Maura O’Connell – Entrevista –

Sons

29 Agosto 1997

Lar doce lar

Maura O’Connell nunca se considerou uma cantora tradicional, embora tivesse feito parte dos De Danann. Um almoço glorioso e uma sessão de canto numa quinta com Dolores, Rita e Sarah Keane contribuíram para a gravação do seu novo álbum, “Wandering Home”, a descoberta da alma irlandesa e do caminho de regresso para casa.


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Da Irlanda para a América e de novo para a Irlanda é o percurso desta cantora que, juntamente com Dolores Keane – que considera a maior – e Mary Black, é uma das maiores vozes irlandesas da velha guarda. Depois de uma passagem pelos De Danann, dedicou-se a cantar autores contemporâneos, como Richard Thompson, no novo álbum “Wandering Home”, que interpreta com o histrionismo de uma verdadeira atriz.
PÚBLICO – “Wandering Home” é um retorno às suas origens irlandesas, diferente dos seus álbuns anteriores, onde interpreta temas de vários compositores e o som é mais americano…
MAURA O’CONNELL – Como eu, há muitas pessoas que viajaram pelo mundo e se interessaram por outras músicasm além da do seu país natal. Habituamo-nos de tal forma à música que nos está mais próxima que a tomamos como algo natural, sem a valorizarmos o suficiente, ao ponto de acharmos mais interessante o que ouvimos lá fora. Até que chega um dia em que nos apercebemos da sua beleza, quase como turistas. Na verdade, nunca prestara atenção suficiente à música irlandesa, mesmo nos dois anos em que estive nos De Danann, a única experiência que tive com a música tradicional.
P. – Na contracapa do disco refere, como uma das razões que a levaram a esta aproximação, o ambiente familiar da sua infância, passada na casa em Ennis…
R. – Sim, mas em minha casa os meus pais ouviam sobretudo ópera, por isso não se pode dizer que tenha crescido a ouvir música tradicional, como aconteceu, por exemplo, com Dolores Keane. É verdade que este disco é um regresso a casa, mas nos meus álbuns anteriores já havia temas irlandeses, embora contemporâneos, canções de Paul Brady ou de Gerry O’Beirne. Nunca me senti uma cantora tradicional, falta-me a naturalidade. Considero-me antes uma cantora que canta o que quiser.
P. – Falou em Dolores Keane. Nas notas de capa menciona também uma tarde memorável passada com ela e com as suas tias, Sarah e Rita, determinante na gravação de “Wandering Home”…
R. – Foi um dia mágico, num Verão em que não parou de chover na Irlanda. Mas este foi diferente, maravilhoso. Elas vivem numa quinta antiga, no condado de Galway. Estavam lá 30 ou 40 pessoas, a equipa toda da digressão. Ofereceram-nos um almoço magnífico e, a seguir, começaram a cantar, com toda a naturalidade. Já as conhecia antes, elas são famosas nos círculos tradicionais, mas foi a primeira vez em que a sua música me afetou profundamente. Não sei se por causa da informalidade da situação, a simples visão de as ver cantar. Fiquei completamente apaixonada pelo som e pelo sentimento. Para algué, como eu, que sempre gostou de música soul americana, impressionou-me a alma com que as duas cantavam. Abriram-me os olhos. Percebi que também havia soul na música irlandesa.
P. – Por que razão foi viver para Nashville?
R. – Os meus interesses estiveram sempre voltados para a música americana. Mas nos anos 80 a minha carreira desenvolveu-se na Irlanda, depois de deixar os De Danann, quando comecei a gravar os primeiros álbuns a solo. Acontece que a Irlanda é um país demasiado pequeno para albergar a quantidade incrível de cantoras tradicionais que lá existem. Depois, fiz muitos amigos na América, como o meu produtor Jerry Douglas, que me fazem sentir muito bem aqui. E o meu marido é americano. Tenho sorte em poder trabalhar também na Irlanda, como no projeto “A Woman’s Heart”.
P. – O que pensa desse projeto?
R. – Vendeu milhões. Foi aquele que obteve mais sucesso, de todos aqueles em que me envolvi. Um encontro das cantoras mais velhas, como Dolores Keane, Mary Black e eu, com as mais novas, Frances Black e Eleanor Shanley.
P. – A propósito, que opinião tem de Dolores Keane, a cantora que a antecedeu nos De Danann?
R. – Dolores é a rainha. Em absoluto, a melhor cantora de todas.
P. – É ou era?
R. – Bem, ainda acredito que, numa noite boa, Dolores não tem rival. Lembro-me de a ver, há uns anos, em frente ao microfone, era como se a música viesse diretamente da terra.
P. – Voltemos a sua casa e à música que ouvia…
R. – Que não era tradicional, mas do tipo de ópera ligeira, como algumas das canções deste álbum, “I hear you calling”, composta por John McCormack, ou “Down by the Sally gardens”, em oposição ao registo mais tradicional de “Down the moor”, por exemplo, que surgiu da audição da música dos De Danann e de outros grupos dos anos 70. Mas a minha memória está mais povoada com coisas do estilo de “lullabies” de Brahms…
P. – O álbum dos De Danann em que participa como vocalista principal é “The Star Spangled Molly”. A seguir abandonou o grupo. Porquê?
R. – Como já disse, nunca me considerei uma cantora tradicional. Eles dizem que me convidaram depois de me terem ouvido cantar num bar, numa festa. Eu acho que foi por o empresário deles me conhecer… Fui a primeira cantora a cantar com eles depois de Dolores Keane, que esteve com o grupo por volta de 1974, 1975. Após uma fase com cantores masculinos surgi eu, iniciando-se um período de dez anos dos De Danann com vocalistas femininas. O convite inicial era para os acompanhar durante seis semanas numa digressão pela América. Disse-lhes que não conhecia nenhuma canção tradicional, mas para eles estava tudo OK. O que eu fazia nessa altura, e continuei a fazer depois de sair do grupo, era cantar canções de autores de que gostava, como Bonnie Raitt, Emmylou Harris, “Mississipi” John Hurt, velhos blues.
P. – Mas nesse disco canta praticamente só tradicionais…
R. – Sim, mas a verdade é que o único tema vagamente tradicional que trouxe comigo quando entrei para o grupo era “Maggie”, escrito em Chicago em 1850, que um amigo meu tocava na guitarra como um blues urbano. Isto para se perceber que a maior parte dos temas de “The Star Spangled Molly” foram compostos ou compilados na América, embora toda a gente os tenha aceite como canções irlandesas.
P. – A era dos chamados “Dias da rádio”, que dá uma atmosfra especial a esse disco e que também está presente neste seu novo álbum numa canção como “I hear you calling”, não é verdade?
R. – Precisamente. John McCormack, um tenor, cantava esse tipo de reportório. Toda a gente fala dos tenores irlandeses, ele era “o” tenor irlandês. Esta era também a música que ouvia em casa dos meus pais, mas quando se é novo não se quer saber da música que os pais ouvem. Há uns anos comprei uma série de CD de McCormack e foi aí que descobri essa canção, composta em 1926.
P. – Antes de “The Star Spangled Molly” já tinha cantado noutro álbum dos De Danann, “Anthem”, numa versão de “Let it be” dos Beatles…
R. – As vozes principais pertenciam a Mary Black e Dolores Keane. Eu fazia apenas o coro. Não cantei em mais nenhum álbum dos De Danann.
P. – Não é verdade. Canta na última canção de “Song for Ireland”, “Barney form Killarney”…
R. – Canto o quê? Não canto nada, não sou eu!
P. – Temos o disco à nossa frente, onde podemos ler “voz de Maura O’Connell”. E ouve-se, de facto, uma voz feminina…
R. – Não pode ser! Tenho que receber os direitos de autor! [risos]
P. – A sua carreira construiu-se, a partir dos De Danann, na América e em Nashville, onde coheceu e colaborou com os New Grass Revival. Isso não a afastou do público irlandês?
R. – Nunca me procupei com isso. Volto a frisar o facto de que nunca fui uma cantora tradicional. O que fiz depois de sair do grupo foi continuar o que já fazia antes. Na Irlanda, apenas meia dúzia de pessoas é que me iria ver num clube folk qualquer. Em Nashville, pelo contrário, logo o primeiro álbum que gravei a solo foi disco de ouro.
P. – Fez parte dos De Danann, mas neste álbum colabora com Donal Lunny e canta um tema de Paul Brady, que pertenceram ambos aos Planxy…
R. – Certo. Paul Brady nasceu, como eu, no condado de Clare. Donal Lunny, que também pertenceu aos Bothy Band, é um tipo formidável. Um dos melhores. A única coisa que tive de fazer foi cantar. O álbum foi gravado em oito dias, um dos mais fáceis da minha carreira e, sem dúvida, o que meu deu maior prazer.
P. – Há no nov álbum uma canção, “Down where the drunkards roll”, de Richard Thompson, onde a tragédia se escreve como um épico. Por que a escolheu, tendo em conta que, como já disse numa outra sua entrevista, gosta de vestir a pele das personagens que canta, assumindo o lado mais teatral da música?
R. – É uma “killer song”. Já a cantava mesmo antes de entrar para os De Danann, com Mike Hanrahan, dos Stockton’s Wing, que são da mesma região que eu, Ennis, com quem formei um duo chamado Tumbleweed. Há anos que a queria gravar, a dúvida estava em onde a encaixar. Finalmente acabei por incluí-la neste álbum irlandês. A minha tarefa é fazer as pessoas sentirem a mesma emoção que eu sinto quando ouço pela primeira vez uma canção. Como um ator que entra na personalidade da personagem, quer se trate de alguém com o coração destroçado ou de alguém que se sente feliz.

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