Madonna – “A Parte De Baixo – Integra O Especial Madonna – Artista Integral, Em Que Jorge Dias Escreve ‘Da Cintura Para Cima’ E Luís Maio Escreve ‘O Umbigo'” (na capa)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 30 MAIO 1990 >> Videodiscos >> Na Capa


A PARTE DE BAIXO
Integra o especial Madonna – Artista integral, em que Jorge Dias escreve “Da Cintura para Cima” e Luís Maio escreve “O Umbigo”


Nunca achei Louise Ciccone uma rapariga bonita. Muito menos “sexy”. Músculos a mais, loura demais, ar inequivocamente ordinário, as fotografias da “Playboy” nada de mais. Só até certo ponto compreendo as reações de patético delírio e salivar abundante, provocadas por esta estrelinha de segunda grandeza, nos cérebros anestesiados de grande parte da população planetária. Este artigo é uma espécie de investigação. Uma tentativa de penetrar nos mistérios neuronais dos mais afetados. O disco “I’m Breathless” é a pedra de toque deste humilde mas empenhado contributo para a explicação do mito.
Como decerto já todos notaram, Madonna foi seccionada, ou melhor dizendo, sexionada em três fatias. Coube-me a de baixo, em princípio a mais desejada, correspondente à zona fulcral da gygjwefa (tosse) e do tfgfcu (tosse) e por aí fora descendo pelas pernas e terminando nos pés. É fácil explicar o apelo da parte superior, onde geralmente se situam as duas kgfolihtgs (tosse) frontais. Em cada homem habita uma criança nostálgica, saudosa do néctar que a fez medrar. E como são cheias as kgfolihtgs (tosse) de Madonna. Mas deixo isso ao Jorge. Para um umbigo, parte menos melindrosa, mas mais desinteressante do ponto de vista da manutenção da espécie, é necessário recorrer à metafísica. Foi o que o Luís fez. Na parte que me coube (metaforicamente falando, claro) convém ter um certo cuidado na utilização (também metafórica) dos termos anatómicos.
Comecemos pelo mais fácil: os pés e – porque não? – as pernas. Com este novo disco, a loura aprendeu a andar com pés alheios. Logo de entrada (atrever-me-ia a chamar-lhe “pezinhos de coentrada”), os de Liza Minelli e o “glamour” decadente e, na voz de Louise, estapafúrdio, de “Cabaret” revisitado. Prossegue na veia dos velhos musicais da meca do cinema, sem tirar nem pôr. Depois, há algo estranho pelo meio, como a música dos desenhos animados dedicada ao herói de BD Dick Tracy (recorde-se que o álbum se subintitula “Music From And Inspired By The Film Dick Tracy”). Acrescente-se uma dose bem aviada de “vintage” Madonna e está encontrada a receita que não cura, antes perpetua a doença, variando os penteados, as cores do cabelo e os vestidos, mantendo intacto o vazio essencial, aspiradores das líbidos e dos dólares. O ato de sugação é assegurado (sem remédio que valha à maioria) pela exposição sabiamente administrada das citadas partes mais melindrosas e suscetíveis de manter a imaginação (e não só) bem oleada.
Louise Ciccone é a personificação de todas as perversões: as da indústria discográfica e as outras “que têm como pano de fundo o desvio fdiregfxual” (Sigmund Freud, in “Drei Abhandlungen Zur Fdiregfxual Theorie”). De facto… (tosse).

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