Neu! – Neu!2 (conj.)

24.04.1998
Bloco de Notas – Pop
Reedições

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Krautrock, capítulo 23, referência nº 362 aos Neu!. A caixa com a obra completa do grupo, “Komplett”, maculada por irritantes ruídos, já pode ser substituída. “Neu!2”, com o seu “segundo lado” construído em torno de mudanças de rotações e manipulações várias de estúdio do single “Super/Neuschnee”, está de volta, o mesmo acontecendo com “Neu!75”, terceiro álbum de originais da dupla Michael Rother/ Klaus Dinger, que alterna um ambientalismo naturalista com arranhões eléctricos e a histeria que antecipava de um ano o golpe publicitário dos Sex Pistols. Ainda em edições com a caveira mas limpas de barulho residual. (import. Virgin, 8 e 8).
Do capítulo anos 70 saúda-se a chegada, para muitos desejada, de “The Man In The Bowler Hat”, dos Stackridge, que sucede a “(Have no Fear) I only Need Your Friendliness”, que também volta a estar disponível, mas agora ambos em quantidades mais satisfatórias. Os Stackridge foram os Beatles do Progressivo, na forma como nas suas canções combinavam uma veia melancólica digna de Paul McCartney com arranjos cuja excentricidade e imprevisibilidade os colocava perto de grupos como os Gryphon e os Gentle Giant. Comprovativo desse talento inato para fazer de cada canção um clássico está o facto deo produtor de “The Man in the Bowler Hat” ser nada mais nada menos do que George Martin, esse mesmo, o produtor de “Sgt. Pepper’s” dos Beatles. (Edsel, distri. Megamúsica, 9)
Na década anterior, por volta de 67, como se devem lembrar, andava tudo oido. Em matéria de psicadelismo, verdadeiro ou da treta, um grupo para ser grupo, tinha que juntar na sua música “sitars” indianas, vocalizações arrastadas e guitarra “fuzz”. Os leitores não devem conhecer os Strawberry Alarm Clock. Podem fazê-lo agora. Nesse ano de graça das flores que Scott McKenzie punha no cabelo e os designers nas capas dos discos, os SAC gravaram um dos singles que ficou como um marco dessa época “Incense and Peppermints” (demorou seis meses para chegar a Top One, nos Estados Unidos…). É uma daquelas melodias da 5ª dimensão, com mudanças de tonalidade a esvairem-se em perfeição num cogumelo pop embalado em prata de todas as cores. O álbum de estreia tem o mesmo nome, embora a presente reedição o alterasse para “Strawberries Mean Love”, título piroso e redundante. Mas, paciência, os sons que dele se volatilizam, entre o melhor “vintage” de 67 e o kitsch ao modo dos Mystical Astrological Crystal Band, garantem a “trip” até katmandou. (Big Beat, import. Virgin, 8).
Enterrado no túmulo do esquecimento tem estado igualmente “Begin”, primeiro e único álbum gravado pelos The Millenium, com data de ediçãooriginal de 1968. Os The Millenium foram um grupo de estúdio criado para pôr em prática as concepções pop-bubblegum-surf music-experimental-psicadélicas de Curt Boettcher (falecido há onze anos), um duplo, não menos genial, de Brain Wilson. O universo estético e sonoro em que “Begin” se move é um palacete de espelhos e diversões arquitactadas com cordas de gelatina, fntasmas escondidos em vibrafones, guitarras com cordas de luz, um prelúdio barroco em cravo, silhuetas espectrais e momentos de pura “twilight zone” como “Karmic dream sequence”. A arrumar entre “Odessey and Oracle”, dos Zombies e “Tangerine Dream” dos Kaleidoscope ingleses. (Rev-Ola, import. Virgin, 9).
Para terminar saltemos até ao Canadá, acertando a máquina do tempo para 1984, para nos perdermos nas histórias de bombistas da realidade, de Andre Duchesnes, que em “Le Temps des Bombes” tanto se posiciona, em termos poéticos e nas entoações vocais, próximo do humor surrealista de Ferdinand Richard, como se exercita nos campos de jazz “rive gauche” e magnético dos seus compatriotas Robert-Marcel LePage e René Lussier. (Ambiances Magnétiques, distri. Áudeo, 8).

Pere Ubu – Pennsylvania

17.04.1998
Pop Rock
Um Grupo Mainstream
Pere Ubu
Pennsylvania (8)
Cooking Vinyl, distri. Megamúsica

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Os Pere Ubu, e em particular o seu gordo vocalista, David Thomas, são pessoas normais? Eis uma pergunta que tem apoquentado o mundo ao longo das últimas décadas. Se levarmos em conta o álbum de estreia do grupo, “The Modern Dance”, que eclodiu em 1977, fazendo passar todas as bandas punk da época por meninos de coro, a resposta é óbvia: Não, os Pere Ubu não eram pessoas normais. E agora, 20 anos depois, já podemos aproximarmo-nos do homem que canta como se fosse um porco a ser linchado, sem receio de sermos mordidos? Bem, na “Invisible Jukebox” da Wire deste mês (onde, entre outras considerações interessantes, afirma preferir John Cougar Mellencamp aos Smiths com o argumento de que os ingleses pura e simplesmente nunca poderão fazer música rock, porque não faz parte da sua natureza), é o próprio David Thomas que afirma que em 1978, como em 1998, os Pere Ubu sempre foram um grupo rock inserido no mainstream. “Pennsylvania”, o mais recente capítulo da saga do rei Ubu, permite compreender a dilaceração, desde sempre manifestada por Thomas, entre o amor pela harmonia perfeita dos Beach Boys e uma sensibilidade de “garage band” que lhe corre nas veias e o prende à herança estética de grupos como os Stooges e os MC5. Os Pere Ubu são um grupo de rock porque, ainda na óptica do seu líder, são um grupo americano, como se estes dois conceitos formassem uma evidência na irredutabilidade da sua simbiose, a qual, no caso em questão, se revela tão atraente como fatal.
A diferença que perturba, seja por causa da voz de maníaco de Thomas ou pelo modo como os Pere Ubu sempre introduziram o ruído e a deslocação na sua música, são manifestações de um desejo central, sem dúvida obsessivo, de comunicar (ver caixa). David Thomas é uma criança que fala com as moscas, um agitador de megafone, um palhaço que pisa o risco para poder tocar-nos mais deperto. “Pennsylvania” corta de certa forma com o passado recente de “Ray Gun Suitcase”. Onde este era brutalmente experimental, levando aos limites o histrionismo do seu cantor, o novo álbum mergulha as raízes no seminal “Dub Housing” ou no mais recente “Cloudland”, sem contudo deixar de for amomentos de pura suspensão – ou será melhor dizer “suspense”? – em que David Thomas pára no escuro para nos falar da sua solidão, como em “Perfume”.
O actual teclista (os Pere Ubu mudam de formação como quem muda de casaco), como fazia Allen Ravenstine nos primeiros álbuns do grupo, toca sintetizadores como se estivesse a ler pelo manual, as baladas resvalam a cada momento perigosamente para a cacofonia, mas são discos como estes que nos abanam o esqueleto e nos fazem sentir vivos, mesmo que o contacto provoque alguma dor. Para ter acesso Às letras de “Pennsylvania” basta entrar em http://projex.demon.co.uk. Já agora, descubram por que razão o último tema vem assinalado na capa com a duração de 5m04s quando no visor do leitor de CD aparece com 23m25s…

Ui – Lifelike

17.04.1998
No Calor Do Funk
Ui
Lifelike (10)
Southern, distri. MVM

LINK (UI – The 2-Sided EP/The Sharpie (1993-1995))

Depois de “Sidelong”, dos Ep reunidos em “The Two Sided EP / The Sharpie” e da colaboração com os Stereolab, em “Fires”, os Ui regressam com um álbum de originais que bate aos pontos os trabalhos mais recentes dos Trans AM e dos Torotise, com quem têm sido erradamente comparados. “Lifelike” é um murro no estômago do pós-rock, uma descarga de funky combinada com resíduos dub (“Acer rubrum”), uma vertente dançável que cura anteriores visroses apanhadas com a praga da illbient e, acima de tudo, a arte suprema do ruff, normalmente usada e abusada pelos demiúrgos do heavy-metal mas que os Ui souberam reconverter num poderoso caudal de ideias que tanto sugere o industrialismo fechado numa câmara de gás dos This Heat como o domínio pleno das técnicas repetitivas, um pouco à maneira dos Can (“Future Days” e “Tago Mago” são dois capítulos fundamentais na bíblia dos Ui). “O caminho dos Ui para a abstracção”, pode ler-se num artigo sobre o grupo publicado na Wire de Março de 1996, “baseai-se no mesmo princípio seguido pela cultura breakbeat, de destacar um determinado instante musical e expandir o prazer que ele nos proporciona até ao infinito”. Era este, de resto, o princípio seguido não só pelos Can como também pelos Public Image Ltd, de John Lydon, ou pelos Gang Of Four, antepassados dos Ui na técnica do massacre repetitivo. Como era, ainda, o caminho dos ciclos rítmicos palmilhado pelos grandes mestres do funk e do proto-hi hop, como Grandmaster Flash, Kurtis Blow, Funkadelic ou Parliament, todos eles, claro, admiravelmente trespassados pela grande faca do funk branco cravada pelos Kraftwerk com “Trans Europe Express”. A introdução de sopros abrasivos (“Undersided”, “Digame”…), juntamente com a saturação pulmonar criada pelos dois baixos, uma bateria fulminada pelo apelo dos breakbeats, uma guitarra de metal afiado e uma disseminação judiciosa de jorros de sintetizador que engrossam ainda mais a sensação de poder que se desprende do álbum, fazem de “Lifelike” um corpo muscular capaz de pulverizar qualquer rival em redor. Com um só golpe, os Ui fizeram desmoronar o edifício barroco do pós-rock. Para ouvir altíssimo.