Pop Rock
29 de Março de 1995
álbuns world
VOZES DO SUL CHAMAM POR NÓS
ALLA
Taghit (8)

BALY OTHMANI & STEVE SHEHAN
Assouf (8)
Al Sur, distri. Megamúsica

Numa altura em que a Europa, vítima de cegueira e xenofobia crescentes, volta cada vez mais as costas ao Sul, seria bom perceber que a redenção do Velho Continente poderá bem estar na criação de um eixo que passa pelo Mediterrâneo. Os músicos já estabeleceram a ponte. Na Al Sur, um selo com importância crescente na divulgação dos sons oriundos do Magrebe e não só (há um disco de música grega espantoso que muito em breve divulgaremos), um dos lugares de maior destaque é ocupado pelo alaúdista marroquino Alla – Abdellaziz Abdellah de seu verdadeiro nome -, de quem já conhecíamos o álbum “Foundou de Bechar”, gravado nesta mesma etiqueta. “Taghit” vai ainda mais longe na exploração de técnicas consideradas pouco ortodoxas no manuseamento do “oud”, ou “ùd” (alaúde árabe), por um músico que desde criança desenvolveu uma personalidade musical autónoma. O manancial de ideias e soluções melódicas e harmónicas aqui evidenciadas parece ser inesgotável, num “continuum” improvisacional que alia a liberdade à autodisciplina. O canto surge como ponto de fuga e de apaziguamento, enquanto as percussões – angustiantes, no progressivo jogo de polirritmias de “Rythme I” -, a cargo do próprio Alla e de Youval Micenmacher, acrescentam uma dimensão hipnótica extra à sensualidade característica do “Foundou” – uma experiência a exigir total disponibilidade do auditor. O mesmo não acontece com “Assouf”, uma típica obra de “fusão” nascida da colaboração de outro alaúdista, Baly Othmani, com o multinstrumentista norte-americano Steve Shehan (autor de “Arrows”, um dos mais interessantes álbuns da série “Made to Measure”), aqui rodeado de um impressionante arsenal de percussões. Diálogo entre duas culturas, de sinal mais aberto que em Alla, com o coração da África negra a fazer ouvir, ainda mais a Sul, o seu batimento. “Elalama hellala” e “Awegh ohalagh”, possuídos por um “swing” sobrenatural, formam o contraponto ideal para o formalismo gelado das recentes canções do Norte recuperadas por Hector Zazou. Entre o classicismo de “Kel akalin” e a noite virtual de “Assarouf ezellé”, embalada pela lengalenga dos grilos registada numa “ambient atmosphere” recolhida no Bali, “Assouf” faz a demonstração cabal de que a palavra “fusão” não é nenhum tabu, quando os ensinamentos da dialéctica são correctamente interpretados. Ou seja, que do encontro entre duas unidades pode, ao invés da dissolução (confesso que nunca fui grande apreciador de sopas…), nascer uma unidade nova. O mesmo é dizer, a música de um mundo novo.

















