Comus – First Utterance (conj.)

08.08.1997
Não Tenham Medo, Eles Só Precisam Da Vossa Amizade
Passados 25 anos sobre a época mais produtiva e estimulante do progressivo, entre 1970 e 1974, o prazer está na busca dos pequenos e grandes tesouros que se ocultam nas bandas menos conhecidas, embora algumas delas sejam dignas de figurar ao lado dos seus pares bem sucedidos.

Para os pesquisadores, a vaga de reedições de música progressiva dos anos 70 que tem chegado à discoteca Torpedo constitui material de consulta essencial. Torna-se possível a descoberta de nomes e segunda linha que, por este ou aquele motivo, nunca lograram a mesma projecção mediática ou o sucesso alcançado pelos nomes que constam nas enciclopédias mais generalistas. Nomes como King Crimson, Gentle Giant, Van Der Graaf Generator, Yes, Genesis, Jethro Tull ou Emerson, Lake and Palmer, para só falar dos ingleses.
Passados 25 anos sobre a época mais produtiva e estimulante do progressivo, entre 1970 e 1974, o prazer está na busca dos pequenos e grandes tesouros que se ocultam nas bandas menos conhecidas, embora algumas delas sejam dignas de figurar ao lado dos seus pares bem sucedidos. Já aqui escrevemos, há tempos, sobre os álbuns dos CMU (“Open Sppaces” / “Space Cabaret”), Tonton Macoute (“Tonton Macoute”), Spirigyra (“ST. Radigunds”) e Beggars opera (“Waters of Change”). A estes acrescente-se agora “First Utterance”, dos Comus, “(Have No Fear, I Only Need Your) Friendliness”, dos Stackridge, “Time Is…” dos Raw Material, e “Sea Shanties”, dos High Tide.

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“First utterance”, dos Comus, é um dos clássicos menosprezados dos 70. David Bowie descobriu o grupo em 1969. Infelizmente para os Comus, Bowie não constituiu grande ajuda, já que ele próprio, nessa época, lutava para sair do anonimato. A crítica não soube o que fazer, na data da sua edição, em 1971, com “First Utterance”. A revista “Sounds” definiu o tema de abertura como “o cruzamento entre uma versão histérica do coro das bruxas de McBeth com guinchos de Marc Bolan a ser estrangulado até à morte”. Na “Record retailer” falou-se numa “cacofonia de sons incoerentes”. O crírtico da “Record Mirror2 foi mais sucinto: “Soa aos T. Rex a 94rpm.” Houve apreciações favoráveis, como a de John Peeel, mas mesmo nestas perpassava uma evidente perplexidade. Opinião unânime era a deque não havia, então, mercado para o tipo de música que os Comus tinham para oferecer.
Volvido mais de um quarto de século, continua a assustar esta mistura endemoinhada (e agora remasterizada) que aliava a teatralidade vocal dos Genesis com um gosto por melodias clássicas, de uma forma esquizofréncia, e cosntantes desvarios do violino e do oboé, prenunciadores de um free rock extemporâneo. Alguns anos mais tarde, os Comus foram aceites pela Virgin, para a qual gravara, “To Keep From Crying”, um álbum mais acessível que contava com as colaborações de Lindsay Cooper, dos Henry Cow, e Didier Malherbe, dos Gong. (See for Miles, 8)
Delicioso é o termo que melhor define, e abreviando o título, “Friendliness”, dos Stackridge, um grupo de pop progressivo que se tornou conhecido sobretudo pelo lado cómico-provocatório das suas prestações ao vivo. Em disco, porém, a doçura de canções como “Lummy days”, o luminoso instrumental, “Friendliness”, “Syracuse the Elephant” ou o impagavelmente intitulado “Father Frankenstein is behind your pillow” estavam ao mesmo nível da excentricidade e de um talento inato para a composição demelodias que deviam tanto aos Beatles como à poesia rural de um álbum como “Treason”, dos Gryphon. (Repertoire, 8)
Em “Time is…”, segundo álbum dos Raw Material, esta banda não escondia que os seus heróis eram os Van Der Graaf Generator. “Ice queen” é uma emulação dos “riffs” típicos da banda de Peter Hammill, com o seu saxofonista e flautista, Michael Fletscher, a fazer uma imitação razoável de David Jackson. Faltava, era claro, aos Raw Material o génio de Hammill, mas a combinação demelodias psicadélicas com longas passagens instrumentais, nos sopros e teclados, de temas como “Empty houses” ou “Insolent lady” conferiam a este disco uma aura de amgia peculiar, embora toda a segunda parte não consiga manter a mesma criatividade, socorrendo-se de alguns “clichés”, já então estafados, do cósmico-progressivo à maneira dos Hawkwind. (Repertoire, 7)
Também interessante é “Sea Changes”, dos High Tide, um “power-trio” alucinado impulsionado pela guitarra de Tony Hill e com a loucura adicional do violino eléctrico de Simon House, futuro elemento dos Hawkwind e esporádico acompanhante de Bowie. Veja-se aqui a versão britância e, apesar de tudo, mais elegante dos energúmenos alemães Guru Guru. Curioso mas massacrante em último grau. (Repertoire, 6)
Falta acrescentar que se encontra escondido nas prateleiras da “megastore” da Virgin o “Second Album” dos Curved Air, onde a voz de Sonja Kristina, o violino de Darryl Way e os tecladfos de Francis Monkman ensaiavam, de forma magnífica, a sua visão de uma música rock com pretensões sinfónicas, que haveria de pulverizar-se no conto de fadas surreal e experimental do ´lbum seguinte “Phantasmagoria”, uma das chaves-mestras de todo o progressivo. (Warner Bros. import. Loja Virgin, 8)
Para ler e consultar, encontra-se disponível na discoteca Planeta Rock a versão inglesa da enciclopédia de grupos progressivos italianos editada pela Vinyl Magic. Reúne farta informação, com discografias completas, entrevistas, reprodução de capas e, como bónus, um CD. Com ela chegaram também os álbuns de algumas dessas bandas: Stormy Six, Quella Vecchia Locanda, Corte dei Miracoli, The Trip, Delirium…

Maddy Prior – Flesh and Blood (conj.)

25.07.1997
Três Inglesas Românticas
A folk britânica está nas mãos de três mulheres. São inglesas e têm uma visão romântica da música tradicional, enquanto projecção de estados de alma subjectivos ou lugar onde as forças cósmicas confluem no indíviduo. A alegria, em eliza Carthy. A sensualidade, em Kathryn Tickell. A magia em Maddy Prior. Entre cada uma delas existe uma diferença de idades de mais ou menos dez anos, começando em eliza e acabando em Maddy. Aproxima-as a entrega à música que amam. E uma visão: de que a Tradição é algo sempre vivo e inacabado.

Eliza Carthy é a mais nova das três. Filha de pai e mãe ilustres, Martin Carthy e Norma Waterson, gravou com eles um par de álbuns de luxo que vieram reorientar a “folk” inglesa no sentido de ajustamento ao veio mais sólido da tradição, “Waterson: Carthy” e “Common Tongue”.
Só que no seu novo álbum, “Eliza Carthy & The Kings of Calicutt”, a jovem Carthy decidiu romper com os progenitores, pondo os seus talentos de violinista e vocalista ao serviço de uma música com outro tipo de energia que deve tanto às danças “morris” como ao rock. A sua ligação aos Kings of Calicutt – quarteto de bateria, baixo, acordeão-vox e saltério-voz – corresponde, no fundo, a um fenómeno de retorno periódico dos “folkers” ingleses ao “folk rock”, dando razão aos que não encontram nas bases tradicionais material suficiente para uma progressão e manutenção, a longo prazo, no sentido da sua modernização. Exemplos não faltam: dos Fairport Convention aos Steeleye Span, dos Fotheringay aos Woods Band, dos Home Service aos Albion Band, dos New Celeste aos Pyewackett, dos Whippersnapper aos Blowzabella.
Com o quarteto, uma secção de sopros (na velha tradição dos Brass Monkey, Albion Band e Home Service, mas também da música do princípio do século, como foi recriada pelos New Victory Band) e o violinista convidado, John McCusker, dos Battlefield Band, o grupo recria de forma eficaz os “jigs” e demais danças da praxe, por vezes num registo próximo do “bluegrass”, resguardando-se os instrumentos solistas numa linguagem mais tradicional, enquanto a secção rítmica se socorre dos compassos rock. Como vocalista, Eliza continua a evoluir a passos largos. Ouçam, para comprovar, a profundidade a que já consegue chegar, em “Mother, go make my bed”. Imagine-se a música dos pais, sem o tom épico do pai e da tragédia da mãe, aumentada pela alegria juvenil de quem já reservou o seu lugar na História. (Topic, distri. Megamúsica, 8)

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Maddy Prior, essa já ocupa o seu há muito tempo. Para esta cantora carismática, o tempo tem sido repartido, nos últimos tempos, pelo seu grupo de sempre, os Steeleye Span, as aventuras pela Música Antiga, com os Carnival Band, e álbuns a solo, com ou sem a participação do seu marido, Rick Kemp, também elemento dos Steeleye Span. Depois do fabuloso “Year”, a voz que compartilha com June Tabor os louros de melhor cantora folk inglesa actual regressa com “Flesh And Blood”, que inclui, uma vez mais, um longo tema conceptual, neste caso a suite “Dramatis Personae”, composta de parceria com o marido.
É menor a tensão criativa que pulsava em “Year”. A voz opera prodígios, como sempre, mas sente-se que a altura é de descompressão, de pausa num período de intensa actividade na carreira da cantora. Entram no reportório uma composição de Todd Rundgren e outra do clássico Sibelius, entre três tradicionais e um tema do grupo (Nick Holland, teclados, Troy Donockley, “uillean pipes”, guitarras, “whistles” e cistre, Terl Briant, bateria e percussão, e Andy Crowdy, baixo). Sem sobressaltos, mas também sem grandes rasgos. Um prazer, a abertura de “uillean pipes” na “Finlandia” de Sibelius. Certas facilidades rítmicas, nos restantes temas (aos quais falta, desta vez, a força dos Steeleye Span, que também usaram e abusaram do rock…) eram dispensáveis.
“Dramatis Personae”, com os seus sete segmentos unificados pelo conceito da personalidade e o recurso ao esoterismo e à topografia mágico-biológico dos “chakras” (centros nervosos etéreos), constrói-se em torno de um piano clássico, com assento na “new age”, numa peça que só por simpatia podemos associar à “folk”. Para abreviar, estamos em presença da melhor “folk progressiva”, com mudanças constantes, predominância dos teclados e alternância entre momentos épicos e contemplativos, um pouco à maneira dos Renaissance. Bom álbum, embora inferior ao anterior, “Year”. (Park, distri. Megamúsica, 7)

Quem não se debate com problemas de qualquer espécie é Kathryn Tickell. É bonita, toca “Northumbrian pipes” como se fosse o instrumento mais sensual do planeta e “The Gathering” é daqueles álbuns que faz correr água na boca de princípio ao fim.
As “pipes” provocam arrepios logo a abrir, com “Raincheck”. Não poderiam soar desta forma nas mãos e no coração de um homem. Apetece apertar, beijar quem assim faz da música algo tão próximo do Paraíso sobre a Terra, perdoe-se-me o tom, talvez demasiado literal, da linguagem. É que “The Gathering” pertence àquela categoria de discos onde a análise sucumbe e os sentidos se deleitam. Quanto a técnica, ouçam o tema seguinte, “Lads of Alnwick”, e estamos conversados. O mesmo se podendo dizer, no difícil registo dos compassos lentos e interiorizados, de “Redesdale”.
Na segunda parte do disco, o violino de Kathryn adquire maior predominância, num álbum que ainda por cima é abençoado pelo ecletismo, seja na valsa “cajun”, “La betaille dans la pétit arbre”, seja em dois duetos alucinantes com a harmónica de Brendan Power. Quem ainda chora a saída do grupo da acordeonista Karen Tweed pode ir secando as lágrimas – “The Gathering” é um dos grandes discos deste ano. (Park, distri. Megamúsica, 9)

Mathias Grassow – In Search Of Sanity

21.05.1997
Mathias Grassow
In Search Of Sanity
NO-CD, DISTRI. ANANANA

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No projecto do compositor irlandês de música electrónica Mathias Grassow pode vislumbrar-se um objectivo idêntico ao dos Tangerine Dream, quando este grupo alemão gravou, em 1969, o seu álbum de estreia, “Electronic Meditation”: a viagem ao interior do cérebro e do psiquismo humano. Compare-se, aliás, as respectivas capas. Mas, enquanto que nos germâncios este passeio pela mioleira se saldava numa combustão violenta dos neurónios, ou não andassem os TD, por essa altura, a estudar metodicamente as vantagens científicas oferecidas pelo uso do LSD, grassow remete essa viagem para os domínios do “trance” e da religião. “In Search of Sanity”, procura de sanidade empreendida através da “solidão” e da “peregrinação” interiores, leva uma dedicatória “silenciosa” aos monges de Skellog Michael. Música ritual, no verdadeiro sentido do termo, não anda longe da de Steve Roach, embora revele um pragmatismo, um aspecto funcional. ”Conjuration”, por exemplo, é indicado para acompanhar exercícios de tantrismo) que nunca chega a ser sistematizado pelo californiano. Não faltam as “drones” iniciáticas de um didgeridu, canto tibetano sintético e ritmos tribais, a este trabalho e condução mental que inclui duas referências directas ao misticismo celta irlandês, em “Donegal” e “Kilrae”, culminando nos 21m40s de “countenace of extinction”, banda sonora do minuto seguinte ao holocausto. (8)