10.07.1998
Músicos Da Ronda Estreiam Novo Projecto
Uma Russa Em Santiago
Quatro dos elementos da Ronda dos Quatro Caminhos juntaram-se a uma violinista clássica, mandaram às urtigas a música portuguesa e as vocalizações, inspiraram-se em Santiago de Compostela e chamaram ao novo projecto, Santiago. A violinista é Inna Rechetnikova, formada pelo Conservatório de Leninegrado e que nos últimos anos tem feito parte da Orquestra Sinfónica Portuguesa. Os quatro rondas são António Prata, Carlos Barata, Vítor Costa e Pedro Fragoso.
Esqueceram-se por momentos da banda-mãe para pôr em prática novas concepções musicais. “Já há alguns anos que tínhamos a ideia de fazer um grupo só instrumental”, diz António Prata, multi-instrumentista dos Santiago, para quem “há muito pouca música instrumental em Portugal, ao contrário do que acontece nos outros países da Europa”.
A par do aspecto instrumental há ainda uma preferência pela “música de autor”. Todos os temas de “Santiago”, disco de estreia do projecto, têm a assinatura de Prata, Carlos Barata e Pedro Fragoso. Ao contrário da Ronda, que faz essencialmente recriações de música tradicional portuguesa, nos Santiago privilegia-se a composição e “a experimentação com outras sonoridades”.
Alguns dos temas de “Santiago”, foram escritos, “na solidão da casa de cada um”. Outros “contaram com a colaboração de um ou outro músico, em termos de arranjos ou de uma segunda melodia, sem ser nunca um trabalho colectivo”, explica Prata. “Havia era uma comunhão de ideias entre os três compositores principais e tentámos que cada um fizesse alguns temas de acordo com o todo do disco”. Um disco que, diz, “teria que ser forçosamente alegre”.
No centro de Santiago está o violino da russa Inna Rechetnikova. “É uma paixão minha [N.R.: o violino, não a russa] e também de todos os outros músicos”. Os portugueses conheceram-na há dois anos. E “como as conversas são como as cerejas” e ela “gostou da ideia”, não foi difícil integrá-la no projecto. “Foi um desafio grande compor para o seu violino e fazer todo o disco girar em volta dele”, garante António Prata.
Ouvindo certas batidas de “Santiago” pensa-se nos Fairport Convention. Prata assume a influência. “Comecei a ouvir música em casa aos 12 anos. Vamos assimilando tudo o que ouvimos. Por um processo natural de exclusão, ficamos cá dentro com aquilo que é bom, como é o caso dos Fairport Convention, um dos grupos que ouvi bastante”.
Serão os Santiago, à semelhança dos Fairport, uma banda de folk rock? António Prata prefere o termo “pop folk”. Porque “não há dúvida de que os ritmos do continente europeu estão bem marcados no disco”, embora “com uma sonoridade mais pop” do que na Ronda. Cita, como exemplo, a inclusão da bateria, “que não tem nada a ver com o modo como é utilizada na Ronda ou as próprias malhas da guitarra e a sequência de acordes”.
De futuro se verá como os quatro elementos que dividem a sua actividade entre os dois grupos lidarão com o facto de poder haver sobreposição. Prata é bem claro: “Não avançámos com o Santiago apenas para fazer um disco. Planeámos uma carreira, embora saibamos que é difícil um grupo impor-se com um projecto instrumental. Mas somos perseverantes e se as coisas não correrem bem com este disco esperamos que corram melhor com o próximo”. E se os Santiago tiverem êxito? ”Num Verão em que haja muitos espectáculos dos dois grupos, teremos que conviver com essa situação”.
A Santiago de Compostela, na Galiza, onde se deslocam com frequência para actuar, foram os Santiago portugueses buscar inspiração. “É uma cidade que sempre teve um universalismo que nós gostaríamos que existisse também na nossa música”.
“Dançachamas”, é um duplo ao vivo e, mesmo sem canções originais, faz jus à criatividade do grupo. Na capa um pormenor de “Jardim das Delícias” de Bosch. É tão bom que apetece usar o slogan de Alexandre O’Neill: “Bosch é brom”.
E perguntam vocês em coro: “Porquê um disco ao vivo”? Boa pergunta. Porquê? Carlos Guerreiro, um dos cinco Gaiteiros que responderam ao convite do “Y” para falar do seu novo álbum “Dançachamas”, gravado ao vivo nos dias 19 e 20 de Outubro no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, foi o primeiro a responder: “De facto, apenas com dois discos de originais pode parecer pretensioso fazer já um disco ao vivo. Digamos que resultou de uma negociação com a editora no sentido de nos vermos livres uns dos outros”.
Só por isso? Calma! O compositor, sanfonineiro e inventor dos “Túbaros de Orfeu” ainda não acabou: “Mas achámos também que as pessoas que só conhecem os discos de estúdio poderiam encontrar algo que desconhecem, e este álbum documenta a verdade do grupo neste momento”.
“Resumindo”, acrescenta José Salgueiro, mestre percussionista do grupo, “os Gaiteiros ao vivo são mais emotivos.
Das duas sessões, terá sido a segunda a mais produtiva já que dos 20 temas que compõem “Dançachamas” apenas dois foram gravados na véspera. Salgueiro realinhou posteriormente as canções de forma diferente da que foram interpretadas no CCB, segundo a lógica do dj, “sem necessidade de muitos ‘overdubs’ e com a preocupação de encadear os temas uns nos outros. “O ambiente que uma deixa inspira a que vem a seguir”.
Em “Dançachamas”, por motivos ligados à produção, o som da gaita-de-foles está mais em evidência do que nunca. Neste ponto da conversa Paulo Marinho, gaiteiro-mor do grupo, lançou-se numa longa dissertação sobre o celtismo ou não celtismo dos Gaiteiros (eles inclinam-se mais para a segunda escolha), concluindo Carlos Guerreiro que o grupo tem mais pontos em comum com a música árabe e africana do que com as sonoridades bárdicas do Norte. “Somos uma banda mediterrânica”, afirma com um enorme ponto de exclamação, “e mais, assumimo-nos como os criadores de uma música Neo-bárbara!”. Sentimo-nos obrigados a concordar deixando para já de parte a sugestão para os Gaiteiros gravarem um dia um “reel”. Apesar de tudo participaram há pouco tempo no mais recente álbum do grupo galego Chouteira, “Folla de Lata”, mas a verdade é que a colaboração resultou numa notória gaiteirização da música, o que só abona a favor da personalidade dos portugueses. “A nossa preocupação é fazer coisas que nos dêem gozo, se amanhã pegarmos numa guitarra e acharmos que um acorde até é giro, não temos problemas em ir para a frente”, acrescenta o multinstrumentista José Manuel David, numa alusão a um possível rompimento com a exclusividade, mantida nos três primeiros álbuns, das palhetas e percussões no som dos Gaiteiros. “Desde que esteja dentro do espírito do grupo”.
Chave tripla. Como não podia deixar de ser num álbum com estas características, os Gaiteiros chamaram para as sessões de gravação um naipe de convidados. Sem surpresa, colaboram em “Dançachamas” as Vozes da Rádio, Danças Ocultas, Tocá Rufar e José Mário Branco, este último, com alguma estranheza, bastante apagado no seu papel de elemento do coro. “Foi uma coisa íntima. Sentimos que era mais importante saber que o José Mário estava connosco do que propriamente fazê-lo sobressair. Esteve nos nossos corações”.
Em relação ao próximo trabalho de estúdio, “já há ideias” e ninguém sente a mínima ponta de pressão. Até porque, como Carlos Guerreiro garante na brincadeira, “já existe material de sobra para lançar nos próximos tempos em triplo-álbum semanal”. Nos intervalos desta “verve” criativa, Guerreiro continua a investir na sua faceta de construtor de novos instrumentos, como os Túbaros de Orfeu, o orgaz ou o cabeçadecompressorofone. “Estou permanentemente a pesquisar coisas, ainda não houve foi uma que resultasse” (risos). Já pronta para entrar na fase de ensaios está um novo modelo de harpa da sua autoria – “uma harpa fálica!”.
Se existe algo que jamais desaparecerá da música e da atitude dos Gaiteiros de Lisboa é o sentido de humor. “Dançachamas” esteve para se chamar “uma Chama Viva onde quer que Viva”.