Tom Jobim – “Tom Jobim Nos Jerónimos – Silêncio Lento Dos Trovadores” (concerto)

Cultura >> Domingo, 13.09.1992


Tom Jobim Nos Jerónimos
Silêncio Lento Dos Trovadores


Tom Jobim foi, nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos, sexta-feira à noite, mestre de cerimónias de um Brasil diferente. Trouxe consigo a família, a bossa-nova, a nostalgia de canções que fazem parte da História. E uma ironia fina que causou arrepios.



Claustros apinhados de gente desejosa de ouvir e sentir a presença carismática do mito António Carlos Jobim, Tom Jobim, como é mais conhecido. Trovador do Brasil triste, das praias de Ipanema ao entardecer, de areia fina e gente que o pretende ser. Tão fina como a ironia do cantor.
Apresentado pela popular actriz brasileira, Christiane Torloni, sob uma luz vermelha quer transfigurava a fisionomia habitual dos claustros do Mosteiro, Tom Jobim deixou claro porque é considerado um dos maiores vultos de sempre da música popular brasileira. Veio acompanhado da sua Banda Nova, cinco instrumentistas mais outras tantas meninas a cantar. Em palco, três Jobins e dois Caymmi, cada um apresentado pelo compositor com um coment´rio jocoso ou poético: ele próprio Tom Jobim, a mulher, Ana Jobim (“esposa não é parente”) e o filho, Paulo Jobim, na guitarra (“tem sangue português misturado com o de um macaco das florestas da Amazónia…”), e dois Caymmi, “a água da fonte”.
A música foi como um feitiço, uma longa trova de amor que ardeu em fogo lento. As cinco vozes femininas juntaram-se ao piano do mestre e elevaram-se, aéreas, a cantar o Brasil da bossa-nova, essa mistura de samba, jazz, tristeza e um sol que não chega a queimar nunca. Tom Jobim não é um grande cantor – deixou que fossem as vozes femininas a encher o espaço -, mas possui um talento imenso que deixou marcas em toda a música brasileira e não só (recorde-se por exemplo, na Europa, herdeiros como os Hatfield and the North e, de forma indirecta, toda a escola de Canterbury, Everything But The Girl, Weekend ou Isabel Antenna).
Na música de António Carlos Jobim, na música que fez descer as estrelas até ao jardim dos claustros em noite de Belém, o amor serve de porta e praia a todas as imagens onde desagua um rio sem margens, o Rio, cidade oculta que não passa pela televisão.

Um Sonho

Cena de carnaval. “Slow Motion”. A imagem revela pormenores. O homem que toca pandeiro, perdido, olha para o lado. Sem ver. A mulher, na fileira das sambistas, solta uma lágrima em que ninguém repara. As serpentes não chegam a desenrolar-se. Os pés demoram a chegar ao chão. Cena de praia: O sol, parado, reflecte-se nos vidros dos apartamentos luxuosos do Leblond, em frente. A garota de Ipanema para de sorrir e sente uma nostalgia onde não vê motivo nem sentido.
O tempo volta ao normal, à cor do carnaval. Lá vão os arlequins e colombinas a acenar, na correnteza. Regresso aos Jerónimos. Tom Jobim sorri com os olhos. Do sonho, nosso e brasileiro. Fala pausadamente, solta pequenas frases que dizem mais do que dizem. Sobre ecologia e o “mundo paradisíaco” em que vivemos, sobre essa “língua maravilhosa que é o português” e o sangue luso presente em tudo o que é Brasil. Lugares-comuns ditos de uma maneira que provoca, sem querer, um arrepio muito ligeiro.

Sozinho

Não para de fluir a bossa-nova na cascata de meios-tons e melodias soltas pelo piano e pela flauta de Danilo Caymmi. As meninas atraem o olhar com a sua inocência estudada. O violoncelo de Marcio Mallard introduz a nota de angústica. A certa altura, elas abandonam o palco. Depois os músicos. Tom Jobim fica só: “Com a idade, primeiro vão-se as moças, depois os rapazes, até que a gente fica sozinho”. O fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho. “Luísa” abre um coração em chaga e pela primeira vez o cantor grita, “pobre amador apaixonado”, “aprendiz do amor”. “Desafinado”, “Samba de uma nota só”, “Águas de Março”, canções conhecidas de cor são murmuradas com devoção pela assistência. Jobim, senhor de uma ironia evanescente, canta um tema em inglês, encomendado pela ECO 92 (“essa língua tão latina… é tudo igual: flor é ‘flower’, hora é ‘hour’, informação é ‘information’”). Talvez dê para salvar um pouquinho, talvez sobrem algumas árvores”…
António Carlos Jobim sai do palco como entrou, em silêncio, o “silêncio lento dos trovadores” senhor de uma calma profunda de quem conhece o mundo e as pessoas. O público pede mais e ele anui. Despede-se finalmente com “Chega de saudade”. Um bom título para encerrar um concerto perfeito.
Perfeita não esteve a organização, a Propalco. 1500 escudos custavam os bilhetes para a geral, situada nos claustros superiores, a fazerem de balcão. 1500 escudos que, para quem não teve a sorte de se colocar na fila da frente, deram direito a ver cabeças. À saída não foram poucos o s que se queixavam de não ter conseguido ver nada. Em baixo, entre os canteiros de flores, acomodavam-se os ilustres. Assim de memória contámos, para além do Ppresidente da República e esposa, por ordem alfabética: Raul Solnado, o par Paulo de Carvalho-Helena Isabel, Carlos do Carmo, José Nuno Martins, Proença de Carvalho, Alçada Baptista, Maluda e, principalmente, Roberto Leal, muito notado no seu fato azul turquesa claro, da cor do mar. Todos igualmente satisfeitos numa noite para recordar. Olha que coisa mais linda.

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