Pop Rock
10 MARÇO 1993
O SURFISTA DO ESPAÇO
FRANK BLACK
Frank Black (7)
CD 4AD, distri. MVM
Frank Black, aliás, Black Francis, aliás Charles Thompson, ex-vocalista dos Pixies, figura anafada, obcecado por ovnis, pelo espaço sideral e pela música “surf”, acaba de lançar o seu primeiro álbum a solo. Diferente de tudo o que a sua anterior banda fizera até à data.
Ponto final nos Pixies, que ajudaram a encher os cofres da 4AD, mas que, finalmente, parecem ter deixado de estar nas boas graças dos fãs, como aconteceu na sua aparição recente ao lado dos U2 na digressão Zoo TV Tour, realizada no ano passado. Black recusa-se a comentar a dissolução do grupo, negando contudo haver quaisquer razões de ordem musical como causa principal da mesma. Mas alguns diferendos do cantor com a guitarrista da banda, Kim Deal, não serão de todo alheios à separação.
Seja como for, ninguém, a não ser talvez os próprios Pixies, terá ficado a perder. Se a anterior discografia da banda de Bóston – “Come on Pilgrim” (mini LP), “Surfer Rosa”, “Doolittle”, “Bossanova” e “Trompe le Monde” – foi na generalidade bem acolhida pela crítica, que nos Pixies viu continuadores à altura da velha tradição do rock’n’roll, capazes de avançar novas propostas sem contudo renegarem essa mesma tradição, a estreia de Black revela de imediato um autor igualmente apto a receber o mesmo tipo de louvores. Mas aqui a direcção é outra. Frank Black contagiou de melodias a rítmica poderosa dos Pixies. E descobriu-lhe espaço para respirar.
Espantam, em primeiro lugar, os progressos de Frank Black enquanto cantor. O homem, além de gritar e vociferar, capacidade que se lhe reconheciam nos Pixies, tornou-se eficiente no desenho de melodias com requinte. “Frank Black”, com co-produção de Eric Feldman, antigo colaborador de Captain Beefheart, está repleto dessas melodias que não largam o ouvido, assumindo-se a voz do cantor por vezes como um simulacro espectral de Bowie da fase camaleónica. Ou de Neil Young, em dias de maior lassidão. David Bowie está, de resto, bem presente no inconsciente do cantor, como, logo no segundo tema, “I heard Ramona sing”, simultaneamente uma espécie de homenagem aos Ramones, os arranjos dão a entender.
Para além de Bowie, também os Velvet Underground, Anthony More (quem o conhece do monumental “Flying Doesn’t Help”?), os Beatles e os Beach Boys constam do lote de influências. Dos Beatles conservou Black a colecção e a inspiração de quase todos os seus álbuns, os primeiros que adquiriu quando deu os primeiros passos na música. Quanto aos Beach Boys, Frank Black nunca escondeu a admiração por Brian Wilson e pela “surf music” da costa oeste dos Estados Unidos. “Hang on to your ego”, primeiro single extraído do álbum, é uma versão de “I know there’s an answer”, que faz parte da mítica obra dos Beach Boys, “Pet Sounds”.
Depois há a hábil utilização de computadores e samplers que pintam pormenores orquestrais alheios aos Pixies e textos que sintetizam, de forma oblíqua, algumas taras do músico: o cosmos – tornado obsessão desde o dia em que os pais lhe contaram ter visto um sem [sic], todavia, lhe adiantarem mais pormenores –, a cidade de Los Angeles, melhor dizendo, uma das inúmeras Los Angeles espalhadas pelo mundo, neste caso na Patagónia, e outras equações poéticas de difícil resolução. Curioso, o que o autor diz sobre a observação do céu: “Aquilo que existe no céu fazia mais parte da cultura humana antes do aparecimento da electricidade. Agora sai-se de um dia e entra-se noutro, artificial. Habituámo-nos a viver sob luzes artificiais. As pessoas já não sabem navegar orientando-se pelas estrelas.” Em “Frank Black” há essa viagem pelo caminho das estrelas, comandada pela intuição. E neste caso, paradoxo astronómico, o capitão insiste em recusar o estatuto de estrela. Ironiza: “Gosto de que as pessoas me mistifiquem, me tomem por uma personagem de rock’n’roll, porque isso faz vender os discos”, declarou recentemente numa entrevista concedida ao jornal musical britânico “New Musical Express”.
Nessa mesma entrevista, Frank Black declarava-se um optimista. Mas afirma que, se tivesse a possibilidade de partir numa nave espacial em direcção ao desconhecido, não hesitava: ia mesmo, de preferência na companhia da sua mulher. “Frank Black”, o disco, atira o rock para os confins da galáxia – “há neste disco mais material sobre o espaço do que aquele que as pessoas, à primeira vista, podem perceber”. Ziggy Stardust renasceu.