Herman José – “A Fera Amansada” (televisão)

Rádio e Televisão >> Sábado, 21.11.1992


A Fera Amansada



Um humorista é diferente de um contador de piadas. Um humorista faz humor e faz pensar. Um piadista com maior ou menor talento, conta anedotas e distrai. O humorista põe inteligência no humor que faz. Sabe que o cérebro também ri e dá gargalhadas. O piadista apela ao lado mais primário da natureza humana. O riso, quando vem, quase sempre é do baixo-ventre.
John Cleese, Woody Allen, Groucho Marx são, ou foram, grandes cómicos humoristas. José Viana e Benny Hill são, ou foram, contadores de piadas. Herman José era, e queremos acreditar que continua a ser, um humorista. Programas da sua responsabilidade, como O Tal Canal, Hermanias ou um inesquecível Especial Fim-de-Ano, tornaram-se clássicos do humor – não diremos português porque neste a piada brejeira, na qual Herman, diga-se de passagem, também é mestre, reina sem rival – que deixa marcas, que apetece revisitar e fruir até à parcela mais subliminar.
Entre o humor e a piada fácil com que despacha as noites televisivas de sábado, a dar parabéns e a ganhar forças para fazer andar a “Roda”, tem balançado o coração de Herman José. O que equivale a dizer, entre a integridade e o mercantilismo, entre dar-se de corpo e alma (e nem para tanto é preciso despir-se…) a nós e entregar-se à chuva imparável de divisas – “dez para mim, dez para ti” – caídas de um hipermercado nos arredores de Lisboa. Entre o estado de graça e o “tudo à venda” afixado à frente de cada piada.
Nem é o concurso em si que é criticável – há uma arte do vazio e artistas da sua apresentação, como Carlos Cruz -, mas o despudor com que Herman desbarata algo que também era nosso.
Com Parabéns, Herman José vendeu-se e saiu derrotado. A RTP pode cantar vitória, desforrando-se da graça incómoda de uma “Rainha Santa” que foi a sua perdição. O humorista transformou-se no protagonista de um filme cujo título bem poderia ser “A Fera Amansada”.
André Breton escreveu, um dia, que o humor ou era negro ou não era. O de Herman José tornou-se cor-de-rosa. Com laçarotes.
Canal 1, às 22h05

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.