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Vários – “Música Da Terra” (folk | dossier)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 8 AGOSTO 1990 >> Videodiscos >> Folk

A DISCOTECA


MÚSICA DA TERRA

Rock, pop, o estardalhaço, a rádio sempre aos guinchos, as banalidades semanais, acabam por cansar. Saturam-se os ouvidos, esgota-se a paciência e procura-se avidamente o refrigério. Vasculham-se os arquivos e de repente, coberto de poeira, encontramos o rótulo já esquecido: “Folk”.



Sorrimos e recordamos, nostálgicos, os anos passados. Era na passagem de uma década para a seguinte. Há vinte anos, mais ou menos. Vivia-se a época da música progressiva. Considerava-se progressiva toda a música que incluísse flautas, cítaras, Mellotron e o obrigatório “Moog synthesizer”. O rock atravessava um momento de descrédito. Na Inglaterra, um grupo de jovens a quem os ritmos urbanos não diziam grande coisa, resolveu olhar para o passado e reviver a tradição da sua terra. De fora, chamaram ao movimento “folk revival”. Fairport Convention, Steeleye Span, Trees, Tudor Lodge hesitavam entre o folclore e o rock, logo, praticavam “folk rock”. Foram aceites como mais um bando de malucos, que outro nome se podia dar a quem se preocupava com os costumes dos “velhotes”, coisas antigas, névoas e lendas ancestrais? O movimento foi moda e, como todas as modas, passou. Esgotado o tempo a que tinha direito, a corrente fluiu, subterrânea. Na nova década em que entrámos, de novo a cíclica explosão. Por cá chegam constantemente novos discos e aumenta a legião dos “maluquinhos da folk”. A Nébula foi pioneira, no capítulo das importações. Seguiram-se-lhe a VGM, a Mundo da Canção, do Porto, a cooperativa Etnia, de Caminha, e agora também a Contraverso entra na corrida, dispondo já em stock de preciosidades do catálogo “Topic”, dos mais antigos e prestigiados das Ilhas Britânicas.

Sons rurais

Martin Carthy, conhecem-no os mais sabedores destas antiguidades musicais, dos Steeleye Span, onde cantava e tocava guitarra. Mas talvez se desconheça que gravou inúmeros álbuns a solo ou acompanhado pelo violinista, ex-líbris dos Fairport Convention, Dave Swarbrick. “Second Album”, “But Two Came by” e “Prince Heathen”, estes com a participação do homem do arco que consegue tocar em quinta velocidade com o cigarro aceso ao canto da boca, sem se atrapalhar, e “Byker Hill”, “Crown of Horn”, “Out of the Cut” e “Right of Passage”, de Carthy a solo, os dois últimos anteriormente já importados pela Nébula. A voz de entoações ligeiramente nasaladas como convém neste tipo de música e a mestria guitarrística do ex-Steeleye Span encontram na versatilidade e virtuosismo de Swarbrick o contraponto ideal na interpretação de um reportório constituído principalmente por baladas do cancioneiro rural inglês ou (em menor escala) da tradição medieval palaciana. Recente e abordando a matéria de forma original, o quinteto Brass Monkey, de que faz parte e que integra também John Kirkpatrick, utiliza instrumentos de sopro no desenvolvimento das jigas e “reels” tradicionais. Se soubessem, os colegas do jazz corariam, pela heresia do gesto, pela profanação do saxofone sagrado, nascido com o destino traçado – espelhar e cantar a alma negra através de uma música que, por direito e origem, lhe pertence.
Kirkpatrick, especialista da anglo-concertina e do acordeão de botões, fez parte dos Albion Band e colabora desde longa data com a cantora Sue Harris, que também toca oboé e saltério. Imprescindíveis são os álbuns “Facing the Music” (só de instrumentais), “Shreds & Patches” e “Stolen Ground”, outras tantas corridas por montes e vales no tempo que medeia entre a magia do meio-dia e o piar do mocho no campanário da igreja, prenunciando a meia-noite.

Nos lagos

Robin Dransfield, outrora metade do duo formado com o seu irmão Barry, é outro vocalista de inegáveis talentos, acrescidos aos de arranjador e intérprete. Provam-no as canções de “Tidewave”, antigas, sentidas, vibrantes nas cordas da guitarra esquecida do presente, no poder evocativo de uma sanfona trazida do reino da França. Peça indispensável na coleção de um apreciador que se preze.
Mais ocidental, a Irlanda assombra pelo mistério de castelos perdidos no meio de escuras florestas, das rochas com histórias para contar, do mar infinito de cujo fundo emergem lendas de sereias e pescadores unidos por inconfessáveis laços. E de muitos lagos, sem “Nessies”, mas encantados por elfos, duendes e fadas, seres que a imaginação tece e por isso são reais. Os Boys of the Lough, ao lado dos Chieftains, afirmam-se como um dos mais antigos e conceituados mestres do “irish folk” e o violinista Aly Bain, um dos seus nomes lendários. “In the Tradition” e “Open Road” são a um tempo conservadores e inovadores no modo como interpretam o folclore irlandês, recorrendo exclusivamente à instrumentação tradicional e à clássica combinação violino/”tin whistle”/flauta, para criar sequências respeitadoras dos cânones, na alternância entre as danças e as baladas vocalizadas. Mais tarde entraria em cena a gaita-de-foles de Christy O’Leary, enriquecendo ainda mais o som dos Boys.

Tradição presente

Os House Band não serão tão ortodoxos, mas talvez até por isso a sua música revela-se ainda mais excitante. Os álbuns “Pacific” e “Word of Mouth” divergem na apreciação das temáticas originais, no primeiro caso vogando na serenidade dos “airs” interpretados pelo tin whistle e pela flauta, no segundo soltando-se em extroversões instrumentais e vocais em que a gaita-de-foles e a bombarda fazem a festa. Refira-se por último “Fire in the Glen”, do trio composto por Andy Stewart, Phil Cunningham (dos Silly Wizard) e Manus Lunny, semelhante aos Planxty nas vocalizações do primeiro, despreconceituado na utilização do sintetizador e dos teclados eletrónicos apostados em construir uma música que, embora mais sofisticada, não perde de vista as origens que lhe estão na base.
A audição de qualquer destes discos constitui uma oportunidade única para todos aqueles interessados em conhecer as diferentes vias e ramificações de um género que constantemente se renova e enriquece, apostado, pelo espírito, o sal e a pedra, na edificação do templo dos celtas, de paredes sólidas, totalmente transparentes. Como um prisma de cristal refractando a luz branca nas sete cores do arco-íris.

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #30 – “Alice Coltrane”

#30 – “Alice Coltrane”

Fernando Magalhães
24.10.2001 180609

Coincidência: Depois da conversa do outro dia em torno da Alice Coltrane, não é que encontrei na Carbono um CD desta artista, por 1000$00, ed. Impulse remasterizada?
O CD em questão tem por título “Ptah the El Daoud” e, segundo o A. Curvelo, é nada mais nada menos que o melhor disco alguma vez gravada pela senhora! Sorte e pontaria! 

Do que ouvi até agora, é um disco de jazz- jazz, portentoso, com Joe Henderson, entre os múicos participantes. 4 temas longos. Groove, equilíbrio entre composição colectiva e “desbunda” solística, potuados por “glissandos” da harpa, um instrumento que, no jazz, apenas conheço, de facto, executado por A. Coltrane.

saudações jazz

FM

PS-Tenho que encontrar outros dois discos fundamentais do Herbie Hancock: “Maiden Voyage” e “Head Hunters”

Bruce Hornsby & The Range – “A Night on the Town”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 8 AGOSTO 1990 >> Videodiscos >> Pop


BRUCE HORNSBY & THE RANGE
A Night on the Town
LP e CD, RCA, distri. BMG



O homem tocou em bares, esteve quase a tornar-se “new ager” para a editora Windham Hill, recebeu prémios Grammy em 1986 (revelação do ano) e 1989 (melhor disco de “bluegrass”). Trabalhou com Don Henley, Charlie Haden, Neville Brothers, Cheap Trick, Sting, Don Dixon, Bruce Springsteen, Nitty Gritty Dirt Band, Leon Russell, Paul Simon, Shawn Colvin, Bob Dylan, Elton John, Crosby, Stills & Nash, Grateful Dead, Herbie Hancock, Bob Seger, Branford Marsalis, B. B. King e Lou Reed. Com certeza que sabe fazer o pino e cozinhar. Americano, de 35 anos, gosta de praticar tiro com arco e de conduzir jipes. Recebeu educação esmerada na escola de música em Berklee, na Universidade de Miami. Deseja corresponder-se com menina entre os 20 e os 45 anos, saudável, de preferência de aspecto semelhante à da capa, para fins sérios. Enviar foto de corpo inteiro. Bruce, pelo aspecto xunga que afivelaste na fotografia da citada capa, não te auguro grande pescaria. Pois é, se um currículo fosse garantia de boa música, o disco seria uma obra-prima. Infelizmente não basta o diploma. Da primeira à última canção, “A Night on the Town” é um disco medíocre, sem ponta por onde se lhe pegue, igual aos quilos de entulho que fazem as delícias das rádios FM. Escapam os textos, histórias americanas de personagens perdidas em cidades esquecidas e estradas poeirentas. Pequenos grandes dramas a merecerem melhor acompanhamento musical. Nem as presenças do Grateful Dead Jerry Garcia, do saxofonista dos Weather Report, Wayne Shorter, e da voz de Shawn Colvin, salvam o disco de uma confrangedora sensaboria. Vai vender.