Leon Rosselson – “Guess what They’re Selling at the Happiness Counter”

Pop Rock

19 de Abril de 1995
álbuns world

Adivinhem o lado escuro da cidade

LEON ROSSELSON
Guess what They’re Selling at the Happiness Counter (10)

Fuse, distri. MC-Mundo do Canção


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Grande, enorme disco, este. Não só pela sua duração, setenta e três minutos, mas pelo talento, enorme, deste velho “leão” inglês para criar melodias com uma limpidez e uma acutilância do tamanho da Albion inteira. “Guess what…” é uma compilação de temas dos álbuns “Hugga Mugga…”, “If I Knew who the Enemy Was”, “For the Good of the Nation”, “Temporary Loss of Vision”, “Palaces of Gold”, “I Didn’t Mean it” e “Love”. Leon Rosselson pertence à estirpe dos cantores para quem o canto implica a participação empenhada e a crítica social. Com uma grandeza igual à de Christy Moore, na Irlanda. Dele já conhecíamos o álbum “That’s not the Way it’s got to be”, de parceria com Roy Bailey, outra voz atenta e interventiva, actualmente nos Band of Hope. Mergulhando as suas canções na raízes das velhas “working songs” e canções de protesto urbanas, Leon Rosselson jamais se deixa apanhar nas malhas da demagogia, mantendo em vez disso uma visão irónica que alia a uma excepcional capacidade para construir melodias das que se agarram como sanguessugas. O humor, quase sempre corrosivo, pode ser apreciado em canções como “Hugga mugga chugga lugga humbugga boom chit” (uma “mensagem mística que nos conduz ao coração das coisas…”), “On her silver jubilee” (celebração, em 1977, ao feito de em 25 anos de reinado a rainha nunca ter caído do trono…”) ou “Battle hymn of the new socialist party”, crítica mordaz ao aburguesamento do proletariado, sobre as notas da marcha nupcial e os versos: “Somos trabalhadores ‘avant-garde’ e somos instruídos. Achamos que devemos deixar de cerrar fileiras para fazer com que o público nos ame ainda mais, e só para mostrar que ainda somos sinceros cantamos ‘The red flag’ uma vez por ano…”
Ao lado coabitam denúncias, crónicas e recordações, ou dramas de personagens como a mulher “invisível”, vítima da discriminação e da indiferença, de “Invisible married breakfast blues”, uma das várias interpretações assombrosas da cantora convidada Liz Mansfield, entre 19 canções, todas elas de antologia, que fazem de “Guess what…” uma descoberta inesgotável. Os arranjos variam entre a simplicidade de uma guitarra acústica ou de uma “nursery rhyme” e os naipes de metais na boa velha tradição de Shirley Collins, Brass Monkey ou Home Service. Um álbum de palavras e melodias para sugar até ao tutano, com a colaboração, entre outros, de Martin Carthy, John Kirkpatrick, Sue Harris, Howard Evans e Roy Bailey.



La Ciapa Rusa – “Aji & Safrán” + Barabàn – “Barabàn Live”

Pop Rock

29 de Março de 1995
álbuns world

DO “SUK” A MOSCOVO

LA CIAPA RUSA
Aji & Safrán (8)

ROBI DROLI


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BARABÀN
Barabàn Live (7)

ASSOCIAZIONE CULTURALE BARABÀN
Distri. MC – Mundo da Canção


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“Alho e Açafrão” – um título condimentado, escolhido pelas suas “ressonâncias mágicas” (em dialecto piemontês, é possível; traduzido para português, nem por isso…) e, ao mesmo tempo, por evocar o ambiente de um “suk” (mercado) árabe. É o regresso em beleza desta banda do Piemonte, liderada por Maurizio Martinotti e Beppe Greppi, actualmente das mais importantes no circuito “folk” europeu. Os celtas italianos voltaram a não deixar os seus créditos por mãos alheias, com uma selecção variada de temas de inspiração piemontesa ou lombarda, arranjados ou compostos por Martinotti. As “monferrini”, danças típicas da região, dão um ar festivo à maioria das faixas, numa série de “medleys” divididos em secções que raramente excedem os dois minutos, numa girândola de cores criadas pela sanfona electro-acústica, o acordeão, o violino, e o arsenal de palhetas do novo elemento Patrick Novara, incluindo o indispensável “piffero” piemontês (da família da bombarda bretã), o oboé, o clarinete e a gaita-de-foles. Uma das virtudes dos La Ciapa Rusa é a preocupação, quase maníaca, com o detalhe e a precisão dos arranjos, o que faz deles uma miniorquestra de alquimistas. Há, em “Aji & Safràn” fantasia, Carnaval, dedicatórias sentidas a lugares ou a um velho “suonatore” de “piffero”, e baladas ancestrais como “Cecilia”, onde é narrada a história de uma noiva que, para livrar o seu amado da sentença de morte, sacrificou a sua honra ao executor. O último tema, “Ad Oriente”, homenageia de forma vibrante o festival de Lorient, reunião magna de celtas que todos os anos, durante dez dias, se celebra naquela localidade da Bretanha. Ao contrário dos Ciapa Rusa, Barabàn, os seus vizinhos da Lombardia, arriscam mais, seja na utilização (por vezes, exaustiva) das programações electrónicas ou, neste caso, da orientação estética de “per se”. Neste seu registo ao vivo, a qualidade dos temas é prejudicada por ocasionais falhas técnicas. Este desequilíbrio encontra justificação no facto de se tratar de uma compilação de actuações registadas entre 1989 e 1993 em Itália, Canadá, Inglaterra, Rússia, Bélgica e Áustria, em condições por vezes deficientes, com os próprios músicos a serem os primeiros a reconhecer que as canções “não são homogéneas”, quer do ponto de vista técnico, quer da interpretação”. O roubo dos instrumentos de que foram vítimas ou concertos em locais e horas impróprias, pagos, por vezes, “com alguns tostões e uma sandes”, contam-se entre as dificuldades que o grupo se viu obrigado a enfrentar. Os Barabàn citam, a propósito, um espectáculo em Moscovo, no Inverno de 1990, onde não tiveram outro remédio senão utilizar uma amplificação que não oferecia um mínimo de garantias. Mas o entusiasmo do engenheiro de som russo e da assistência foram tais, dizem, que não hesitaram em “guardar a memória do concerto, embora o som não ofereça qualidade” – uma saudável concessão “à emoção”, em detrimento do perfeccionismo clínico. Saudades devem ter os Barabàn do Intercéltico, onde há dois anos rubricaram um concerto memorável. O ponto forte deste sexteto impulsionado por Aurelio Citelli e Giuliano Grasso continuam a ser as baladas, de inexcedível beleza, como “Ol me buntemp”, “Lena”, “Gorizia tu sei maledetta” e a tocante melodia de “Dona Lombarda”, sem esquecer as polifonias “La merla” e “La Brunetta”, estes três últimos temas podendo já considerar-se clássicos do grupo. “Live” constitui uma escolha arriscada para suceder a “Naquane” – um disco imaculado – mas, como já foi dito, para os Barabàn, o risco é a sua profissão.





Martin McGlynn – “McGlynn’s Fancy”

Pop Rock

29 de Março de 1995
álbuns world

Martin McGlynn
McGlynn’s Fancy

EMERALD GEM, IMPORT. STRAUSS

mg

Parece impossível mas é verdade, “McGlynn’s Fancy” é o primeiro compacto a solo na carreira do senhor-guitarra da música tradicional da Irlanda. Desconhecem-se as razões que terão levado o homem a manter durante décadas uma postura de tanta contenção, sobretudo quando se trata de alguém cujo currículo inclui nomes como os De Danann, de que foi membro oficial, Planxty e Chieftains. Valeu a pena a espera. A técnica de Arty McGlynn é simplesmente espantosa, seja na delicadeza contrapontística num tema de ressonâncias barrocas como “Carolan’s Draught”, ou nas ornamentações, ao estilo das “uillean pipes”, em “jigs” e “reels” da gaiteiros famosos como Finbar Furey, Willie Clancy e Seamus Ennis, por vezes sobre um “drone” criada em sintetizador. É o caso, entre outros, do “set” final de “jigs” de um “piper” menos conhecido, Sonny Brogan, antigo elemento da Ceoltóiri Cualann, formação pioneira do cravista e pianista Seán Ó Riada. Em “Charles O Connor”, harpista discípulo do lendário Turlough O’ Carolan, o fraseado guitarrístico reproduz o de uma harpa. Como todos os grandes músicos, McGlynn não manifesta qualquer preocupação em ostentar virtuosismos balofos. As suas versões de “The blackbird” e “The Sally gardens” são lições de simplicidade e economia de meios. A emoção flui com uma intensidade que brota muito de dentro. Humilde, como sempre, no reconhecimento da importância que tem um bom acompanhamento, remete-se ao papel – que ele tão bem soube desempenhar ao longo dos anos – de suporte para a voz, carregada de sapiência e com os típicos “vibratos” dos genuínos cantores rurais, de David Hammond. As duas únicas canções do disco são “I wish my love was a red rose” e “The hills above Drumquin”, esta com uma vocalização de antologia, sobre uma “drone” quase subliminar. É um daqueles discos para se ter à cabeceira. Para ouvir e consultar muitas vezes. Como um amigo. (8)