Arquivo mensal: Outubro 2015

The Beautiful South – “Miaow”

Pop Rock

27 ABRIL 1994
ÁLBUNS POP ROCK

The Beautiful South
Miaow

Go Discs, distri. Polygram


bs

Aqui está um disco de música pop. Melhor dizendo, aqui está um disco de música lolipop. E um dos temas chama-se “Poppy”. E os Beautiful South miam bem afinados, embora a capa esteja cheia de cãezinhos a escutarem muito atentos na plateia de um teatro a grafonola da “Voz do Dono”. Os Beautiful South têm preocupações políticas e sociais que expressam de forma engraçada em textos que se lêem com um sorriso meio sério meio divertido nos lábios. As canções são férteis em frases politicamente correctas como “Dizem para usarmos sempre um preservativo mas eu digo para usarmos sempre um chicote”, em “Mini-correct”. As melodias são agradáveis se bem que nunca memoráveis e as vozes de Paul Heaton e Jacqueline Abbott são claras como um raio de sol. Mas o raio do disco, por muito boa vontade que haja, não adianta nem atrasa. Mia baixinho. (4)

torrent a partir daqui



David Shea – “Prisoner”

Pop Rock

27 ABRIL 1994
ÁLBUNS POP ROCK

David Shea
Prisoner

Sub Rosa, distri. Megamúsica


ds

Há vários códigos implícitos na chamada cena “downtown” de Nova Iorque que fazem dela uma espécie de irmandade. A estética de “cut-off” e colagem, o policial negro e o cinema dos anos 60 e 70 em geral, a paranóia urbana e a banda desenhada são algumas das referências cultivadas por este segmento da vanguarda norte-americana.
Não por acaso, o nome de John Zorn surge como figura tutelar do movimento, tendo sido um dos primeiros a incorporar na sua música todos estes elementos (aos quais poderíamos acrescentar o “free jazz”, o fascínio pelo Oriente, o “hard gore”, Godard, etc…). “Prisoner” é um objecto típico desta corrente, que privilegia os ambientes torturados e os espaços fechados, as luzes de néon e as sirenes, os gritos e o sangue, o curto-circuito e a alienação, a paralisia e as acelerações. Dividido em sete movimentos, correspondentes a outras tantas “curtas-metragens” sonoras, há da parte do seu autor a intenção explícita de criar uma espécie de “cinema sonoro” com uma acção específica, em que os sons correspondem às personagens. Um processo de composição que tem presente a necessidade de elaborar “cenas” distintas, por um trabalho de montagem equivalente ao cinematográfico, possível graças às técnicas de samplagem e mistura.
Baseado na série com o mesmo nome apresentada na BBC, “Prisoner” segue de perto o modelo de John Zorn utilizado em “The Big Gundown” e “Spillane”. Homenageia compositores como Albert Elms, John Barry, Henry Mancini, Quincy Jones, Elmer Bernstein e Ennio Morricone, entre outros e, em paralelo, séries televisivas dos anos 60 como Secret Agent, The Fugitive, The Outer Limits e Avengers, cujos excertos sonoros Shea aproveitou para samplar. Fragmentações constantes alternam com fugas e momentos de contemplação pianística. Vozes sampladas sobrevivem entre desabamentos rítmicos e explosões de cacofonia, subitamente ordenadas por um longo solo de percussões brasileiras, por Cyro Baptista, ao lado de Zeena Parkins, Anthony Coleman e Marc Ribot, um dos convidados de “Prisoner”.
Enquanto existir, Nova Iorque será sempre o berço de música como esta. Nevrótica. Com a urgência de um sinal de alarme. (8)



The Robert Fripp String Quintet – “The Bridge Between”

Pop Rock

13 ABRIL 1994
ÁLBUNS POPROCK

DO BARROCO AO TORMENTO

THE ROBERT FRIPP STRING QUINTET
The Bridge Between

Discipline, import. Contraverso


rf

Não, não se trata disso. O ex-líder dos King Crimson e inventor das “frippertronics” não entrou na onda dos Kronos, Balanescus e afins. O String Quintet é simplesmente a designação, algo irónica, da reunião de Fripp com o California Guitar Trio e um quinto guitarrista, Trey Gunn, no “grand stick”, que supomos ser uma variante do “Chapman stick”, uma guitarra electrónica com efeitos, sem caixa. Temos assim cinco guitarras, eléctricas e acústicas, mais “frippertronics”, num álbum gravado ao vivo (sem ruído de palmas…) em Maio e Junho do ano passado, com posteriores pormenores de pós-produção efectuados em estúdio.
“The Bridge Between” é, sob certos aspectos, um álbum surpreendente. Surgido num período em que Robert Fripp se debate com problemas legais relacionados com a sua antiga editora, a EG, que levaram, inclusive, a que o disco seja uma espécie de edição de autor saída com o selo Discipline, título e logotipo de um álbum antigos dos King Crimson, há nele uma fúria dissimulada, a par da habitual tendência do guitarrista para a teorização. Neste caso, e não por acaso, concentrada num pequeno manifesto em que Fripp faz o enquadramento do acto criativo e do papel desempenhado pelo música na sociedade contemporânea, acompanhado de um rodapé em que alerta os músicos para a defesa intransigente dos seus interesses em matéria de direitos de autor, contra o “statu quo” vigente de atropelos constantes a esses direitos.
Quanto à música, prolonga e refina a tendência para a harmonização, por vezes quase sinfónica, das guitarras, característica do anterior projecto de Robert Fripp, a League of Crafty Guitarists. Uma música que alia a energia do rock (Kan-non power”) à complexidade contrapontística da música barroca (em três peças de Johann Sebastian Bach, “Chromatic fantasy”, Contrapunctus” e “Passacaglia”), à citação “kitsch” de “Yamanashi blues”, para terminar no longo e perturbante tema final, “Threnody for souls in torment” (“canto lúgubre para as almas em tormento) que soa a Arvo Pärt no inferno e confirma antigos e xamanísticos interesses de Fripp pelo tantrismo e pela temática do apocalipse. Acima de tudo ressalta a ideia de que Robert Fripp continua atento e actuante. Com a sua guitarra a arder com a mesma intensidade de sempre. (8)

a partir daqui