside” é “easy listening” manchado pelas emoções estragadas de Pascal Comelade e, de novo, encaixando na maquinaria suave dos Stereolab. Ninguém julgue, porém, que “TNT” se resume a um livro de História. Cada tema é uma entidade mutante em permanente estado de inquietação, abrigando no seu seio as sementes do que poderiam ser múltiplas canções.
Jim O’Rourke e John McEntire, além de músicos, são melómanos, pessoas que gostam de ouvir música, que conhecem o passado e as suas várias linhas de evolução. É esta tensão, entre o antagonismo e a continuidade, que coloca quer os Gastr Del Sol quer os Tortoise na dianteira de um movimento que eles próprios iniciaram, grangeando-lhes, ao mesmo tempo, o estatuto de clássicos.
Para já, os primeiros souberam parar no preciso momento em que terão atingido o seu ponto mais alto, enquanto os segundos continuam a dar mostras de uma invejável capacidade de auto-regeneração. “Camoufleur” e “TNT” constituem a prova de que, afinal, o rock não está morto, mas tão-só a renascer com um corpo e uma alma novos. “Revolution no. 9”, dos Beatles, era o quê?

Coleccione Outros Cromos De “Música Intuitiva”
Amp, Bardo Pond, Bill Ding, Bowery Electric, C Clamp, Cul de Sac, Dazzling Killmen, Doldrums, Don Caballero, Earth, Eight Frozen Modules, Flying Saucer Attack, Füxa, Fridge, Ganger, Him, Hovercraft, Isotope 217º, Jessamine, Kante, Kreidler, Labradford, Low, Magnog, Mouse On Mars, Neutral Milk Hotel, Olivia Tremor Control, Rome, Run On, Sabalon Glitz, The Sea & The Cake, Seefeel, Shabotinski, Six Finger Satellite, Space Needle, Stars Of The Lid, Stereolab, Tarwater, Tone Rec, To Rococo Rot, Trans AM, Ui, Ulan Bator, Ween, Windsor For The Derby, Workshop…