UHF – “Comédia Humana”

Pop Rock

25 SETEMBRO 1991

IMPOSSÍVEL MUDAR DE VIDA

UHF
Comédia Humana
LP/MC/CD, BMG

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Observemos o objecto em questão de uma dupla perspectiva. De um ponto de vista objectivo (admitindo que a objectividade é possível em crítica), o novo álbum dos UHF pouco ou nada adianta em relação a obras anteriores, por muito que os próprios músicos ou os representantes da editora queiram fazer crer o contrário. Dito de outra maneira, António Manuel Ribeiro e os seus pares (mesmo que estes últimos constantemente se renovem) criaram um estilo definido, emblemático de um certo rock português, que persiste me ver o mundo atrás de barricadas e em cultivar, na figura do líder, a imagem do rebelde incompreendido ou do mártir crucificado. Tudo bem. A imagem do rocker de barba rija que vive na estrada e recolhe ocasionalmente ao estúdio para contar as histórias, boas ou más, dessa vida, vale como qualquer outra. O problema reside em que este acaba por ser um mundo fechado, um contar de experiências tornadas excessivamente familiares e repetitivas – falar do “Manel das Mãozinhas” que “anda solto pela cidade” e “aperta a veia que sangra” ou fazer o rescaldo atrasado da guerra do Golfo, em “Comédia Humana”, acaba por soar redundante, sobretudo se tais temáticas forem, como é o caso, tratadas pelo lado mais imediatista. Dizer, por exemplo, que os “homens em armas são a guerra” não abona, com efeito, a favor da imaginação.
Por outro lado, e este é o outro lado da questão, convirá não esquecer qual o destinatário da mensagem e da música da banda almadense. Os UHF são hoje uma banda de massas, com uma faixa de público espalhada pela província (são constantes os apelos de António Manuel Ribeiro a uma distribuição maciça dos discos da banda por todo o território nacional, até à mais ínfima banca de feira), sensível ao toque populista e ao “discurso do herói”, porta-voz dos mundos de aventura suburbanos. Para toda esta imensa multidão de consumidores, a imagem, a música e as palavras directas dos UHF e do “mito nacional” António Manuel Ribeiro constituem como que um cerrar fileiras, um “bunker” onde se abrigam mil ilusões e anseios.
Qualquer mudança, no estilo e ou na atitude, torna-se difícil. Condescende-se e mudar o acessório, no caso de “Comédia Humana”, uma acentuação mais forte em arranjos pop, para que, no fim, tudo fique igual. Eis o drama, dos UHF ou de outras bandas que, tendo vencido à custa de um projecto talvez demasiado personalizado, não conseguem, não podem ou não querem arriscar a “fuga para a frente”. Para além de todas as teorizações, permanece a energia de sempre e o empenhamento sincero de AMR, o tal Jim Morrison português que, no título-tema, não se coíbe em demonstrar o seu afecto pelos Doors, na repetição enfática de “n’America” (alusão explícita a “L’America”, de “L. A. Woman”) ou na citação de “o Oeste é o melhor” (“West is the best”, em “The end”). “É do zero que eu vou partir”, canta AMR, em “Do zero”. Custa a acreditar. ***



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