Ohm Sweet Ohm

14.07.2000
Ohm Sweet Ohm

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Aum, Om, a sílaba sagrada, exprime a vibração cósmica, primordial. Ohm, unidade de resistência eléctrica. Electricidade, vibração primordial da música deste século. Os Kraftwerk, papas da central eléctrica de Düsseldorf, escreveram no seu manifesto sobre a radioactividade, “Radio Activity”, o hino dos condutores eléctricos: “Ohm Sweet Ohm”, em vez de “Home Sweet Home”. “Ohm – The Early Gurus of Electronic Music” é a mais completa antologia de música electrónica editada até hoje e aquela que melhor define os fundamentos de uma música que moldou a tecnologia, os meios de comunicação e informação, o pensamento e a sensibilidade do homem do século XX.

Reunidos em três CD, acompanhados de um livro explicativo, a responsabilidade da edição cabe à Ellipsis Arts…, editora geralmente conotada com a world music e especializada em produtos tão luxuosos como culturalmente relevantes. Percebe-se que para a Ellipsis Arts… (distribuída em Portugal pela Megamúsica) o conceito de “world music” é mais lato do que aquele mais comummente aceite, abrangendo todas as músicas do mundo, incluindo as contemporâneas, como já ficara provado com o excelente lançamento de uma colectânea de músicas produzidas em instrumentos bizarros. Recorde-se aqui uma declaração dos Kraftwerk ao referirem-se à música da região industrial do Rühr como “música folk”.
Os produtores de “Ohm – The Early Gurus of Electronic Music”, Thomas Ziegler e Jason Gross, viram-se confrontados com uma série de limitações. Era inevitável que assim acontecesse, num projecto com este fôlego e desta dimensão. Apesar de dividido por três CD com mais de 70 minutos de música cada, o número de compositores incluídos, correspondentes a diversos períodos de tempo, estilos, disciplinas e áreas geográficas”, não é exaustivo, tendo algumas das faixas seleccionadas sido sujeitas a “editing” de modo a reduzir a sua duração. Mas todas as principais correntes e escolas são abrangidas: as escolas francesa (do IRCAM e do GRM), alemã, da Califórnia… A música concreta, a música industrial, a “ambient”, acusmática, “systems music”, minimalismo, a “Kosmische muzik” estão bem representadas em “Ohm – The Early Gurus of Electronic Music”. Por outro lado, a antologia de autores vai somente até 1980, ano a partir do qual, segundo Thomas Ziegler e Jason Gross, “as coisas começaram realmente a disseminar-se”, sendo praticamente impossível recensear todos os nomes com importância no panorama da música electrónica actual. Mas convenhamos que será cedo para se encontrar nas duas últimas décadas de música electrónica gurus realmente convincentes…
O primeiro CD apresenta, entre outros, os nomes de Olivier Messiaen, Pierre Schaeffer, John Cage, Oskar Sala, Edgar Varèse (com “Poem Électronique”), Karlheinz Stockhausen (com um excerto de “Kontakte”), Milton Babbit e MEV (Musica Elletronica Viva). No segundo encontramos Raymond Scott, Steve Reich (“Pendulum Music” de 1968), Pauline Oliveros, Morton Subotnick (“Silver Apples of the Moon, part 1”, a composição que inspirou os Silver Apples, por sua vez, precursores dos Suicide), David Tudor (excerto de “Rainforest version 1”, 1968), Terry Riley (excerto de “Poppy Nogood and the Phantom Band”, 1968, de “A Rainbow in Curved Air”), Holger Czukay (excerto de “Boat-Woman song”, de “Cannaxis”, 1969), Luc Ferrari, François Bayle (“Rosace 3”, de “Vibrations Composées”, 1973), Jean-Claude Risset (excerto de “Mutations”, 1969), Iannis Xenakis e La Monte Young. O terceiro inclui Charles Dodge, Paul Lansky, Bernard Parmegiani (“En phase / Hors phase”, 1977), David Behrman, Robert Ashley (excerto de “Automatic Writing”, 1979), Alvin Curran, Alvin Lucier, Klaus Schulze, Jon Hassell (com um tema inédito, “before and after charm”) e Brian Eno.
Outros nomes presents na antologia são Clara Rockmore, Herbert Eimert, Otto Luening, Hugh Le Caine, Louis and Bebe Barron, Richard Maxfield, Tod Dockstader, Vladimir Ussachevsky, Joji Yuasa, Laurie Spiegel, John Chowning e Maryanne Amacher.
Ausências mais notadas derão as de Luciano Berio, Conrad Schnitzler, Christian Zanési, Michel Chion, Arne Nordheim, Tom Recchion…
Além da música, outro dos pontos interessantes e, sobretudo, elucidativos, de “Ohm – The Early Gurus of Electronic Music” é o livro que acompanha a edição, no qual podem ser avaliadas as explicações em discurso directo de cada compositor sobre os temas da sua autoria. Foram ainda incluídas declarações de músicos não participantes como DJ Spooky, Thurston Moore (dos Sonic Youth), Pete Namlook, David Toop e Bill Laswell, na definição e diferentes contextualizações do fenómeno “música electrónica”.

Tudo Na Cabeça

E se a curta mas incisiva declaração de princípios do GRN (“Groupe de Recherches Musicales”) deveria servir de exemplo aos responsáveis pela cultura musical do nosso país – “o papel do GRM é ouvir o que os criadores têm a dizer, providenciar-lhes os meios de que necessitam e compreender os seus métodos de criação” -, o enunciado de Bill Laswell será aquele que melhor define o essencial não só da música electrónica como da música em geral: “A música electrónica não pode existir separada do pensamento. Logo, tudo o que pode ser gerado é pensamento. É algo humano, sem ser frio, como as pessoas julgam. Os computadores e a electrónica não são o contrário da música quente e humanista. Elas são exactamente a mesma coisa. Não se conseguirá encontrar o equivalente de Charlie Parker num computador portátil, apenas porque não o conseguimos percepcionar. Mas haverá um tempo em que o conseguiremos fazer e então isso será uma realidade. Está tudo na nossa cabeça.” E: “A música electrónica faz parte, hoje, do nosso sistema de vida. Foi integrada no modo como existimos, por isso ela é a própria pulsação do que fazemos. Tudo é eléctrico. Tudo é electricidade. As pulsações electrónicas não são diferentes das do sangue ou da respiração. Está tudo interligado. É a idade electrónica.” “Ohm Sweet Ohm”.

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