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Vários – “Strauss Edita Arquivos Dos Anos 20 e 30 – Abandonandos Do Amor” (editora | discos antigos)

pop rock >> quarta-feira >> 30.11.1994


Strauss Edita Arquivos Dos Anos 20 e 30
Abandonandos Do Amor


Arquivos do Fado é uma série de compactos que recupera gravações históricas do fado de Lisboa e Coimbra dos anos 20 e 30 de artistas como Armandinho, Maria Emília Ferreira, Madalena de Melo, José Porfírio, Alfredo Marceneiro, Ermelinda Vitória, Dina Teresa, dr. António Batoque, dr. Edmundo de Bettancourt e Artur Paredes, entre outros. Um documento fundamental cujos primeiros quatro volumes já se encontram no mercado, com distribuição Strauss. A que se juntam as colectâneas “Músicas do Fado” e “Biografia do Fado”, lançadas em paralelo pela EMI-VC. O fado, revisto segundo uma metodologia arqueológica, a devolver-nos as vozes e memórias de um tempo em que lhe chamavam a “música dos abandonados do amor”.



O som é péssimo, os ruídos sobrepõem-se às vozes e guitarras, mas nem uma coisa nem outra obstam ao fascínio extraordinário que estas gravações exercem sobre o estudioso ou simplesmente o amante do fado. É o contacto directo com a história e com os nomes míticos, desconhecidos das gerações mais novas, mas que contribuíram para a edificação da Lisboa e Coimbra fadistas, das noites vadias ou das serenatas ao luar.
O material de base é constituído por gravações dos anos 20 e 30 de discos de 78 rotações com os selos Columbia e His Master’s Voice e foi reeditado pela primeira vez em 1992 pela Interstate inglesa, pertencendo a licença para a edição portuguesa à Tradisom, de Macau, que por sua vez é distribuída no continente pela Strauss.
Há mais de 150 anos que o fado se canta nas tabernas e cafés de Lisboa, remontando as memórias ao tempo em que a lendária Maria Severa cantava o fado para o seu amante, o conde de Vimioso. Nessa altura, o fado, a “música dos abandonados do amor”, como então lhe chamavam, era cantado por pessoas tidas por “marginais”: “proscritos, vagabundos de hábitos duvidosos, provavelmente perigosos e, no entanto, com uma intensa aura romântica”, como vem narrado nas excelenetes notas introdutórias assinadas por Paul Vernon que acompanham o primeiro volume da série, “Fado de Lisboa (1928-1936)”.
Datam de 1920 as primeiras gravações fonográficas nacionais, impressas em goma-laca. Em 1925, após uma pesquisa efectuada por D’Arcy-Evans, é autorizado o estabelecimento em Portugal de uma filial da Gramophone Company, na época representada por Valentim de Carvalho, “editor musical e vendedor de pianos”. No Norte, D’Arcy Evans escolhe o Grande Bazar do Porto, estabelecimento “especializado em equipamento eléctrico, brinquedos, novidades e perfumaria”. A competição instala-se. A Gramophone Company, com sede em Hayes, Middlesex, Inglaterra, fixa o selo His Master’s Voice (HMV) no Porto e a Columbia na loja da capital. Com orçamentos estipulados pela empresa-mãe – por exemplo 1460 libras esterlinas para as primeiras edições no Porto -, a HMV e a Columbia fazem deslocar a a Portugal um agente, tendo a seu cargo a direcção artística das edições, e engenheiros de som que se deslocavam, durante períodos normalmente de duas ou três semanas, às casas de fado para ouvir e gravar os artistas escolhidos.
Armandinho, primeiro grande guitarrista a entrar para a lenda do fado, e Alfredo Rodrigo Duarte, por alcunha “o Marceneiro”, são os dois nomes mais conhecidos do primeiro volume da série. O primeiro presente nos temas “Ciganita”, “Fado do Ciúme” e “Variações em lá menor”. Marceneiro numa gravação de 1936, com “Olhos fatais” e 2Cabelo branco”. Também presentes estão Maria Emília Ferreira, Madalena de Melo, José Porfírio, Maria Silva, Maria do Carmo Torres e Ermelinda Vitória.
“Fado de Coimbra (1926-1930)” inclui gravações do dr. Edmundo de Bettancourt e de Artur Paredes, além de outras personalidades do fado coimbrão, como dr. António Batoque, José Joaquim Cavalheiro Jr., dr. Lucas Rodrigues Junot e José Paradela d’ Oliveira. Vale a pena ler a deliciosa narrativa do encontro dos ingleses e americanos com os doutores, principalmente advogados, intérpretes do fado de Coimbra. “É doutorado em música?”, pergunta um americano a um tal dr. Serra sobre um determinado cantor coimbrão. “Não, é jurista”, responde o advogado. “Nós, na nossa profissão, gostamos de pensar que temos os melhores cantores e guitarristas.”
As mulheres ocupam a totalidade do volume III dos Arquivos do Fado, em “As Fadistas de Lisboa (1928-1931)”: Madalena de Melo, Celestina Luísa, Maria Silva, Adelina Fernandes; e Dina Tereza, voz do Solar da Alegria e a actriz que desempenhou a protagonista no primeiro filme sonoro português, “A Severa”. A presente edição inclui a gravação, primeira ao fim de 63 anos, do “Novo fado da Severa”, por Dina Tereza.
O quarto volume da série recupera as sessões do guitarrista Armandinho para a HMV, efectuadas em 1928 e 1929, estando previsto que os próximos volumes dos Arquivos do Fado incidam de igual modo num único artista.

“História Do Fado Custa Um Milhão De Euros” – “Espólio Nas Mãos De Coleccionador Inglês” (artigo de opinião)

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sexta-feira, 2 Maio 2003


História do fado custa um milhão de euros

ESPÓLIO NAS MÃOS DE COLECIONADOR INGLÊS

Um milhão de euros é quanto pede Bruce Mastin pela sua valiosa coleção dos primórdios do fado. São cinco mil discos raros, de 78 rotações. A proposta de compra vai ser feita nos próximos dias



O fado vende-se. O fado compra-se. O fado paga-se. Paga-se e bem, sobretudo quando se trata de um espécime raro. Imagine-se um espólio de cinco mil discos de 78 rotações, a maior parte deles inéditos, remontando as gravações mais antigas, ainda em cilindro de cera, a 1904. Este espólio existe, mas está nas mãos de um inglês.
O fado é nosso. Pois é. Mas quem tem uma parte importante dele é o britânico Bruce Mastin, colecionador. Acontece que Mr. Mastin, sabendo do interesse do Estado português em adquirir a preciosidade que, em meados do século passado, adquiriu num armazém de Lisboa por tuta e meia, até compreende e aceita as razões lusitanas, mas, desfazer-se dela, só a troco de um cheque de um milhão de euros.
E vale esse dinheiro? Se vale! Nesses cinco mil discos está impressa a origem do fado gravado, quando, em 1926, a companhia inglesa Gramophone, com sede em Hayes, Middlesex, estabeleceu filiais em Lisboa (na Valentim de Carvalho) e no Porto (no Grande Bazar do Porto). As duas fábricas de gramofones e discos encetaram então um intenso processo de gravação de discos, com orçamentos que previam o pagamento aos artistas, aluguer das salas de gravação, publicidade, salário dos engenheiros de som (Fleming e Draycott, assim se chamavam os dois técnicos que a firma inglesa fazia deslocar a Lisboa para o efeito), equipamento, etc… As sessões duraram até 1936, a II Grande Guerra estalou entretanto e a Gramophone Company deixou Portugal, abandonando o espólio que o sr. Mastin teve a sorte de encontrar.
Entre as históricas gravações contam-se os nomes de Reinaldo Varela, José Bastos, Isabel Costa, Almeida Cruz, Eduardo de Souza, Rodrigues Vieira, Delfina Victor e Maria Victoria, todas registadas em 1904. Mais recentes, há 78 rotações de, entre outros, Maria Alice, Manassas de Lacerda, Avelino Baptista, Estêvão Amarante, Madalena de Melo, Maria Emília Ferreira, Júlia Florista, Maria do Carmo Torres e dos míticos Ercília Costa, Berta Cardoso, António Menano, Edmundo de Bettencourt, Armandinho e Alfredo Duarte (Marceneiro). Fado como se cantava nos cafés Vitória ou Luso, este último descrito no início dos anos 30 pelo musicólogo Rodney Gallop como “um retângulo amplo, cuja entrada era interdita aos portadores de bonés ou boinas”.

Peças únicas
Tudo isto existe, tudo isto é triste (enquanto não passar para cá), tudo isto é fado. Que fazer, então, para que deixe de ser triste? João Pinto Sousa, diretor da empresa Corda Seca, especializada em iconografia do fado, e elemento da associação Movimentos Perpétuos, quer ir pessoalmente a Londres e trazer o tesouro para Portugal, custe o que custar. De preferência, menos do que o milhão de euros pedidos pelo sr. Mastin (uma “exorbitância”), mas se for mesmo preciso puxar os cordões à bolsa, paciência.
Antes, já uma comissão oficial se deslocara a Londres, chefiada por Joaquim Pais de Brito, diretor do Museu Nacional de Etnologia, para testemunhar “a mais-valia e a importância deste espólio para Portugal”, até porque são “os primeiros fados gravados” e urge devolvê-los à pátria onde nasceram. Feita a avaliação, é a vez de João Pinto de Sousa viajar até Londres para tentar convencer o colecionador, o qual, segundo parece, se mostra “sensível” às razões dos portugueses.
Com ligações afetivas à Casa do Fado e da Guitarra Portuguesa, empresa municipal interessada na transação, é nessa condição que João Pinto Sousa recebeu “todo o apoio para poder, também como cidadão”, fazer tudo o que estiver ao seu alcance “para, com algumas boas influências, nomeadamente do próprio Presidente da República, tentar trazer a coleção para Portugal”.
Atingido tal objetivo, os cinco mil discos (dos quais, “pelo menos, 4500 são peças únicas”) serão organizados, digitalizados, integrados numa base de dados e editados numa antologia, “Arquivos do Fado”, pela Tradisom, de José Moças, outra das pessoas empenhadas em recuperar os registos fonográficos “de uma das épocas mais importantes do património musical português” e exemplares cuja importância e raridade são reconhecidas por especialistas do fado como Daniel Gouveia, José Manuel Osório, José Pracana e Luís Filipe Penedo. Recorde-se que nos arquivos atuais do fado os exemplares mais antigos não ostentam data anterior a 1945. A acompanhar esta antologia será editado um trabalho inédito do investigador norte-americano Paul Vernon, com o levantamento de toda a discografia do espólio.

Preço “descabido”
Em teoria, incluindo as necessárias autorizações, está tudo pronto. Falta apenas trazer o material e, claro, falta o dinheiro para o pagar. Pinto de Sousa tentará fazer descer o preço. O dinheiro não virá do Estado – “O Ministério da Cultura (MC), através do POC, só pode apoiar a futura gravação, digitalização, reprodução, não a compra efetiva” –, mas de uma série de mecenatos, como bancos, que Pinto de Sousa procurará angariar, com base nos apoios do próprio MC, da Casa do Fado, da Câmara de Lisboa e da Presidência da República.
Mas um milhão de euros é um preço “descabido”: “Admito que, do ponto de vista comercial, o homem seja justamente renumerado, mas o peso do que estaria em cima da balança é o de algo que é pertença de uma certa alma portuguesa. Vou tentar que ele desça à terra e seja sensível aos argumentos românticos desta história”.
Mesmo que Bruce Mastin não desça à terra, João Pinto Sousa defende que o negócio tem que ser feito. “Há coisas que não têm preço, e este seria um dinheiro bem gasto”. Além disso, dado as primeiras gravações datarem de 1904, “era bonito em 2004, já que vamos ter a Europa a olhar para nós por causa do futebol, podermos ter também um centenário do fado”.