Solás – Sunny Spells And Scattered Showers (conj.)

02.01.1998
World: Irlanda
Conflito De Gerações
Para começar bem o ano, nada melhor do que uma boa reserva de música tradicional da Irlanda. No desafio entre os novos, Solás e Dervish, e os “velhos”, Patrick Street e Open House, estão os Bothy Band a arbitrar. Todos com certificado de garantia.

O aviso já tinha sido dado por Séamus Egan nos seus dois álbuns a solo, “Traditional Music Of Ireland” e, sobretudo, no mais recente “When Juniper Sleeps”. Trata-se de uma das maiores revelações de um multi-instrumentista irlandês dos últimos anos. Se a sós estas capacidades revelavam ser já de excepção, imagine-se o tereno fértil encontrado pelo músico no seio da formação Solás. Com efeito, ao lado de Karen Casey, excelente voz feminina, ao nível das divas, John Doyle (guitarras, mandocelo e voz), Winifried Horan (violinos) e John Williams (acordeão e concertina), Seamus Egan explode, literalmente, na flauta, banjo, “low Whistle”, bandolim, guitarra acústica, “bodhran” e percussão. A estes músicos, juntou-se ainda o convidado John Anthony, numa míriade de percussões celtas e “não celtas”, como o “djembe”, o tambor de barro e o “dumbek”.

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“Sunny Spells And Scattered Showers” é o segundo álbum dos Solás, sucedendo ao disco de estreia, “Solás”, também disponível com amesma distribuição. Aos primeiros acordes do “standard” “The Wind That Shakes The Barley”, torna-se evidente estarmos na presença de um clássico. Mais do que em “Solás”, o grupo parece apostar neste seu segundo registo em reivindicar para si, em exclusivo, o legado dos Bothy Band.
São vários os indícios que apontam neste sentido, desde a voz de Karen Casey, surpreendentemente parecida com a de Triona Ní Dhomnaill, até ao recurso a um tipo de reportório idêntico ao usado pela mítica formação dos anos 70, de que é exemplo o “set” de “reels” correspondente à faixa número dois, que os Bothy Band já haviam tocado em “Old Hag You Have Killed Me”, embora num e noutro caso os temas tenham títulos diferentes, o que, de resto, acontece com frequência no cancioneiro irlandês.
E não só: também as técnicas de guitarra e banjo de Seamus Egan apontam para o mestrado de Donnal Lunny, assim como a notável fluência violinística de Winifried Horan evoca o primado de Kevin Burke. Mas “Sunny Spells And Scattered Showers” é, acima de tudo, um álbum para saborear de ponta a ponta, marcado por uma energia inesgotável e pela entrega total dos seus intervenientes. Arriscamo-nos a dizer que os Solás terão, inclusive, ultrapassado os Dervish, na corrida entre os grupos da nova geração. Na Ilha, a competição é “feroz”. A bem de uma tradição que, deste modo, constantemente se renova e perpetua. (Shanachie, 9)

Dervish que, no seu mais novo trabalho, resolveram mostrar-se ao vivo, num duplo álbum, “Live In Palma”, registado a 10 de Abril deste ano no Teatre Principal realizado nessa cidade espanhola. Ao longo de duas horas, intercalam-se “sets” instrumentais – onde pontificam a flauta e os “whistles” de Liam Kelly, o acordeão de Shane Mitchell e o violino de Shane McAleer, três executantes em permanente evolução, atingindo aqui níveis de altíssima qualidade – com baladas interpretadas, de forma superlativa, pela nossa bem-amada Cathy Jordan, , cuja voz está cada vez mais sensual, um autêntico afago…, embora, lá está, a sombra da grande Triona assome por mais de uma vez, como na balada em gaélico “Máire mhór”, e interlúdios falados de paresentação dos temas. “Live in Palma” é um reencontro estimulante com a banda que ainda há bem pouco nos presenteou com a obra-prima “At The End Of The Day”, recordando as noites inesquecíveis oferecidas pelo grupo numa das edições do Festival Intercéltico do Porto. Um dos grandes discos ao vivo do ano. (Whirling Discs, 9).

Os Bothy Band voltam a ser citados a propósito dos Open House e dos Patrick Street, outras duas bandas que já nos visitaram (integradas, respectivamente, nas programações da Festa do “Avante!” de há dois anos e do Intercéltico deste ano), já que o seu violinista é Kevin Burke, um dos nomes de referência da música irlandesa actual.
Em qualquer destes trabalhos nota-se, em primeiro lugar, a idade dos músicos! Compare-se o som e a atitude dos Open House e dos Patrick Street com a dos Solçás e dos Dervish. Pois. É a diferença entre quem vive a música como se o mundo acabasse amanhã, entregando-se-lhe sem reservas e quem a sente já com outra sabedoria e distância. Se a componente rírmica, em qualquer destas duas bandas mais velhas, pode dar a sensação de perder na comparação com a das suas congéneres mais jovens, as subtilezas contidas na expresão e na interiorização compensam este défice, real ou paarente. Outra das características das bandas mais velhas é a saída para outras músicas, talvez em busca de uma irrecuperável frescura e de novas fontes de inspiração. Fenómeno que, em si, nada tem de negativo – basta lembrar os casos de outros veteranos célebres, como os Chieftains, House Band ou os próprios Planxty.
Em “Hoof and Mouth”, terceiro ábum da sua discografia, os Open House vão à Eslovénia, à Sérvia, à Bretanha, à Finlândia e a um original de Laura Nyro, já para não falar das tendências 2bluesy” e “country” do seu tocador de harmónica, o norte-americano Mark Graham, das sessões de sapateado de Sandy Silva e do clarinete, muito anos 40, ainda de Mark Chpaman. A Irlanda profunda força a entrada através das “uillean pipes” do convidado Ged Foley, dos Patrick Street, precisamente. Sem pressas, os Open House vão construindo uma reputação, num álbum mais calmo e “americanizado” que os seus antecessores. (Green Linet, 7).
Os Patrick Street são “mais irlandeses”. Uma banda clássica, no sentido em que se mantém fiel ao estilo tradicional, embora também em “Made In Cork” seja notório um menor fulgor instrumental, em comparação com grupos como os Solás, Dervish, Skylark, Trian ou o com fogo interior que anima Eillen Ivers (Altan e Déanta são casos especiais, evidenciando uma atitude mais pacificadora).
Depois de uma digresão pelos Estados Unidos, a superbanda formada por Burke, Andy Irvine, Ged Foley e Jackie Daly regressou ao coração da Ilha, para gravar em Cork este seu novo registo. Anote-se, também aqui, em paralelo com os Open House, as tónicas da serenidade e dos andamentos médios, com a curiosidade de se sentirem diferenças no “approach” do violino, numa e noutra banda, por parte de Kevin Burke, aqui muito mais sincopado do que nos Open House. Claro, os Patrick Street, se outros trunfos não tivessem, conseguem ser diferentes de toda a concorrência, por obra e graça de uma voz, única na Irlanda, pertencente a Andy Irvine, verdadeiro mago na arte de emprestar ternura e saudade (que nos perdoem os puristas da língua, mas pensamos ser este sentimento comum a Portugal e à Irlanda…) a uma balada. Mas, ainda aqui, faz impressão verificar uma certa falta de nervo. A idade não perdoa… (Green Linnet, 7).
Por fim, recordemos as origens. Os Bothy Band, para quem ainda não saiba, foram uma das primeiras bandas a transformar a “irish music” numa música capaz de provocar nas audiências mais jovens a mesma excitação do rock. A reedição de “Live In Concert, BBC Radio One” inclui duas sessões do grupo ao vivo, em Londres, transmitidas, via rádio, pela Radio One. A primeira, gravada no BBC Paris Theatre, a 15 de Junho de 1976. A segunda, em The National, Kilburn, a 24 de Julho de 1978, ou seja no auge criativo desta banda, que deixou para a posteridade apenas três álbuns de estúdio, “The Bothy Band”, “Old hag You Have Killed Me” e “Out Of The Wind Into The Sun”, sendo, todavia, qualquer deles, registos-chave de toda a “folk” irlandesa.
Em cada uma destas ocasiões, o grupo apresentou um “uillean piper” diferente: Peter Brown, na primeira; Paddy Keenan, na segunda. O interessante neste disco é a demonstração do facto de os Bothy Band serem uma nbanda de tal modo proficiente em termos instrumentais que as versões ao vivo, tanto instrumentais como vocais, eram praticamente idênticas aos sofisticados arranjos de estúdio.
Nota-se isso mesmo, por exemplo, no clásico tema de “mouth music” de “Old Hag…”, “Fionnghuala”, e em todos os “sets” instrumentais, como aquele que se inicia com “Michael Gorman” (desse mesmo álbum), contendo uma estarrecedora prestação de Peter Brown, na “uillean pipes”. Não deixa, então, de ser espantoso que, no disco de estúdio, o mesmíssimo tema seja tocado praticamente da mesma forma por outro músico, o qual se viria a notabilizar como gaiteiro da banda, Paddy Keenan!…
Isto só prova a formidável unidade e coesão (enquanto duraram…) dos Bothy Band. “Live In Concert” acaba por ser um condensado dos álbuns de estúdio, interessante, sobretudo, do ponto de vista de uma apreciação técnica dos seus elementos. (Green Linnet, 8, todos os álbuns com distri. MC – Mundo da Canção).

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