Arquivo mensal: Novembro 2016

Tocá Rufar Nas Escolas – Artigo de Opinião

POP ROCK

12 Fevereiro 1997

TOCÁ RUFAR NAS ESCOLAS

Rui Júnior assinou um contrato com as câmaras de Lisboa e do Seixal, selando um projecto que visa, a curto prazo, a criação de “workshops” permanentes de percussões tradicionais nas escolas, para já, da zona metropolitana de Lisboa. As pequenas orquestras que se formarem juntar-se-ão num gigantesco espectáculo a apresentar na Expo-98. O Som do Ó vai ouvir-se a léguas de distância.


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O Departamento de Juventude da Câmara Municipal e o Departamento de Educação e da Cultura da sua congénere do Seixal são as duas entidades oficiais com que Rui Júnior assinou um protocolo de colaboração. A ideia é criar, com base permanente, “workshops” de instrumentos de percussão tradicional portuguesa, em diversas escolas do país. Para já, Lisboa e Seixal constituíram-se como parceiros de Rui Júnior e restantes elementos do grupo de percussão O Ó Que Som Tem, para levar por diante este projecto, designado de “Tocá Rufar – Oficinas de Percussão”.
Em Lisboa são cerca de 30 a 40 as escolas – do 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e do Secundário – que aderiram, e o Seixal abrirá as portas de 17 das suas escolas. A coordenação, em cada escola, será entregue a pessoas habilitadas, estando a coordenação geral de todo o projecto a cargo de Rui Júnior.
No próximo ano, 300 percussionistas (200 já contam com o apoio prometido pelas câmaras) seleccionados das pequenas orquestras que entretanto se formarão nas diversas escolas juntar-se-ão para um espectáculo colectivo de grandes dimensões, a realizar no âmbito da Expo-98.
Em Lisboa, a orientação dos “workshops” será entregue a futuros professores de Música e de Educação da Escola Superior de Educação de Lisboa. “Vamos tentar tirar o máximo proveito destas pessoas, visto já serem adultos, para poderem dar alguma continuidade a este género de trabalho, embora seja nossa intenção que cada pequena orquestra se torne autónoma”, diz Rui Júnior. A coordenação geral está-lhe entregue, bem como a outros elementos ligados a O Ó Que Som Tem, entre os quais Guiomar Matela e Domingos Morais, professor ligado à Etnomusicologia que funcionará com conselheiro pedagógico no campo das recolhas que se irão fazer. José Mário Branco também aceitou ser conselheiro musical.
Em relação ao espectáculo da Expo-98, haverá uma primeira fase, “um período de sensibilização, até Junho”, seguindo-se “uma fase de selecção para a orquestra”. Mas os “workshops” não se esgotam no horizonte da Expo nem nos alunos seleccionados. “Vamos fazer os ‘workshops’ para um número bastante superior de alunos. Os outros miúdos, que não forem seleccionados, serão objecto de um segundo projecto, paralelo a este, para dar apoio contínuo, sob a forma de oficinas de trabalho.”
Entusiasmado com a tarefa de pôr em prática um trabalho que se pode considerar inédito no país, Rui Júnior considera como “maior desafio” a “mobilização dos jovens”. Tem, para já, apoios monetários e algumas garantias: “Se conseguirmos mobilizar mais jovens do que aqueles que, à partida, as direcções das escolas apoiam, estas estarão dispostas a manter esse apoio, desde que as inscrições assim o justifiquem.”
Para O Ó Quem Som Tem, este alargamento de actividades corresponde a uma necessidade. “Uma coisa complementa a outra”, diz Rui Júnior. “No fim disto tudo, o problema actual de O Ó Que Som Tem, bem como de muitos músicos de uma certa área, é não haver mercado em Portugal. Em parte, nós músicos somos responsáveis por isso, porque não dedicamos uma parte do nosso trabalho ao ensino. Temos que deixar de enviar a bola de uns para os outros.”
Os bombos, caixas, timbalões, adufes, até os “pequenos instrumentos decorativos” da família das percussões tradicionais portuguesas vão ter outro estatuto e mais mão para os tocar. Rui Júnior está ainda a preparar, desde há um ano, um livro sobre o assunto. “Não o acabo porque cada vez descubro mais e diferentes instrumentos. É um território muito vasto.” Sobre o grupo, tem um sonho: “Gostava de fazer de O Ó Que Som Tem uma companhia de música, assim como funcionam as companhias de teatro, que estão constantemente a ensaiar e a aperfeiçoar o seu projecto.”
Em matéria de espectáculos, O Ó Que Som Tem irá tocar no dia 6 de Março no Ritz Clube, em Lisboa, em Junho no festival “Tambores do Sul”, a decorrer em Paris no Espace de l’Hérauld, e em Novembro em Macau.



“Ó Tempo, Volta Para Trás No Próximo Milénio” – Artigo de Opinião

POP ROCK

29 Janeiro 1997

Ó tempo, volta para trás no próximo milénio

Duas novas colectâneas da música portuguesa vão ser postas no mercado nos primeiros dias do próximo mês, “Millenium”, pela EMI-VC, e “Sunset Music from Portugal”, pela MVM. Ambos procuram capitalizar no mercado (florescente?) da new age.

“Millenium” é uma tentativa de revalorização de material de fundo de catálogo da EMI-VC sob o dito rótulo “new age”. “Um disco de ambientes, para repousar o espírito do ‘stress’ e da canseira, para convidar o ouvinte a uma doce viagem por paisagens longínquas que só na imaginação existem (…), para descobrir o terceiro milénio que se aproxima”, explica a promoção. Assim, o próximo século será recebido ao som de Nuno Rebelo, Sétima Legião, Ala dos Namorados, Lua Extravagante, Fernando Lopes-Graça, Banda do Casaco, Rui Veloso, Carlos Paredes, Janita Salomé, Diva, Grupo Etnográfico de Idanha-a-Nova, Amália Rodrigues, Madredeus, António Pinho Vargas, Carlos Seixas e Heróis. Música clássica, tradicional, fado, rock e electrónica juntas num mesmo pacote de ambientes para o próximo milénio.
A MVM irá, por seu lado, distribuir uma edição da SPA (ver PÚBLICO de 19 de Janeiro), onde são notórias idênticas intenções de receber os próximos mil anos com músicas já um bocadinho amarelecidas pelo tempo. Com a agravante de, além de velhinhas, serem requentadas e postas na mesa por um senhor – Thilo Krassman – que não se pode considerar, propriamente, sinónimo de modernidade. Thilo agarrou no seu sintetizador, convidou Tomás Pimentel, na flauta, José Meneses, m saxofone, e Silvestre Fonseca, na guitarra acústica, e tratou de transformar em música de elevador algumas das “melodias de sempre” da música portuguesa.
Com uma capa, também ela, convenientemente “new age” (facção pôres-do-sol com filtro), “Sunset Music from Portugal” faz uma papa de temas como “Canção do mar”, “Feiticeira”, “Coimbra (April in Portugal)”, “Venham mais cinco”, “Vem”, “Uma casa portuguesa”, “Vila faia”, “Lisboa à noite”, “Queda do império”, “Porto sentido”, “Amélia dos olhos doces”, “Sol de Inverno”, “Desfolhada portuguesa” e “Lisboa, menina e moça”, entre outras. Ou seja, compositores como Frederico de Brito, Luís Represas, Raul Ferrão, Pedro Ayres Magalhães, Rui Veloso, Carlos Mendes, Jerónimo Bragança/Nóbrega e Sousa, Ary dos Santos/Nuno Nazareth Fernandes e Paulo de Carvalho/Fernando Tordo, entre outros, misturados e enfrascados num boião cheio de nada. Bom, mas não nos esqueçamos que a intenção dos responsáveis pelo aborto, perdão, projecto, é boa, uma vez que, dizem, “nada há que traduza melhor o pulsar do coração dum povo do que a sua música”. Digamos que o coração do povo, a pulsar desta maneira, anda a precisar de um “pace-maker”.
Aliás, o fenómeno new age à portuguesa não se esgota na edição destas duas colectâneas. A Strauss – responsável por de metros quadrados de escaparates, pelo menos, em cada discoteca, dedicados a este género musical onde cabem discos das boas editoras, como a Hearts of Space, e pavorosos catálogos cheios de desenhos coloridos, signos do horóscopo e sons de baleias – lançou o seu selo subsidiário Evolution, vocacionado para a edição dos sons lusos da nova idade. O responsável é o músico e produtor Zé da Ponte e do catálogo fazem já parte “De Pacem Domine” do Coral de São Domingos, “Mapas”, de José Calvário, os mais recentes lançamentos, “Marés”, de Nanutu, vulgo o saxofonista angolano Nandinho, e “Lusitânia Candles”, dos Nau. O mote da Evolution garante que, “na era das transformações e das decisivas opções, há momentos em que o pensamento humano se detém para se interrogar e buscar à sua volta o ponto de identificação com o tempo e o lugar que ocupa”.
No meio de tanta relaxação, bio-ritmos, baleias (e alguns golfinhos), flautadas de índios, baralhos de Tarot, tantrismo para domésticas, magias avulsas e um infindável folclore que tem mais a ver com o esgotamento de uma época do que com o espírito da que aí vem, ainda é possível descortinar fugas à facilidade e ao lugar-comum num disco como “Deep Travel”, de Carlos Maria Trindade, onde alguns dos estereótipos new age são reformulados numa linguagem personalizada e atenta aos ventos da mudança.
Depois, é esperar pela noite que há-de suceder ao falso ouro do pôr-do-sol do planeta virtual e pelo dia que há-de romper a escuridão da “nova ordem”. Estejamos atentos aos sinais.

Música Portuguesa – Balanço 1996 – Artigo de Opinião

POP ROCK

8 Janeiro 1997

Balanço 1996
Música PORTUGUESA – Raízes

O acontecimento editorial de 1996 foi a edição de “Polas Ondas”, dos Vai de Roda, num ano que também viu aparecer “Ó Tambor”, de Rui Júnior, e “A Portuguesa”, de Isabel Silvestre. O “cante” alentejano revelou uma pujança renovada. Júlio Pereira e Dulce Pontes gravaram com parceiros estrangeiros de nomeada. A integral de José Afonso é reeditada em condições. Espectáculos houve o dos Gaiteiros e da Brigada no Intercéltico. A “world” portuguesa ainda é regional.

EQUILÍBRIO ESTÁVEL


vai-de-roda

O ano começou com a edição de um disco de cante alentejano, com o título apropriado de “Cantes de Natal e de Ano Novo”, com modas alusivas à quadra. Pedro Abrunhosa assistiu às gravações e gostou. Das ilhas dos Açores chegou “O Feiticeiro do Vento”, banda sonora inspirada e carregada de magia, numa produção televisiva da RTP-Açores. José Medeiros compôs a música e realizou as imagens. E cantou, de forma arrasadora, como pôde verificar quem o ouviu na qualidade de convidado, em espectáculos da Brigada Victor Jara.
Em Fevereiro, “Maio Maduro Maio”, o projecto de homenagem a José Afonso, de José Mário Branco, Amélia Muge, José Martins e João Afonso ruma até Madrid, para uma apresentação ao vivo. Amélia Muge põe a hipótese da gravar o seu novo disco na editora galega Arpa Folk. Sai o álbum dos Danças Ocultas, concertinas de Águeda com direcção de Artur Fernandes, que respiram e dançam. E o de Júlio Pereira com Kepa Junkera, intitulado “Lau Eskutara” (“A Duas Mãos”) – encontro de dois “virtuoses”, das cordas dedilhadas e do “trikitixa”. O saxofonista Carlos Martins trabalha os seus Sons da Lusofonia. África, Brasil e jazz unidos.
Em Março, surge a nova editora África, para divulgar a música deste continente. A cantora cabo-verdiana Maria Alice é o primeiro lançamento. Sai “Trilho do Sol”, dos Quinta do Bill. Com cânticos e batuques índios. Carlos Guerreiro, Manuel Rocha e José Manuel David, em representação dos Gaiteiros de Lisboa e da Brigada Victor Jara, fazem para o POPROCK um “blindfold test” com discos de música tradicional. O pretexto é a presença destes dois grupos no Festival Intercéltico do Porto, onde rubricam actuações de bom nível.
O angolano Filipe Zau lança “Canto da Sereia – O Encanto”, enquanto o seu compatriota Carlos Nascimento surge com “Angolando”. São as primeiras notícias de Abril, na mesma altura em que o POPROCK faz a pré-publicação de um texto de José Niza para a reedição da obra integral de José Afonso pela Movieplay. Waldemar Bastos assina contrato com a Luaka Bop, de David Byrne. Fica decidido que o disco terá arranjos de Arto Lindsay. É editado o álbum de estreia das Cramol. Ficam para a posteridade as polifonias, o teatro e o sortilégio deste grupo de mulheres de Oeiras.
Maio festeja a saída de “Ó Tambor”, de Rui Júnior, com os Ó Que Som Tem – as percussões elevadas à potência do sublime. O POPROCK acompanha os Quinta do Bill na sua digressão pelo Norte do país. Paulino Vieira, o cabo-verdiano responsável pelo projecto acústico que transformou Cesária Évora num fenómeno de massas, lança em Portugal, “Nha Primero Lar” e apresenta-se ao vivo no Teatro S. Luiz, em Lisboa, ao lado dos moçambicanos Ghorwane e das estrelas internacionais Ray Lema e Henri Dikongue.
A EMI-Terra lança dois álbuns de “cante” alentejano com produção de Vitorino, “Vozes das Terras Brancas”, pelo Grupo Coral e Etnográfico As Camponesas de Castro Verde, e “O Cante na Margem Esquerda”, pelo Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias. É o acontecimento editorial de Junho.
Em Julho, Pedro Jóia lança “Guadiano”, a guitarra de flamenco nas mãos de um português. Né Ladeiras entre em estúdio para gravar versões de canções de Fausto, que também vai para estúdio para gravar versões de canções de si próprio. Os Com-Tradições lançam “Água Nascente”.
São finalmente reeditados, após vários adiamentos, os onze compactos com a obra integral de José Afonso. É a notícia de Setembro.
Cesária Évora tem, já em Outubro, nos escaparates, o álbum “Cesária Évora à L’Olympia”. Isabel Silvestre estreia-se a solo, sem os Cantares de Manhouce, com “A Portuguesa”. Música tradicional e o hino nacional ao lado de versões de canções de José Afonso, Rui Veloso, José Mário Branco e António Variações, entre outros. Luís Represas, depois do disco, repete colaboração com o mago irlandês das “uillean pipes”, Davy Spillane. Agora em cinco noites ao vivo – esgotadas – no CCB. “Polas Ondas”, terceiro álbum dos Vai de Roda, vê a luz do dia. Portugal, na visão de Tentúgal: um país e uma tradição nas margens do mistério. Artur Fernandes, director musical dos Danças Ocultas, compõe para “Mortinho para Chegar a Casa”, do realizador Carlos da Silva. João Afonso termina as gravações da sua estreia em disco. Presentes estão Júlio Pereira e, em escala reduzida, a obra do seu tio, José Afonso. Cabo Verde regressa no álbum de Paulino Vieira “M’Cria Ser Poeta”.
Saem, em Novembro, os “Caminhos”, de Dulce Pontes, com Paddy Moloney, dos Chieftains, e Carlos Nuñez entre os convidados. Fausto filma “clip” nos Açores sob a direcção de José Medeiros.
A colectânea “A Alma de Cabo Verde” sai no último mês do ano. A Musicoteca lança, em homenagem ao autor, os três primeiros volumes da série “Canções Regionais Portuguesas”, de Lopes-Graça.